CHARLOTTE

mundo parcular. Mesmo frequentando o local há mais de cinco anos, os
progressos da menina são sus. Às vezes ela olha diferente, parece que está
entendendo o que acontece ao seu redor. Em outras fica com o olhar parado,
longe, sério.
Como é feito com os demais alunos, Luciana recebe, sempre que
necessário, um tratamento com compressas de gengibre. As propriedades dessa
raiz são calmantes e quando o suco quente absorvido por toalhas é colocado
sobre determinada região do corpo causa relaxamento muscular. O efeito é
imediato e facilita a realização dos exercícios sicos.
Luciana já me olhara antes. Tem um jeito de encarar que incomoda e
amedronta. Sempre desviei os meus olhos dos dela após poucos segundos.
Era uma quinta-feira de maio. O frio ainda não chegara. Eu estava na sala,
sentada ao lado do professor Tiago, com os alunos, esperando Bernadete que
conversava com alguém ao telefone no andar térreo. Estávamos no chão, em
círculo. Luciana estava na minha frente.
Uma bola verde, de borracha, estava na roda. É um dos únicos esmulos
aos quais a menina responde. Antes de sentarmos ela já havia pegado a bola,
jogado ao professor.
De repente vimos que ela se interessava por nosso jogo. Joguei a bola para
ela. Ela jogou para mim. Em menos de três minutos Luciana brincava,
acompanhava com os olhos o caminho feito pelo objeto no ar, sorria.
Envolvida com a brincadeira e com o entusiasmo da garota, não percebi que
Bernadete acabara de entrar na sala: "Luciana! Que lindo! Joga para mim agora!"
As duas trocaram as jogadas várias vezes. Trocaram olhares, sorrisos. Bernadete
reconheceu, vendo aquela cena, que todo o trabalho feito até o momento nha
valido a vida. E mais uma vez chorou.