e um gesto que desapareceu a meio, não quero Sua Excelência encostando-se à
parede, espalmada na boca a fitar-me, não quero toda a gente encostando-se à parede
espalmada na boca a fitar-me, não quero alguém a anunciar ao telefone
- Faleceu
quero o meu avô, que não conheci, a mostrar-me a espingarda das perdizes, a minha
mãe sem me olhar - Estou cansada
e eu ao lado dela, igual ao meu pai - Dá-me licença que a acompanhe?
os dois caminhando lado a lado sem nos mirarmos, sem falar, quer dizer as palavras
não vinham, a precaução de não ficarmos demasiado perto um do outro, cerimoniosos,
com respeito, se uma pessoa em sentido contrário afastávamo-nos para que passasse
entre nós, somos duas criaturas que não se conhecem e por acaso caminham ao mesmo
ritmo, o chefe de posto mandou os sipaios juntar os pretos e o fazendeiro do algodão
escolhia-os - Vendem saúde estes?
descalços, magros, baixos, calados, a minha mãe - Tenho frio
porque as pedras que flutuam arrefecem no ar, trouxe-lhe uma manta da cama,
trouxe-lhe uma coberta que tirei do baú, os olhos dela em mim sem me verem - Estás aí não estás?
não um miúdo preto, um preto já adulto, de cabelo grisalho e estava ali senhora,
estava ali, quase ninguém deu por mim mas garanto-lhe que estava ali, a mulher sem
mãos - Muana
estava ali também, a minha irmã poisou, palavra de honra, o cotovelo no ombro do
meu pai e o meu pai - Rapariga
que era tudo que a emoção permitia, lembro-me dela no berço a dormir, lembro-me
dela ao colo da minha avó que não gostava de mim e me tratava por escarumba - Tresanda a catinga este
a tentar agarrar-lhe na medalhinha do fio do pescoço tão gasta que mal se distinguia
a imagem, enquanto ela me apontava aos meus pais - Eu não aguentaria este pivete
o meu pai desarrumou o cabelo da minha irmã e a minha irmã, que em geral não se
importava com penteados, ofendida a arrumá-lo, o porco tentou colocar as patas da
frente no lombo de uma fêmea, borregou, desistiu, Sua Excelência com um olharzinho
oblíquo para mim - Como eu a compreendo um monstro daqueles
e deitou-se sobre uma serapilheira lá ao fundo a estudar-nos, de vez em quando
fungava como se preparasse, os pretos do fazendeiro adoeciam um após outro lá em
cima, um discurso, abria a boca para o primeiro ronco e calava-se, a minha irmã para o
meu pai - Não sei se volte para Lisboa na camioneta da noite