O Estado de São Paulo (2020-04-01)

(Antfer) #1

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B6 Economia QUARTA-FEIRA, 1 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FÁBIO


ALVES


E


m reação ao tombo da Bolsa e


ao temor crescente de uma


recessão na economia brasi-


leira, vários analistas já começaram


a revisar fortemente para baixo suas


projeções para o Ibovespa no fim


deste ano, seguindo o que os econo-


mistas vêm fazendo em relação à es-


timativa de PIB em 2020, mas a ver-


dade é que o mercado está ainda


completamente no escuro sobre o


tamanho do estrago que a pandemia


do coronavírus causará à atividade


econômica e, por tabela, aos lucros


das empresas.


Os estrategistas do Bank of Ameri-


ca Merrill Lynch, por exemplo, redu-


ziram a projeção para o Ibovespa ao


fim de 2020, de 130 mil pontos para


87 mil pontos. Já o banco Fator pas-


sou a estimar o índice a 48 mil pontos.


A previsão do PIB em 2020 tem varia-


do entre uma queda de 0,5% até uma


contração superior a 4%.


Analistas, economistas e investido-


res estão num voo cego: sem preceden-


te histórico de uma pandemia que para-


lisou a economia globalmente de for-


ma súbita e com os indicadores de ativi-


dade ainda apontando para uma reali-


dade anterior à crise, as oscilações na


Bolsa têm sido brutais, levando o Ibo-


vespa a despencar num dia e disparar


no dia seguinte.


Isso porque cientistas, economistas


e investidores não estão nem perto ain-


da de entender com segurança a trans-


missão e a contenção do covid-19. Ou


seja, na fotografia de hoje, é impossível


dizer por quanto tempo as autorida-


des de vários países vão manter o co-


mércio fechado e a restrição na circula-


ção de pessoas. Consequentemente,


não dá para dizer se, mesmo após uma


queda de quase 37% no Ibovespa no


acumulado do ano, as ações das empre-


sas estão caras ou baratas.


Daqui a duas semanas, as empresas


brasileiras vão começar a divulgar os


resultados financeiros do primeiro tri-


mestre deste ano, mas isso não trará


maior clareza, uma vez que as medidas


restritivas ao comércio e a outras ativi-


dades públicas começaram a entrar


em vigor a partir da segunda quinzena


de março.


Muitas empresas têm realizado con-


ferências telefônicas com analistas e


investidores, mas não podem falar em


termos quantitativos o impacto que a


crise do coronavírus causou para suas


receitas. Nessas conferências, os exe-


cutivos têm discutido o que estão fa-


zendo para lidar com os efeitos da para-


lisação na economia.


Por enquanto, analistas e investido-


res estão se guiando apenas por dados


de alta frequência, como os de vendas


no varejo, reportados, por exemplo, pe-


la credenciadora de cartões de crédito


Cielo. Essas vendas caíram 15,8% nos


primeiros 26 dias de março ante igual


período de fevereiro. No setor de servi-


ços, que inclui segmentos como turis-


mo, bares e restaurantes, a queda che-


gou a 39,5%. Nos EUA, os pedidos de


auxílio-desemprego saltaram 3 mi-


lhões em uma semana, para um total


de 3,3 milhões, recorde histórico.


O mercado somente terá noção pre-


cisa do estrago causado pela crise do


coronavírus nas empresas com a divul-


gação dos balanços do segundo trimes-


tre, o que ocorrerá apenas a partir de


julho. Mas até lá, essa informação esta-


rá velha para os investidores, supondo


que a pandemia do coronavírus esteja


controlada e a economia tenha volta-


do a funcionar.


Como os preços das ações já refle-


tem que o PIB brasileiro sofrerá um


tombo no curto prazo, pois não sur-


preenderá a ninguém uma contração


brutal da economia em abril, os investi-


dores estão preocupados em saber


o seguinte: quando a atividade eco-


nômica vai começar a se recuperar


e, principalmente, qual será o ritmo


dessa retomada ainda neste ano e,


em especial, em 2021.


