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A
eroporto de Salvador,
Bahia. Terça-feira, 11
de fevereiro de 2020.
Durante a realização
de serviços preventi-
vos de manutenção, uma inespe-
rada interdição da pista principal
por motivos de segurança provoca
atrasos e cancelamentos de voos.
A companhia aérea providencia
alimentação e estadia aos passagei-
ros prejudicados pela situação. No
dia seguinte, já a bordo do avião,
um dos ocupantes ouve de seu
vizinho de assento: “Você falou
com o pessoal sobre a indenização?
Eles disseram que pagam mil reais
se dermos autorização para que
processem a empresa por conta do
atraso do voo”.
Por coincidência, o interlocutor
da conversa era o principal exe-
cutivo no Brasil da associação que
representa as maiores companhias
aéreas do mundo. “Eu até perguntei
a ele se não tinha recebido apoio
da empresa depois do imprevisto”,
conta Dany Oliveira, presidente da
Iata Brasil. “A resposta mostrou o
lado perverso dessa situação. Ele
disse que sim, mas que não via
problema em ‘ganhar’ mil reais, e
ainda insistiu para que eu também
pleiteasse minha parte”.
Para Dany Oliveira, há uma
distorção no que se está chamando
de “judicialização” do transporte
aéreo, gerando custos estratosféricos
para as empresas, sobretudo no
Brasil. “Essa é uma das âncoras que
precisamos remover para garantir
um crescimento da aviação no
país, que está represada. Podemos
quadriplicar a quantidade de passa-
geiros transportados por ano”, diz o
executivo. “Brasil, Estados Unidos e
China são os únicos países do mun-
do com PIB acima dos dois trilhões
de dólares, mais de 170 milhões de
habitantes e território continental.
Os EUA são o maior mercado, com
um bilhão de passageiros ao ano. A
China fica em segundo lugar, com
600 milhões de passageiro. Já o Bra-
sil é só o décimo quinto do ranking,
com 120 milhões de passageiros.
Temos uma demanda reprimida”.
DANO MORAL
O advogado Ricardo Bernardi,
também da Iata, concorda que o
quadro é grave. Segundo ele, o
Brasil teve mais de 11 mil ações
ajuizadas por passageiros em
- Nos Estados Unidos, foram
- “Cruzando os números,
temos no Brasil um processo
judicial para cada 227 passageiros
enquanto nos Estados Unidos
há um processo para cada um
milhão e duzentos e cinquenta
mil passageiros. Uma variação de
550%”, critica o jurista.
Ricardo Bernardi considera
que o problema central é o en-
tendimento das cortes brasileiras
de que a indenização por danos
morais deve ser paga “automati-
camente” aos passageiros em caso
de atraso ou cancelamento de voo.
“Isso é um equívoco. Quando uma
companhia aérea atrasa ou cancela
um voo por conta de problemas
de força maior, como questões
meteorológicas ou de tráfego aé-
reo, está justamente zelando pela
segurança dos seus passageiros.
Ou seja, ela não pode ser punida
por estar prestando bem seu ser-
viço nem por algo que está fora de
seu controle, como uma interdição
de pista ou o fechamento de um
aeroporto por conta de nevoeiro”.
A solução para o problema
seria mudar a cultura judicial no
Brasil, na avaliação de Bernardi.
Ele defende que “motivo de força
maior” exima a companhia aérea
de responsabilidade, justamente
por estar zelando pela segurança
de voo, e também que não se trate
aborrecimento como humilhação
Paulo Kakinoff,
presidente da
GOL, considera
inconcebível a
proporção que
os processos
judiciais
ganharam
no Brasil