JornalValor--- Página 7 da edição"01/04/20201a CADB" ---- Impressa por cgbarbosaàs 31/03/2020@21:27:19
Quarta-feira, 1 de abrilde 2020|Valor|B7
Empresas
|
Serviços&TecnologiaInovaçãoParaopresidentedoconselhodaGP,celular
trazcapacidadededecidircombaseemdados
Mundo será mais
digital depois da
crise, diz Lambranho
ANAPAULAPAIVA/VALORFersenLambranho, presidentedoconselhodaGP:colaboraçãoglobal para combaterinimigocomum,queé o vírus
JoãoLuiz Rosa
De São Paulo
O homem, como o conhece-
mos deixou de existir, diz Fersen
Lambranho,presidentedoconse-
lho da GP Investments, que desde
suafundação,em 1993 ,jácaptou
US$ 5bilhões einvestiu em mais
de 50 empresas. Aafirmação po-
de soar como uma profecia catas-
trófica frente ao surto de covid-
19,maséumanotadeesperança.
A digitalização da sociedadele-
vouumvolumededadoseumaca-
pacidadede analisá-los nuncavis-
tos antes para as mãos dos indiví-
duos,deforma barataefácil. A
“novaespécie”emgestação,afirma
o empresário, é um misto do ser
humano com o celular, que se tor-
nou inseparável da maioria das
pessoas.Épor meiodo smartpho-
ne, e das possibilidades oferecidas
pelatecnologia,quemaisgenteto-
marádecisõesmelhores,baseadas
em fatose dados, nãoimporta se
emLondresounaTanzânia.
No Brasil, afirma Lambranho, é
no ecossistema de tecnologia, que
ele dizconsiderar excelente, que
estãoas respostas para sair do sur-
to de forma maisrápida e segura.
“Temos umamassacríticade em-
presas,cientistasdedadosetecno-
logiacapazde resolverqualquer
problemadocoronavírus”,diz.
Nesta entrevista, ele fala dos im-
pactos da pandemia, do modelo
de financiamento da inovaçãono
país e do papel fundamental da
pesquisa acadêmica. Diz que a fu-
ga de cérebros não éumproblema
exclusivamente brasileiro eque os
grandes grupos estão entre os
principais beneficiários do movi-
mentodo “venture capital” no
apoioàsstartups.
Asociedadepós-covid-19 será
maishigiênica,solidária,digital
e conscientede seus gastos,diz.
“Sou um otimista.Acredito que o
mundosairámuitomelhordessa
crise.” Abaixo,os principaistre-
chosdaentrevista.
Valor:Com ocoronavírus, mais
empresastêm buscadooquesecon-vencionouchamar de transforma-
ção digital.Mas esse é um termo
amplo.Oquesignifica?
Fersen Lambranho: Transfor-
mação digital podeser sintetiza-
da no seguinte: nunca foi tãoba-
rato etão fácilter acesso a um vo-
lume de processamento [compu-
tacional]eadados paratomar
decisões com base estatística.
Portanto, decisões com método
científico. Minha geração apren-
deu ciência, mas quando come-
çouatrabalharprecisouserprag-
mática e trabalhar com poucain-
formação. Hoje, os jovens de 20 e
poucos anos saemda escola com
ométodo científicona cabeçae
têm acessoaum nível de infor-
mação e de processamento altís-
simo, aumcustomuitobaixo.Di-
gitalizaréisso.Éassumirnospro-
cessos esistemasde negócio o
método científico combaseem
fatos e dados. Essaéagrande
transformaçãodomundoatual.
Valor:Que repercussãoisso tem
nasorganizaçõesenosindivíduos?
LambranhoO homem,como o
conhecemos, deixou de existir.
Hoje,5b ilhões de pessoas têm ce-
lular [5,1 bilhões, ou 67% da popu-
lação global, segundo dados da
GSMA,associaçãomundialdeope-
radoras]. No Brasil, há mais celula-
res quegente [o númerofoi supe-
radoem2018,com220milhõesde
aparelhos e210 milhõesdehabi-
tantes àépoca,de acordo com pes-
quisadaFGV-SP].Onovoseréuma
mistura entrehumano ecelular. O
smartphone colocana mão de ca-
da pessoa um poder de processa-
mento muito alto. Nunca houve,
antes,umasituaçãoemqueumjo-
vem da Tanzânia estivessetão pró-
ximode outrojovem da mesma
idade em Oxford, na Inglaterra.