O banco Itaú, por exemplo, proje-


ta um crescimento do PIB de 5,2%


em 2021 e o banco UBS prevê expan-


são de 4,9%, mas a LCA Consultores


vê alta de 2,30%. Num cenário de


recuperação forte, as ações na Bolsa


estariam com preços atrativos hoje.


Todavia, passada a crise, como se-


rá o comportamento do consumidor


em meio à alta do desemprego, que


poderá voltar a ficar acima de 14%?


E mesmo se a economia se recupe-


rar aceleradamente em 2021, mas o


gasto fiscal resultante das medidas


para combater a crise se mostrar per-


manente – e não um esforço temporá-


rio de guerra –, o que acontecerá com


os juros de longo prazo e, portanto,


com o custo de capital das empresas?


O preço das ações ainda assim esta-


ria barato? Ninguém sabe dizer.


]


COLUNISTA DO BROADCAST

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @COLUNAFABIOALVE
FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Vinicius Neder / RIO


A crise econômica provocada


pela pandemia do novo corona-


vírus se abaterá sobre um merca-


do de trabalho que começou o


ano no mesmo ritmo de lenta


recuperação visto ao longo de


2019: no trimestre móvel encer-


rado em fevereiro, antes, portan-


to, da covid-19 paralisar o País, a


taxa de desemprego ficou em


11,6%, abaixo dos 12,4% de um


ano antes, com geração de 1,8 mi-


lhão de vagas, a maioria infor-


mais, informou ontem o IBGE.


O Brasil tem hoje 12,3 milhões


de desempregados.


Se o cenário já não era anima-


dor, tende a ficar pior com a pan-


demia. A taxa de desemprego de-


ve terminar 2020 com uma mé-


dia de 13%, estimam os analistas


ouvidos pelo Estadão/Broadcast ,


após chegar a 16% nos próximos


meses.


Um dos sinais de preocupa-


ção nos dados do IBGE é a dimi-


nuição do ritmo de melhora, ob-


serva o economista-chefe do


ASA Bank, Gustavo Ribeiro. Ele


ressalta que são os empregos


sem carteira assinada que impul-


sionaram a criação de vagas –


um indício de menor qualidade


do mercado de trabalho.


Para a analista da Coordena-


ção de Trabalho e Rendimento


do IBGE, Adriana Beringuy, o de-


semprego poderá até cair num


primeiro momento, mesmo


que os trabalhadores percam


seus empregos. “Tem casos de


pessoas que vão perder seu tra-


balho, mas não necessariamen-


te quem perde sua ocupação vai


imediatamente pressionar o


mercado procurando.”


Segundo ela, por causa do iso-


lamento social, as pessoas po-


dem não ter condições de procu-


rar emprego. Por isso, a tendên-


cia é que, a partir de março, haja


redução da população ocupada,


especialmente entre os trabalha-


dores informais, e aumento da


população fora da força de traba-


lho ou na força de trabalho po-


tencial.


Thiago Lasco


Os investidores já contavam


que o Ibovespa fecharia o tri-


mestre em queda, mas não po-


deriam imaginar que esse pe-


ríodo de 2020 entraria para a


história como o pior do prin-


cipal índice da B3, a Bolsa de


Valores brasileira. O indica-


dor encerrou os negócios on-


tem aos 73.019 pontos, um re-


cuo trimestral de 36,86%, o


maior desde o início da medi-


ção, em 1968 – somente em


março a retração foi de


29,9%.


Parte da explicação para esse


desempenho está na crise causa-


da pelo novo coronavírus. Os


efeitos na economia se torna-


ram mais sérios a partir de mar-


ço, quando a doença começou a


se propagar da China para a Eu-


ropa e os Estados Uni-


dos. “Com a imposição de qua-


rentena e o fechamento do co-


mércio, houve uma queda mui-


to forte na demanda, o que ge-


rou insegurança aos merca-


dos”, diz Henrique Esteter, da


Guide Investimentos. “Em um


cenário adverso, o investidor


tende a focar em ativos com me-


nor volatilidade. Mercados


emergentes, como o Brasil, sen-


tem mais o baque pois são consi-


derados mais inseguros.”


