- Está frio
e como falou comigo num tom quase normal achei que sim, estava frio, um ventinho
nos legumes por tratar, os pés de liamba murchos, a mandioca esquecida, o motor do
avião do correio em qualquer ponto da mata, dormia na cama do alferes com ele e
escutava-o a falar durante o sono conforme Sua Excelência às vezes - Mãezinha
sem conseguir acordar, recordo-me do cadáver do sueco que trouxeram para o
arame e de um agente da polícia política lhe apontar a pistola e meter um tiro na barriga
apesar de morto e apesar de morto o seu corpo a agitar-se, a minha mãe para o alferes,
cochichando a seguir a uma porta fechada - Vou morrer não vou?
e nenhuma resposta porque o alferes ocupado a esvaziar as algibeiras do sueco, o
alferes para a minha mãe, enquanto separava papéis distraído dela - Claro que não
ou antes a voz do alferes não - Claro que não
a voz do alferes - Cala-te
mais do que isso, a voz do alferes - Por favor cala-te
a voz do alferes agora velho, sem camuflado nem o seu pelotão com ele, o alferes
num círculo de cadeiras do hospital não respondendo ao psicólogo, não o olhando, não
se apercebendo dele sequer, a ler os papéis do sueco depois de os alisar contra a perna
com o cutelo da mão, o meu pai para a minha mãe no quarto da casa da aldeia - Nenhum de nós dois vai morrer ouviste?
e depois para si mesmo tentando convencer-se - Nenhum de nós dois vai morrer
enquanto um bando de corvos se erguia dos choupos a atravessar os salgueiros na
direção da serra e no exato instante em que o alferes - Nenhum de nós vai morrer
a minha irmã no quintal principiou a gritar.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1