- Acabe com a cisma das pedras mãe
dando pelo alferes descalço, só com as calças de pijama, meia barba por fazer e a
navalha na mão, Sua Excelência sentada na cama, com o vestido da véspera - Espero que ao menos continue a haver água quente
ela que mandava em todas as pessoas inclusive na avó - Cale-se senhora
e a velha só pantufas e lenço de viúva obedecia, nunca vi corpo tão minúsculo nem
tornozelos tão fininhos, uma filha com um dos olhos desviado - Pare quieto seu esqueleto
cortava-lhe as unhas a soprar de zanga, a casa onde moravas pior do que esta mas
com a vantagem de não cheirar a preto - Abre a janela que empestas
embora o rio tresandasse como as valas comuns e hálito de defunto, o pai apesar de
morar noutro sítio com outra mulher aparecia de quando em quando à hora do almoço,
ordenava à esposa - Quieta
ouviam-se sons de objetos que tombavam, uma cadeira, uma escova e o pai saía cinco
minutos depois a apertar-se nas calças e a pentear-se com as palmas até à furgoneta de
escape avariado, toda tosses, estalos e molas em desacordo umas com as outras onde
um colega do armazém, de boné com o nome da firma, o esperava e quanto a mim
comprar gasolina e convencer o mecânico a ajudar-me com o bidão e a dar uma vista de
olhos ao motor, para tirar peneiras, que o automóvel não é novo já, não sei quantas
horas à pata sem lua e numa estrada onde não existem candeeiros é obra, existem
campos, quintas e a bicharada da noite, o perigo dos mabecos me atacarem as canelas
conforme atacavam as palancas, penduravam-se-lhes da garupa, do pescoço e das
patas, disso recordo-me, julgo recordar-me, recordo-me mas não sei se invento a
memória, episódios tão difusos, tão vagos, por exemplo uma mulher, um homem, uma
menina ainda mais pequena do que eu que se parecia comigo talvez por Sua Excelência
garantir que os pretos se parecem todos uns com os outros - Vocês parecem-se todos uns com os outros
contei isso à minha irmã e a minha irmã como de costume impassível, Sua Excelência - Parecem-se todos uns com os outros
enquanto caminhávamos a tentar não sair do alcatrão, de repente cegos por faróis
instantâneos que nos enchiam de fumo, um camião de vitelos que berravam pedindo
auxílio e desapareciam de nós, sem auxílio algum, na primeira curva de plátanos, hesito
se a minha mãe a mulher que me pegava ao colo protegendo-me dos mabecos ou a
esposa do alferes de borboleta na lapela que me tratava por - Filho
e quem me responde a isto, qual das duas a minha mãe de fato, eu para a minha irmã - Tens a certeza que és minha irmã tu?
e a minha irmã a subir os olhos de um canteiro, muda, se a minha irmã és tu por que
razão não te pareces comigo visto que Sua Excelência afirma que os pretos se parecem
todos uns com os outros, se não se parecessem eram brancos e eu não branco, eu um
saguim bom para se passear nas árvores, diz-me quem é a minha mãe, quem é o meu
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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