Antes mesmo do estouro da


pandemia, porém, o cenário já


acumulava outros fatores de in-


certeza que deixavam o investi-


dor apreensivo e menos toleran-


te ao risco, como as tensões en-


tre EUA e Irã. “Vale lembrar que


este é um ano eleitoral nos EUA


e não há clareza de quem vai ven-


cer, o que também gera um fator


de incerteza”, diz Esteter.


Essa trajetória de aversão ao


risco é bem ilustrada pela evolu-


ção do preço do ouro no perío-


do. O metal, considerado um


porto seguro dos investidores


em momentos de estresse no


mercado financeiro, acumulou


valorização de 17,90% em mar-


ço e de 33,23% no trimestre.


No ambiente doméstico, não


bastassem os efeitos nocivos à


economia por causa da quaren-


tena, o coronavírus acabou au-


mentando o risco país. O ano


começou no Brasil com a pro-


messa de avanço na agenda das


reformas macroeconômicas,


mas a pandemia jogou um balde


de água fria nessa expectativa.


“O Congresso dificilmente vai


tratar pautas de ajuste neste mo-


mento, que exige que se canali-


zem esforços no sentido de sal-


var vidas”, afirma Ricardo Fran-


ça, da Ágora Investimentos. “Is-


so acabou pesando mais sobre


os ativos de risco, desencadean-


do um movimento de aversão a


risco e saída da Bolsa.”


Outra questão que ajudou a


piorar o desempenho da B3 no


trimestre foi a redução do valor


do petróleo, causada pela guer-


ra de preços que Rússia e Arábia


Saudita travaram em fevereiro.


“O conflito fez o preço dcair


60% e afetou as ações da Petro-


brás, que têm um peso substan-


cial na composição do Iboves-


pa”, diz França.


Outro dado que chamou a


atenção foi a expressiva fuga de


capital estrangeiro da Bolsa. En-


quanto um volume de US$ 20,


bilhões deixou o País entre feve-


reiro de 2019 e fevereiro deste


ano, apenas em março de 2020


a saída foi de US$ 6,109 bilhões.


Esse contexto de aversão ao ris-


co justifica parte desse movi-


mento. Como os meses de no-


vembro e dezembro de 2019 fo-


ram de alta nos resultados da


Bolsa, muitos investidores es-


trangeiros aproveitaram para


realizar lucros e enviar o dinhei-


ro ao exterior. Isso foi facilitado


pelo bom momento que a Bolsa


estava vivendo no fim do ano.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Voo cego na Bolsa


l Cenário


Índice encerrou os três primeiros meses do ano registrando a maior queda para o período desde o início da medição, em 1968


l Cálculo


Pela metodologia do IBGE,


que segue as recomendações


internacionais para as estatísti-


cas sobre o mercado de traba-


lho, só é considerada desocupa-


da, ou desempregada, a pessoa


que está ativamente procurando


emprego


Empresas de capital aberto intensificam recompra de ações. Pág. B8}


Sem coronavírus, País tem 12,3 milhões de desempregados


O mercado só terá noção


precisa do estrago causado


pelo coronavírus em julho


“Com a imposição de


quarentena e o fechamento


do comércio, houve uma


queda muito forte na


demanda, o que gerou


insegurança aos mercados.”


Henrique Esteter


ECONOMISTA DA GUIDE INVESTIMENTOS


● Queda do Ibovespa, principal índice da B3, foi a maior em 34 anos


UM TRIMESTRE PARA ESQUECER NA BOLSA


VARIAÇÃO EM PORCENTAGEM

3º TRI
1986

1º TRI
2020

3º TRI
1998

1º TRI
1995

1º TRI
1987

3º TRI
2001

4º TRI
2008

2º TRI
1974

3º TRI
2008

3º TRI
2002

-36,86 -36,


-31,88 -31,


-28,
-26,

-24,20 -24,07 -23,
-22,

FONTE: ECONOMÁTICA INFOGRÁFICO/ESTADÃO

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Ibovespa recua 36,86% no trimestre

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