Fazendo analogia ao universo das linhas e agulhas, podemos pensar o conto
popular como um padrão bordado. Antigamente, estes trabalhos artesanais eram
recriados a partir da observação de outro e, assim, foram reproduzidos ao longo dos
séculos. Em algum momento, alguém resolveu registrá-los, e os repetiu em forma
de desenho numa folha de papel. Lá estão as cores a serem usadas, os pontos a
serem feitos, e a paisagem a ser construída. A bordadeira vê o modelo e pode copiá-
lo em seu tecido. Pode também observá-lo com atenção, estudá-lo, entendê-lo
profundamente e, ao guardá-lo numa gaveta, tê-lo como referência na memória.
Assim, juntando o referencial do trabalho original e sua criatividade, seu gosto, sua
essência, a artesã vai aplicar sobre seu tecido um feito peculiar. O bordado
apresentará a força da tradição, a menção ao passado, o fundamento genuíno,
acrescido de elementos novos, autorais. Desta forma, distingue-se claramente a
ação repetidora da obra artística.
Relato aqui, no entanto, uma investigação sobre a reprodução de modelos,
que julgo ser positiva na descoberta da voz autoral de cada contador. No primeiro
curso de formação em que participei, conheci o CD “Contos, cantos e acalantos”,
narrados e cantados por José Mauro Brant. Encantei-me pela história “A menina
dos brincos de ouro”. A narrativa me tocou por vários motivos: relação mãe e filha,
dualidade entre o bem e o mal, saga complexa, passagens de drama e humor, e um
desfecho aconchegante. Mas além disso, a versão que conheci, me conquistou pela
poética. O conto tinha cantiga, vozes de personagens, pausas e silêncios dramáticos,
ritmo, expectativa, e um texto muito bem construído e bonito.
De tanto ouvir o CD e para preparar algo a ser apresentado no final do curso,
decorei a história. Utilizei um objeto nessa contação – um manto branco de lã, que
virava a saia da mãe, o surrão, as asas do anjo, a menina – e criei também a
movimentação em cena. Mas a narração era totalmente reproduzida, com
entonações, pausas, climas.
Essa prática tem efeitos valorosos, principalmente como exercício. Exige
habilidades e técnicas, pois não é tão simples copiar. Também pede que se
demonstre segurança e tranquilidade ao se realizar a apropriação. O exercício ainda
direciona a possibilidades, ensina, permite a experimentação. Foi por causa deste
conto e da forma como ele me foi contado que, a partir da réplica, a atuação como
contadora de histórias se iluminou: é assim que quero fazer! Quero essa potência
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(Casulo21 Produções)
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