Por maiorque seja adiferença so-
cioeconômica, da Tanzânia épos-
sível alguém fazerumadescober-
ta, umainvenção,uma inovação,
comofaz o rapazde Oxford, por-
que ambos têm acesso aos mes-
mosdadoseinformações.
Valor:Muitospaísesestãoim-
pondobarreirase fechandosuas
portas.Isso não pode afetarocom-
partilhamentodainformação?
LambranhoVejo de forma dife-
rente. Estamos assistindo àcoisa
mais fantástica na história do ho-
mem.Existem diferenças cultu-
rais enormes, mas neste momen-
to temosoplaneta inteiro se con-
finando em casa, deixando de se
abraçar, de beijar, de segurar a
mão. Questões culturais profun-
sa. Podem fazero que quiserem,
mas em 20 anos omundoserá
muito maisglobal. Aatitude éou-
tra,decolaboração.
Valor:A covid-19tem algumpa-
raleloanterior?AIIGuerra,talvez?
LambranhoAs pessoasque to-
mamdecisões,hoje, não vive-
ram a guerra.Ou muitopoucos.
Somos umageraçãopreparada
paraapaz. Mas os brasileiros,
talvez, sejamum dos povosmais
bempreparadosparaisso que
está começando. Quandocome-
cei atrabalhar, tivemossete pla-
nos econômicos [Cruzado I e II,
Bresser, Verão,CollorIeII, e
Real,entre 1986 e1994].Todo
ano a gentetinhade cortarorça-
mento, demitir, repensar a vida.
Especialmenteno PlanoCollor,
que congelou o dinheiro das
pessoas no banco. Émuito pare-
cido com o que está acontecen-
do agoraporque as pessoaspo-
dematé ter dinheiro, mas não
vão comprar.Hoje épior porque
os meiosde produçãoestãopa-
rando.Por outrolado,atecnolo-
gia nos permitecontinuarexis-
tindoe, maisque isso,nos co-
municando, colaborando, bus-
candosaídas,mesmotrancados
em casa.Temos um potencialin-
telectual que está em casa,mas
produzindo. Ediferentemente
da épocado PlanoCollor, temos
no Brasilum ecossistema de tec-
nologia no qual se investiumui-
to dinheiroe que está disponível
para procurarsoluções.
Valor:Qualo papeldas compa-
nhiasdetecnologianacrise?
LambranhoOproblemado ví-
rus não vai acabar. Vai continuar.
Eteremosdeconvivercomisso.A
soluçãoestá justamente nesse
ecossistemade tecnologiabrasi-
leiro,que eu considerode exce-
lentequalidade. Aquelastartup
que pertencea um setorem difi-
culdades,comohotéis,restau-
rantesou viagens,esse pessoal
podeestarsofrendona receita
primária,mastemdentrodecasa
30, 40 cientistas de dados.Eles
podemvirar as bateriaspara aju-
dar a criar soluçõespara o país. E
isso,por sua vez, podedar ori-
gem a um novomodelode negó-
cio ou, no mínimo, gerarcapaci-
dadeparaaempresamanteroti-
meatépassaracrise.
Valor:Haviafalhasgravesnaen-
grenagem de financiamento das
startups.Ocenáriomelhorou?
LambranhoAvançoumuito.A
Endeavor [organizaçãosem fins
lucrativosde apoioao empreen-
dedorismo]foi criadano Brasil
na primeiraondade internet,no
iníciodos anos 2000,pela cons-
tataçãode que faltava um espíri-
to empreendedor no país.E aju-
doumuitoa desenvolver esse
conceito. Depois,houveuma on-
da maisrecentede“venturecapi-
tal” que conseguiulevantardi-
nheiro.As pessoascomeçarama
perceber,comonós[naGP],aim-
portância da tecnologia, com
maisdisposiçãode colocardi-
nheiroem risco. Agoravocêvê
iniciativascomoo Big Bets [de
apoioàfase inicialde novosne-
gócios],que dizemo seguinte:é
precisoajudaras pessoas que
têm boasideias,bonsprojetos,a
construir empresas de boa quali-
dade.Não bastaser um inventor.
