mabecos escondidos no capim para além do cheiro da mandioca podre, hienas trotando
à espera, o cheiro a urina e merda na adega, o cheiro dos aventais de borracha, das
luvas, a voz do meu pai como sempre antes de espetar a faca
- Cá estamos nós rapaz
enquanto a minha mãe se fechava em casa, horrorizada, a cobrir-se com as palmas - Não aguento isto
os gemidos, os berros, as lágrimas embora os pretos nem gemidos, nem berros, nem
lágrimas, de vez em quando apenas um suspiro baixinho - Nosso arfere
ou - Nosso cabo
ou - Nosso furriel
amontoando-se em silêncio no chão, um velho que tentava fugir a agrupar-se
devagar sobre trapos a arderem e a roupa dele uma chama que se apagou por fim, ficou
um conezito de poeira, restos de carvões a luzirem, um sujeito de pé, depois de joelhos,
depois de gatas, depois um crânio a desaparecer na raiz escura da mandioca, depois
nada, ficou o meu filho a olhar apenas, descalço, minúsculo, de barriga inchada e eu - Lembras-te de África?
eu à frente dele para a tropa - Não lhe toquem
e tive a certeza que o meu filho a lembrar-se conforme se lembrava da mulher a quem
cortei as orelhas e as mãos e do homem que dormia no quimbo com ela, no meio dos
frangos, de bruços na terra com uma rajada de gê três pelas costas, o meu filho calado
como agora calado, sério como agora sério, perto de mim como ag - É só dor é só dor
como agora perto de mim - Lembro-me
não o meu filho, não o garoto que salvei em Angola, que impedi que matassem, que
trouxe de África, que alimentei, que protegi, que ajudei a crescer, a quem dei o meu
nome, o marido de Sua Excelência, o irmão da minha filha - É só dor é só dor
um preto miserável, um escarumba que nem pessoa era, um macaco que não falava
até eu fazer dele uma criatura quase como nós, um português pertencente a um povo
tão bom como os melhores - Marcha lento e à vontade
um descendente dos conquistadores do mar, dos descobridores do mundo, sem
galinhas miúdas, sem cabras esqueléticas, sem cabíris famélicos, sem palhotas infelizes,
sem insetos e ratos para comer, uma criatura reles, ingrata, um selvagem, o meu filho
que quase nunca me falava - Lembro-me
o meu filho de avental de borracha, com a faca pendurada da mão - Lembro-me da minha mãe sem orelhas lembro-me do meu pai de
o instrutor para mim