Linhas e Tramas

(Casulo21 Produções) #1

cotidianamente. Mesmo nos casos em que o texto é decorado, o contador astuto
disfarça sua técnica com uma interpretação primorosa e natural.
Em busca de um método que funcione com eficácia, o contador resolve na
experimentação a forma que mais lhe é confortável transpor o texto escrito para a
contação. Avalio que temos assim, duas maneiras gerais de trabalhar essa transição:



  • estudando as ações centrais da trama e narrando com seu léxico;

  • decorando o texto escrito e dizendo-o.
    Considero que a primeira delas exige um domínio preciso da construção
    textual, que é feita no momento da fala e, por isso, demanda uma competência extra,
    que é a de “redigir com a voz”, como um repentista. A história precisa sair clara,
    coesa e bela. Memorizar o texto escrito, por outro lado, prende o contador ao
    registro sedimentado da palavra. E não há problema nisso. Quando o texto traz
    alguma carga de poética, esta é preservada e chega ao ouvinte. Também na condição
    em que ele será exposto, pode ser dito organicamente, maquiado como sendo
    improviso. De qualquer forma, se este processo não requer a astúcia da criação do
    texto dito em tempo real, exige mais capacidade de atuação e ensaio.
    Para mim, na narração de contos populares, o que funciona é misturar os
    dois processos. Como hábito, ao narrar contos de tradição oral registrados pela
    escrita, venho trabalhando de modo a fazer o percurso inverso. Leio algumas vezes
    o texto e escrevo a sequência narrativa dele. São as ações principais da história.
    Depois, com o rascunho da encadeação dos fatos, busco contar oralmente a história
    com meu vocabulário. Aqui entra um processo de autoanálise intenso. Há que se
    ouvir com atenção para, ao final desta etapa, perceber se está claro e coerente. A
    fonte escrita poderia ser a oral, ouvida ou gravada, já que não há um retorno a ela
    daqui em diante.
    Em seguida, tenho necessidade de voltar ao papel. Escrevo da maneira que
    conto oralmente. Aí tenho um novo texto-base e, em cima dele, observando-o à
    distância, como um todo, posso criar. Nessa fase me intrometo como coautora,
    propondo jogos de palavras, imagens relacionadas, inserindo fórmulas. O conto e
    suas etapas, ações e personagens, permanecem originais, mas nesse momento são
    ornamentados e, por isso, resultam num trabalho singular.

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