Entre o choque da constatação da diferença e as indagações sobre o que
poderia ter acontecido, veio um profundo choro. "Era eu, criança, chorando. E isso
me levou a um estado de fé. Me lembrei de crenças da infância, quando aprendi
que tudo é possível àquele que crê."
Bernadete acreditava. Bate e a porta se abrirá - ela acreditava. Pede e
receberás - ela acreditava. Ela acreditava que iria aprender algo com essa filha.
Levantou-se, dobrou os joelhos ao lado da cama, um hábito que mantém até hoje
diante dos grandes momentos, e pediu por sabedoria. "Me diz por que essas
coisas acontecem na minha vida. Por que eu queria uma boneca inteira e ganhei
uma boneca quebrada? Por que eu? Me diz, por que eu? Eu estou batendo na
porta e quero que ela se abra. Eu quero que Tu me digas. Já não chega Tu teres
levado o meu marido de câncer? Já não chega que eu ve que deixar São Paulo,
vir pra Brusque e começar tudo do zero? Ganhei de Ti um novo amor, eu estava
tão feliz e agora me dás esse soco no estômago?"
Apesar da fé, a revolta contra a impotência era inevitável. Ela estava de
joelhos, em oração, pedindo, batendo, querendo que a porta se abrisse,
perguntando: por que eu? Na mesma hora, olhando Charlo e sobre a cama sem
poder fugir do diagnós co fatal, Bernadete ouviu gritos de uma mãe ao longe.
Sabia que era uma mãe. Ainda de joelhos, tocou a campainha para chamar a
enfermeira.
- Por que essa mãe grita desse jeito?
- Como você sabe que é uma mãe?
- Por que a mãe está gritando?