Valor - Eu & Fim de Semana - Edição 1008 (2020-04-03)

(Antfer) #1

20 |Valor|Sexta-feira,3deabrilde


E


ster Sabino é diretora do Institutode
MedicinaTropical(IMT),daUniversi-
dadede São Paulo (USP). Há quase
três décadas,ela lida coma epide-
miologiamolecular.Seutrabalho,grossomo-
do, consiste em analisar a genética dos vírus
para saberde ondevêm,como se espalham e
quais mutaçõesrelevantes apresentam em
suas jornadas. Agora, aos 60 anos,diante da
avalancheglobaldonovocoronavírus,afirma
que não está espantada.Está,simplesmente,
“triste”.“Já tenhoamigosna UTI”, diz. E foi
pensandoem comosuperaroimpasse provo-
cado pela atual onda de contágios que a pes-
quisadora idealizou umaespécie de lista de
“desejoscientíficos”.
Umavacinaemedicamentoseficazescon-
tra o SARS-Cov-2, o vírusque causaadoença
covid-19,ocupamo topoda relação. Mode-
los preditivosmaisrobustostambémim-
portam.Emuito. Afinal,éprecisodefinir
com acuráciaquandoe até que pontoisolar
as cidades.Isso para preservar vidas—sem-
pre e sem limites—, mas provocandoo me-
nor danopossívelàs pessoas.“Seriamcru-
ciaisaindatestessimples,baratoseprecisos,
comoosdegravidez,paraidentificareisolar
os doentes”, afirmaa cientista. Por fim, siste-
mas tecnológicos de abastecimentopode-
riamatenderas camadasmaisvulneráveis
dapopulaçãoemsituaçõesdeemergência.
Pois alista de Ester, na prática, refleteal-
gunsdos principais desafios da ciência,em
ummundoonde2,8bilhõesdepessoasvivem
sob algum tipode restriçãode movimento—
oequivalenteaumterçodapopulaçãoglobal.
Ocorrequenãoénadafácilexecutarastarefas
da“re lação” dapesquisadora.
Cientistasaindatentamentenderporqueo
SARS-Cov-2étãoeficaz.“Nósnãosabemosco-
moissoacontece”,dizSuzanWeiss,daUniver-
sidade da Pensilvânia,nos EstadosUnidos,
que estuda os coronavírus há 40 anos.“A ge-
néticanão nos diz isso.” Diante dessaescuri-
dão,ela diz acreditarque, neste instante, o
melhorafazeréjánosprepararmosparaalgo
inevitável:“Futurossurtosiguaisaeste”.
Hoje,sabe-seque afamíliado víruscoro-
naviridaereúnepertode 40 espécies,sendo
que os primeirosestudossobreotema da-
tam do fim da décadade 1960.Alémdo
SARS-Cov-2, seis integrantesdo grupoafe-
tam os sereshumanos.Quatrodeles—co-
nhecidospelassiglasOC43,HKU1,NL63e
229E—causamum terçodos resfriados co-

muns.Outrosdois,MerseSars (chamados
poralgunsautoresde“clássicosdaSars”)são
muitomaisagressivos. A síndromerespira-
tóriaagudagrave (Sars)matou800 pessoas
entre 2002 e2003. A síndromerespiratória
do OrienteMédio(Mers)acrescentoumais
900mortesaessetotalentre 2013 e2014.
E umadas peculiaridades do novocoro-
navírus,algoque o tornaespecialmente
capcioso,éofato de ser lento.Ele permane-
ce em silênciopor longoperíodono orga-
nismodos hospedeiros.Isso faz com que as
pessoas,embora contaminadas,sejamas-
sintomáticas.Aincubaçãoda covid-19po-
de durarsemanas.“Issoépéssimosob o
pontode vista epidemiológico”, dizRenato
Astray,virologistadoLaboratórioMultipro-
pósitodo InstitutoButantan, em São Paulo.
“O contágiose propagasem que ninguém
saibaqueestáinfectado.”
Astray observa que, normalmente,isso
ocorrequandoocorpohumanonãoreconhe-
ce de imediatoque está sendoatacado. “Al-
gunsvírustêm mecanismos que silenciamas
respostas do nossosistemaimunológico”, diz
o cientista. “O SARS-Cov-2 podeser um caso
dessetipo.”Ele acrescentaque, por isso mes-
mo,eemcontrapartida,infecçõesquematam
rapidamentetendemanãoseespalhardema-
neiratãosorrateira—eatroz.
A anatomiado novocoronavírustam-
bém apresentasingularidades.Ovírus tem
oformatode umaesfera,de ondepartem
inúmeras espículas,à semelhançade espe-
tos. Elas se parecemcom coroas.Daí o no-
me, “corona”. Épor meiodessesganchos,
chamadosdeproteínas“spike”,queeleade-
re auma outraproteína,aACE2, encontra-
danasuperfíciedascélulashumanas.
Especula-seque essespicossejammais
eficazesdoqueoscomumenteencontrados
nos “Sarsclássicos”.“É precocetirarqual-
querconclusão”, diz Astray. “Masesse des-
conhecimentoem tornodo problemasó
amplianossodesafio.”
Por isso,alertamos cientistas,hojenão
há bala de pratacontraacovid-19.Aprin-
cipalarmaésocial.Inclui,fundamental-
mente,as medidasde isolamento.Asolu-
ção maisefetiva no longoprazo,contudo,
todosafirmamem uníssono,seria aprodu-
ção de uma vacina.
“Maschegarauma resposta dessetipo
não éuma tarefasimplesenem rápida”,
pondera Gustavo Cabral, um dos pesquisa-
doresresponsáveis pelodesenvolvimento
de uma vacinacontrao SARS-CoV-2 no Bra-
sil, cujostrabalhos ocorrem no Laboratório
de Imunologiado Institutodo Coração(In-
cor)da Faculdade de Medicinada USP
(FMUSP). OestudoéfinanciadopelaFa-

pesp, a agênciade fomentoà pesquisacien-
tíficaetecnológicadeSãoPaulo.
Equal éoprazopara que isso aconteça?
Comotimismo,algo entre12 e 18 meses.É
isso o que afirmam,por exemplo,autorida-
des comoAnthonyFauci, chefedo Instituto
Nacionalde Alergiae DoençasInfecciosas
dos EUA (Niaid,na siglaem inglês).Fauci,
umveteranonocombateaepidemias,acon-
selhouseispresidentesamericanossobrees-
setipodeproblema,começandoporRonald
Reagan(1911-2004),no caso do HIV,e, ago-
ra,comDonaldTrumpeonovocoronavírus.
“A verdadeéqueavacinapodeserumaarma
disponívelsomentepara as próximasondas
do vírus”, diz Cabral.“Temosde saberdissoe
nosprepararparaessapossibilidade.”
Desenvolver uma vacina consiste, na práti-
ca, em incutir um pedaço do vírusinativado
noorganismodeumserhumano.Apartirdaí,
osistemaimunológicorealizaduastarefas
decisivas. A primeira consiste em reagir eder-
rotaro tal corpoestranho. A segunda écriar

IMPACTOSDO


CORONAVÍRUS


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