o tempo de África já longe nosso alferes não é, agora calvície, cabelos brancos, nós
de gordura nos músculos, as articulações que resistem, o que lhe aconteceu senhor,
quer que chame os furriéis para lhe pegarem ao colo troçando de si
- Tarimbeiro
embora os furriéis idosos também, incapazes de cortarem orelhas e deceparem
mãos, de pegarem fogo aos quimbos, de degolarem galinhas, a minha mãe para mim,
num cochicho - Quase sempre a seguir ao jantar o teu pai adormece no sofá
não o meu alferes, o teu pai, descobri numa gaveta os galões já sem cor entre chaves
desemparelhadas, uma maçaneta de loiça e a fotografia de um homem pestanudo, todo
penteadinho, a sorrir, a minha mãe - O teu tio que faleceu num acidente a caminho da aldeia
tinha dito que nenhum corvo mas pareceu-me que um casal a grasnar ao levantar-se
de um buxo, as primeiras casas da vila, as primeiras travessas, bicicletas sem ninguém
encostadas a um muro, vivendas de emigrantes com leões de calcário e azulejos, mais
ruas, um largo, o jipe da Guarda, a oficina por fim a seguir a um café com uma esplanada
de duas mesas e uma sombrinha desbotada de haste torta num cubo de cimento a pedir-
nos socorro, a minha mãe já desperta tentando levantar-se, desistindo de levantar-se,
fechando os olhos com o que se me afigurava uma lágrima a arredondar-se entre duas
pestanas que ela secou no lençol fingindo que acreditava nas pedras, porque não fingir
que acredito nelas, que acredito no médico, já que finge conosco, mãe, finja melhor
consigo, percebia-nos a conversar baixinho no outro lado do biombo, percebia que nos
calávamos ao vê-la, que os nossos corpos mudavam, mais animados, mais felizes, não
dando conta que dava conta da gente, que inventávamos a boa disposição e a
esperança, o meu pai para si puxando a voz lá do fundo - Este verão nós
e qual verão senhor, pare com isso, tenha juízo, não a aborreça mais, não existirá
verão para ela, existirá um verão sem ela, uma cadeira vazia à mesa, a minha irmã na
cozinha a queimar almoços insonsos, Sua Excelência de luto não por desgosto, que
desgosto, o que lhe interessava a minha mãe porque o preto, segundo a amiga, a
favorece, a - Assenta-te lindamente
torna-te apetitosa, mais sensual, mais madura - Este verão nós
e este verão, compreende, a sua ausência somente, os seus sapatos no armário ainda,
a sua roupa a ganhar bolor na gaveta, o seu espelho vazio, dois ou três cabelos
esquecidos que permanecem na escova, uma vaga sensação de perfume, não perfume,
apenas o cheiro que teima em continuar na almofada, uma leve marca de corpo no
colchão, eu no seu lugar do sofá para que o meu pai cesse de imaginar que você
continua, cesse de vê-la no quarto, no corredor, na marquise - Podes pensar que estou parvo mas tive a certeza que a tua mã
cesse de falar consigo quando nos vamos embora, depois de sairmos tapa a cara com
centenas de dedos e mesmo assim nos intervalinhos dos dedos o seu sorriso ou o seu
olhar ou o seu