sempre uma manta para os joelhos porque eu frio, tanto frio neste momento embora
esteja com melhor aspecto, com ótimo aspecto, o médico
- Se não soubesse das pedras não acreditava
e portanto é uma questão de tempo, uma questão de paciência, uma questão do
medicamento ir limpando, limpando, quais cinco ou seis semanas, anos, o que não sei
se é boa ideia porque já imaginou a quantidade de netos que vai ser preciso aturar, mãos
peganhentas, diarreias, tudo fora dos sítios, os netos portugueses são tão bons como os
melhores, ainda longe, ao aproximarmo-nos de táxi da casa, o meus pais já na varanda
à espera e o - Dá-me licença que a acompanhe?
de uniforme a acenar-lhes comigo a pensar - Mudaste
a pensar - Não sei bem em quê mas mudaste
não feliz como eu imaginava, estranho, o formato da boca diferente, nenhum sorriso,
uma atenção minuciosa a tudo, os ouvidos alerta, a mão não a segurar a minha,
esquecida no joelho ou a erguer-se de repente em busca de não sei quê na cintura
quando algum escape mais forte, espiando os outros carros, espiando o passeio,
olhando à socapa pelo vidro de trás, despertando de súbito, tocando-me no joelho com
o joelho - Estás um bocadinho de nada mais magra
eu que infelizmente não estava mais magra, estava dois quilos mais gorda que se
verificam nas bochechas, na cintura, o - Dá-me licença que a acompanhe?
a observar-me melhor, de uma maneira que nunca irei esquecer, o - Dá-me licença que a acompanhe?
ao meu lado no táxi a perguntar - Dá-me licença que a acompanhe?
no tom em que me perguntou pela primeira vez na rua - Dá-me licença que a acompanhe?
hesitante, tímido, num fio de torneira que se fecha, com as sílabas cada vez mais
espaçadas, achatando-se no ralo até à gota final, já arrependidas de si mesmas - Desculpe desculpe
e qualquer coisa dentro de mim - Amor
sem que me tocasse sequer ou talvez o meu braço nas suas costas - Amor
na sua nuca - Amor
no seu pescoço - Amor
o médico para nós, surpreendido - Há quantos anos estão juntos?