Para ter sucesso,épr ecisodesen-
volveronegócio. Estamosevo-
luindo rapidamente. OBrasil
tem,hoje,umamassacríticade
empresas,cientistas de dadose
tecnologia capaz de resolver
qualquer problemado coronaví-
rus.Temosdeusarisso.
Valor:Qual o papeldo Estadono
incentivoàpesquisa?
LambranhoOBrasil abriumão
do apoioà ciência há muitotem-
po.Issonãoédessegoverno,nem
doanterior,nemdoqueveioan-
tes.Quandoeuestavanafaculda-
de, já era um problema. Acho
que o coronavírusvai demons-
trar que coisascomosaneamen-
to eesgotoprecisamser resolvi-
das, que o apoioà ciênciaé estra-
tégicoparao país.Vaimostrar
que a tecnologiada informação
reduzmuitoo custode apoiara
ciênciaeobter seus benefícios.E
vai fazercom que a gentechegue
maisperto, emais depressa, ao
entendimentode que opaís pre-
cisa ter uma políticade ciênciae
tecnologia para resolver seus
problemas.Por umasimplesra-
zão: é a formamaisfácil,baratae
simplesdefazerascoisas.
Valor:Nãoháumaperigosafuga
decérebrosparaoexterior?
LambranhoFuga de cérebrosé
um problemamundial. Há pelo
menos um país no mundoque é
especialistaemcapturarcérebros
de terceiros,que são os Estados
Unidos. Talvez esse seja o grande
ativo dos americanos —suas uni-
versidades e sua capacidade de
atrair chineses, brasileiros, india-
nos... Eles conseguiram estabele-
cerumsistemadecaptaçãodein-
teligência maior que o de qual-
quer país do mundo. Há países
que são sugadores de talentos e
países que são provedores. É um
fenômeno global. Mas devemos
considerar que nossomaior ativo
são 230 milhõesde pessoas.E
que, com essa população, muito
maisdoque montarumtime de
22 jogadores para disputar a Co-
pa do Mundoacada quatro anos,
temos umamonstruosacapaci-
dade instalada.Quando nasce
uma criança, independentemen-
tedesernafavelaouemumacasa
rica, o potencial humano está ali.
Desenvolver e ser capaz de reter
[esses talentos] é uma habilidade
queprecisamosdesenvolver ,co-
mo outros países. E a tecnologia
que está no celular, na mão de to-
do mundo, é a melhor ferramen-
ta para fazerisso acontecer. De
forma simples ebarata. Precisa-
moslembrarquenossomaiorati-
voéonossopovo.
Valor:À frentedo conselhoda
GP, o sr. tem encontradobons exem-
plosdeempresasdetecnologia?
LambranhoTemosvisto muita
coisa bacana,muitonegócioino-
vador, muito empreendedor
bom,emuitagentedetecnologia
e ciência de dados querendode-
senvolver soluções. “Venture ca-
pital”,comoonomejádiz,éouso
do dinheiropara soluções novas.
No século XIX,durante arevolu-
çãoindustrial,houveumagrande
onda de dinheirocolocado em
coisas quederamcerto eem coi-
sas que deramerrado. A minoria
dá certo eamaioria dá errado. Na
minha opinião, as companhias
estabelecidas, grandes, que têm
marca, estão entre os maiores be-
neficiários do movimento de
“venture capital”. Porquede cada
100companhiasnovatas,umase-
rá um unicórnio [startup com va-
lor de mercado superior a US$ 1
bilhão], mas no trajeto dessedi-
nheiro que foi investido, desse
trabalho que foi feito, muito
aprendizadoécapturadoporem-
presascomo Pão de Açúcar,Vale,
Petrobras. Essas companhias vão
tirar proveito disso. Não vejo em-
presas centenárias desaparecen-
do, mas melhorandomuito, au-
mentandoa produtividade, fi-
cando maisrelevantes ao adotar
conhecimento novo,práticas no-
vasehábitosnovos.
Valor:Oque falta àacademiano
Brasilparaestimularainovação?
