pai, o alferes ou aquele que estava com a mulher em África e quem sou eu já agora, tudo
tão complicado, tão estranho, Sua Excelência sem entender
- Que raio de conversa é essa?
à procura de um sabonete e uma toalha na mala afastando vestidos, blusas, roupa
interior, sapatos, tudo extraído da minha conta no banco é evidente, a estudar-se com
raiva, a convidar-me a estudá-la - Repara só no monstro em que me tornaste esta noite por causa da avaria no teu
carro de merda
um carro de merda, um preto de merda, uma vida de merda, por favor vira-te de
costas enquanto me arranjo, não te atrevas a olhar e sobretudo proíbo-te que repitas o
que fizeste no banco ou na arrecadação do vagomestre, não sei dizer em qual, quando
me obrigaste a colocar o pé num caixote enquanto te procuravas nas calças, tu baixo, tu
ruivo, tu calvo, com um cigarro de fumo lamacento na boquilha curta e sem o soprares
sequer, deixando-o flutuar na boca ou seja exatamente o que o alferes me contou, muito
mais tarde, no apartamento de Lisboa ou aqui, talvez aqui na hortazinha de alfaces e
pepinos, talvez em África na lavra de mandioca dado que tudo se me confunde na
memória e a mulher do alferes a minha mãe, a mulher do alferes sempre junto de mim
quando o paludismo chegava, a trazer-me água, a medir-me a febre, a poisar-me a mão
no cabelo, a substituir os lençóis, a dar-me leite a beber e o vidro do copo, palavra de
honra, o vidro do copo doce e macio, o vidro do copo parecido com, não digo, o vidro
do copo subitamente uma parte dela, o vidro do copo que eu desejava o seu peito, que
era o seu peito, capaz de me proteger dos mabecos, do helicanhão, das bazucas, dos
tiros, o médico para o alferes, o meu pai, o alferes - A regata ainda não acabou vamos ver vamos ver
o médico para o meu pai, o alferes, o meu pai até que a minha mãe, a mulher do
alferes, se sumiu no biombo - Talvez seis meses com sorte
e de seguida endireitando-se risonho sobre as nossas cabeças - Fica-lhe bem esse casaco azul minha senhora
esse casaco azul, esse pano do Congo, esse casaco azul aliás já um pouco antigo, um
tudo nada gasto nas mangas, com uma borboleta de metal, não oiro nem prata, metal,
de asas abertas na lapela e a minha mãe, não a mulher do alferes, ao lado do biombo,
libertando com os dedos na nuca o cabelo que ficou preso na gola a soprar um - Obrigada
acanhado e por um momento achei que minha mãe somente enquanto as pedras que
lhe saíram do rim para o corpo todo a comiam por dentro até restarem apenas os ossos
do fígado, os ossos dos pulmões, os ossos dos ossos, o alferes que me trouxe levou-me
uma tarde à missão dos padres espanhóis abandonada com o que sobrava de um
claustro de tijolos em torno de um tanquezito seco, celas sem portas, a capela deserta
com uma parte do altar somente e um pedaço de balde ou regador em cima, em torno
da missão acácias de flores roxas até ao campo santo com meia dúzia de cruzes de pau,
uma ou outra placa com uma data e um nome e por baixo das cruzes aposto que nada
visto que a terra de Angola devora os brancos depressa, Sua Excelência de regresso ao
quarto no interior da toalha