abrirem a própria cova e a acocorarem-se lá dentro, à espera, nem sequer levantando a
cabeça para nós, de mãos no colo, com olhos que eu não imaginava tão tranquilos, o
meu filho ao meu lado, de faca na mão, a tratar-me por
- Pai
a explicar-me, dentro do - Pai
sem mudar de expressão - Você não é o meu pai você matou o meu pai
uma criatura de bruços na terra em que mal reparei, a levá-lo às cavalitas, sem
palavras, sem lhe dar atenção que era a sua forma de chamar - Filho
o filho do preto de bruços na terra dividido entre dois pais, ao mesmo tempo indeciso
e decidido, reticente e seguro, pensando que perder o pai branco era a única forma de
conservar o preto e Sua Excelência, calada a um canto, entendendo sem entender,
compreendendo sem compreender, Sua Excelência para o meu filho, sem pensar nas
palavras e no entanto dizendo as palavras - Não me trates por Sua Excelência trata-me pelo meu nome
e portanto tudo bem, tudo bem, quando a minha filha deixar de tremer tudo bem,
quando as pedras do rim da minha mulher desaparecerem tudo bem, não estou
preocupado, não estou triste, não tenho medo, fico feliz que tudo bem - Manda mosca
tudo bem, como o turra sentado no capim - Tudo bem
a amontoar-se na erva e tudo bem, como o alferes paraquedista sem pernas no
helicóptero - Não se preocupem comigo tudo bem
como o soldado de costas na picada em lugar de - Quando o meu avô souber mata-se
a insistir - Tudo bem
como o médico a tirar olhais de bota dos corpos dos outros e tudo bem com os
outros, tudo bem, eu na adega para a minha mulher - Daqui a minutos acabam-se os sonhos e portanto tudo bem
eu pronto a caminhar ao lado dela - Dá-me licença que a acompanhe?
eu a procurá-la no escuro porque hei de procurá-la no escuro, hei de encontrar o seu
corpo, encontrar o meu corpo e - Tudo bem
até o quadro das maçãs e das peras - Tudo bem
até os teus pais escutando-nos no outro quarto - Tudo bem
um sonho que não passa disso mesmo, o que a cabeça inventa, o que a imaginação
faz, o médico para a minha mulher