“
Te mosuma
massade
cientistase
empresascapaz
deresolver
qualquer
problemado
coronavírus”
LambranhoO que vocêvê na
Inglaterra, em Israel,nos Estados
Unidosé que a pesquisacientífi-
ca é fundamental. A academia
tem de assumirque isso é vital
parasua própriaexistência.Daí
derivatodoo resto.Se vocêcria
um esquemade pesquisabem
montado, voltado à soluçãode
problemas, não faltará dinheiro
para financiar. Em 1979,quando
estava na faculdadede engenha-
ria, eu ouvia debatesnaUFRJ
[UniversidadeFederaldo Rio de
Janeiro]... Não queriamdinheiro
da iniciativa privadaajudando
pesquisas.Porqueissodireciona-
ria o caminhoda pesquisa, priva-
tizariaapesquisa. Tenho uma vi-
são diferente.Ainiciativa priva-
da colocadinheiro ondevê que
podevir a ter benefícios.E se não
tem benefício, talveznão seja a
pesquisa acadêmica adequada
para aquelemomento.Participei
de açõesem universidadesfede-
rais nas quaisháumcentrode
excelênciaque atrai recursos.Vo-
cê tentacolocar dinheiroali, mas
por ser umauniversidade,odi-
nheiroéespalhadopelotodoe
quasenão chegaao centro de ex-
celência.Achoque ocoronavírus
podeajudara colocartudoisso
no devidolugar. Tenho certeza
absolutadeque, nesse ecossiste-
ma de tecnologiado Brasil,adis-
posiçãodosempresáriosparaco-
laborarcomas universidadesé
imensa.Agora,temosde consi-
deraro seguinte: hoje,qualquer
umconseguecolaborarcomuni-
versidadesem Israel,na Inglater-
ra. As universidadesbrasileiras
precisamse preocupar em elevar
seu nível,porquea tecnologia
abreperspectivasforadopaís.
Valor:Oquevaimudardepoisda
pandemia.Quesociedadeteremos?
LambranhoMais higiênica,
maissolidária, maisdigital, gas-
tandomenosou gastandonas
coisascertas. Sou muitootimis-
ta. Acreditoque o mundo sairá
muitomelhordessacrise.Mais
tolerante. Será doloridoe vamos
sair aos pouquinhos.Teremos de
aprender a trabalharem con-
juntoparacriarsoluçõesecon-
viver com ovírus daqui para
frente,mas achoque o mundo
será melhor.
IMPACTOSDO
CORONAVÍRUS
dasestãosendohomogeneizadas
repentinamente, num grande
movimento global. Séculos e sé-
culos de tradição estãosendo
quebrados igualmenteem todos
os lugares. Acho queessa éa
maior prova da globalização. Há
umaguerracontraumvírusqueé
um inimigo comum e todos os
cientistas do mundoestão cola-
borando entresi para chegara al-
gumlugar.
Valor:Mas eas restrições? Não
háoriscodequeretardemaglobali-
zaçãoedespertemsentimentosxe-
nófobosnofuturopós-coronavírus?
LambranhoHoje,quemgerencia
ospaíseséaminhageração.Eami-
nha geração está preocupadacom
umasérie de conceitosantigos,
que podemlevar a coisas comoas
mencionadas. Mas a nova geração
é colaboracionista,trabalhaem
conjunto.Está maispreocupada
em atingir uma missão, aresolver
um problema,do que ganhar di-
nheiro. Estamosvendolíderes de
muitos países e organizações in-
ternacionais tomarem decisões
que são relevantes para oparadig-
ma de que tem 50, 60 anos. Com
certeza,édiferente do paradigma
de quem está mudandoomundo
com atecnologia. Oque se vê hoje,
com os paísesestão se fechando,é
muitomais umareação adminis-
trativa do quequalquer outracoi-
“
Séculose
séculosde
tradiçãoestão
sendoquebrados
emtodosos
lugares. Essaé
maiorprova da
globalização”
ANUNCIE:11 3767.7043 •213521.5500 •613717.3333 •www.valor.com.br/valor-ri
Fontes:1) KantarIbopeMediaBRTG2019 II (2018 2s +20191s)v1.0-Pessoas-2)Pesquisainterna:Abr/19.MUITOMAISVISIBILIDADE
PARAASUAEMPRESA
25,1MILHÕESDE INVESTIDORESQUEPODERÃO
ESCOLHER ASUA EMPRESANOPRÓXIMOANO
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