obrigando-me a patinhar com aquilo como essas pessoas dos esquis quando não
deslizam, a levantarem os joelhos como patas chocas não mencionando o suplício das
tranças que a minha mãe torturava, a agonia dos brincos com o espigão de enfiar no
buraquinho do ouvido sempre a falhar o buraquinho, mastigar com a boca fechada antes
que me pingue toda, não é bonito ver-se a comida para a direita e para a esquerda lá
dentro, pareces o teu irmão que é preto coitado, nunca lhe ensinaram essas coisas, claro
que há sempre a desculpa de que para uma mãe ensinar sem
- Ainda não viu o porco de amanhã minha senhora?
para uma mãe ensinar sem mãos é difícil, já ensinar com elas sabe Deus, a gente bem
tenta, quem me dera ser homem como o teu pai para só me preocupar com a guerra,
não há semana em que não me acorde a abanar-me - Não ouves a costureirinha?
e a tentar empurrar-me para debaixo da cama onde só existe poeira e uma galocha,
olha olha, que julgávamos perdida há séculos e afinal está para ali sozinha à espera de
um pé que sirva, ora aí está uma vantagem das metralhadoras, deixar-nos calçadas, o
problema é que não se consegue apanhá-las com os dedos, tão distante o estafermo,
tem que empurrar-se com o cabo da vassoura para o outro lado do colchão e tornarmo-
nos magríssimas porque o outro lado do colchão quase encostado à parede, ainda não
vi o porco de amanhã, é verdade, mas - Sinto nos vos
não sou muito de porcos, primeiro cheiram mal, segundo são feios e terceiro
parecem-se com a gente na maneira de ser, os movimentos sacudidos, os resmungos, o
alheamento dos outros, o que me vende as injeções abate nos preços sempre que
respondo à sua ordem - Anda cá
e enquanto estou ali, de nariz apontado ao teto, tento pensar noutra coisa, umas
vezes consigo, outras apenas - Quando é que isto acaba?
e se por acaso me aleija o peito ou a barriga aguento até que ele se levante
desgostoso - Pareces morta
e não pareço morta, estou morta, há que tempos que estou morta e ninguém sabe,
torna não torna o meu pai - Sempre falaste tão pouco filha
e falar para dizer o quê senhor, o que há a dizer ainda, o que se pode dizer, o que
querem que eu diga, mais vale caminhar em silêncio para que os turras não se
apercebam, o meu avô, ao menos, gostava de perdizes e de as tirar do queixo da cadela
a fim de as pendurar no cinto, algumas a estremecerem ainda, o meu pai a olhar o
candeeiro do teto referindo-se à minha mãe, julgo eu - Se não tivesse ido à guerra talvez fôssemos felizes
e o que pretende exprimir com felizes, menos alferes paraquedistas, menos medos,
menos mortos, uma vontade de netos que não compreendo, a trotarem sem descanso
até ficarmos exaustos, o médico para a minha mãe num triunfo que me pareceu
excessivo