ar, o meu pai para mim a seguir à comida, no escuro da horta, a bater-me no joelho com
a jovialidade da palma
- O que eu gostava disto quando era criança
a aldeia muito maior do que agora, até padre tinha numa casa com uma latada e uma
governanta que me sorria sempre - Quem me dera ter a tua idade pequeno
de xaile mesmo em agosto, a pendurar peúgas num fio, que gostava de lhe agarrar
na cabeça e a apertar contra si, dona Eurídice, o meu pai lembrou-se sempre do nome - Eurídice é bonito
que tresandava a barrela e ao incenso da igreja, contavam-se histórias mas contam-
se sempre histórias das empregadas dos padres que nos davam a mão a beijar, muito
mais lisa que a nossa e a mesma frase sempre - Estás um homem
o meu pai que não havia maneira de deixar de ser gaiato por mais que caminhasse
em bicos de pés e engrossasse a voz, que lento o tempo na infância, a partir de certa
altura, pumba, põe-se a andar muito depressa e não há quem o pare, dali às pernas
empenadas um instantinho e das pernas empenadas ao caixão nem se fala, o meu avô
por exemplo todo energia, todo - Passo de corrida marche
queixou-se três dias e ficou-se, nem para um - Ai Jesus
teve tempo, a capela iluminada com ele lá dentro, atulhada de xailes que
conversavam, homens a beberem de uma garrafinha cá fora e hoje em dia quase
ninguém, sobra o cego sempre a chamar a afilhada - Arminda
porque tem frio, porque tem calor, porque perdeu o boné, porque quer ir para casa,
porque um chichi urgente, porque lhe apetecem uvas mesmo fora da época, a boca dele,
a mastigar, um saco vazio com a lagartixa da língua a agitar-se lá dentro, se cães lhe
passam por perto uma pergunta zangada - Quem está aí?
chicoteando o vazio com a bengala, a gente calados a arrepanhar-lhe o casaco e ele
a voltar-se para trás, sempre na direção errada - Coirões
havia um cego no quimbo, junto ao arame farpado, que não necessitava de ver,
resolvia tudo com o olfato, se por acaso eu por perto, mesmo calado - Muata
acocorado num declive a mastigar raízes, o porco no chiqueiro já não comia agora,
fitava-nos lá de dentro, desconfiado, severo, a minha filha para nós - Ele sabe
conforme o meu filho sabe que se lhe percebe na cara e na maneira como não me
procura, desvia-se de mim, cessou de responder-me, evita-me, quando me pensa
distraído descubro-o a espiar-me, o que sabes tu, o que me pretendes fazer, uma mulher
sem orelhas nem mãos, um homem debruçado na erva, o silêncio dele a acusar-me - Você matou-os matou-os