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Quando voltei de África qualquer barulho me assustava e eu de joelhos à procura da
arma que já não tinha e pensava ter ainda a fim de matar o trinco de uma porta ou o
banzé dos vizinhos, metralhadoras de saltos de senhora, bazucas de passos de homem,
suspiros de feridos ou de gavetas de armário, a minha mulher tentava que não reparasse
nela e a consequência era não ser capaz de lhe tirar os olhos de cima dado que o ruído
que ela fazia ensurdecia-me, a cautela das solas por exemplo dava-me a certeza que iam
pisar dali a nada crianças vivas que se encolhiam de dor, as janelas abriam-se num
protesto de panos do Congo rasgados sobre um corpo, o da minha mulher, subitamente
enorme, impedia-me de fugir visto que dúzias de braços me prendiam a segredarem
- Quietinho
levando-me para um esconderijo na mata onde um comissário me afundava a pistola
no umbigo se por acaso ela ia às compras a puxar um carrito de duas rodas vesgas que
pulavam no tapete, as coitadas, sob uma descarga de calache, a patroa ao mesmo tempo
ausente e em toda a parte, na sala, no corredor, na marquise, fitando-me de óculos de
coser no vértice do nariz que me chamavam para si - Tuga tuga
comigo a tentar explicar-lhe sem conseguir afastar-me - Se não te preocupares comigo talvez eu sobreviva
e ela sentida claro, a esmagar com o mindinho, no canto da pálpebra, a desilusão de
uma lágrima - Se calhar já não gostas de mim
e palavra de honra que te enganas, que patetice a tua, gosto só que Angola não me
larga, onde estou eu ao certo, tantos mabecos à roda do arame, tantos milhafres no
alto, tantos turras à minha espera aqui, quero a minha avó Benilde, quero a minha
madrinha, quero que ambas me digam - Pronto pronto
a entalarem-me a roupa mas não apaguem a luz, sobretudo não apaguem a luz e
entreguem-me a locomotiva de folha a perder tinta e com uma amolgadela que não sei
quem fez, não eu, para a apertar contra o coração, quero a ordenança da messe sem
estilhaços no pescoço, nas costelas, a pedir - Meu alferes
como se pudesse valer-lhe e não posso Bichezas, não posso, o helicóptero não
chegou a levá-lo - Já não está cá meu alferes
enquanto eu insistia com os soldados que metessem a maca lá dentro e um deles de
mão no meu ombro - Tenha calma acabou-se
quando havia ataques o Bichezas agarrava-se a um morteiro, punha-o na vertical, um
grito de susto corria no arame - O Bichezas está no morteiro
e afastávamo-nos mais dele do que dos inimigos lá fora, o Bichezas sempre com o
retrato da namorada no bolso