Metrópole
Rio tem reocupação de
ruas, aponta pesquisa
Tendência
Rooftops viram opção
para quem quer curtir
SP do alto. Pág. A
Moradores relatam retorno gradual do movimento ao longo da semana; para muitos, continuar trabalhando é a única forma de sobreviver,
mas especialistas veem riscos para a saúde de quem vive nesses bairros. Prefeitura diz que 2 mil agentes fazem a fiscalização na cidade
Caio Sartori/RIO
Os bairros do Rio que registram
o maior número de casos do no-
vo coronavírus passaram a ter
as ruas mais movimentadas nes-
ta semana. Em comparação
com a média histórica, a sema-
na passada havia registrado
uma queda de 85% na circula-
ção; nesta semana, a variação
foi menor: 80%.
O levantamento é realizado
pela empresa CyberLabs, que
recorre a imagens de câmeras
de monitoramento. Os bairros
analisados são Barra da Tijuca,
na zona oeste; Leblon, Ipane-
ma, Copacabana e Botafogo, na
sul; e Tijuca, na norte, além do
Centro. Os casos de “reocupa-
ção” das ruas mais gritantes são
os de Leblon e Ipanema.
Na orla, o policiamento refor-
çado monitora quem tenta des-
cer para a areia. Os policiais pe-
dem que as pessoas voltem para
casa. Esta foi a primeira semana
cheia após o presidente Jair Bol-
sonaro começar a defender a
reabertura do comércio e a reto-
mada de outras atividades.
A presença de policiais não
inibiu um grupo de jovens que
mergulhava na Baía de Guana-
bara, na tarde de ontem, perto
do Museu do Amanhã, na Praça
Mauá. L., de 16 anos, e seus ami-
gos moram ali perto, na comuni-
dade Pedra do Sal. Apesar de
preocupados com a doença,
não viram problema em aprovei-
tar o tempo aberto.
Transporte. Segundo o gover-
no do Estado, o metrô registrou
queda de 80% na circulação, em
comparação com a média pré-
pandemia. As barcas que ligam
o Rio a Niterói, 73%; e os trens
da SuperVia, que conectam o
Centro às zonas mais pobres da
cidade e à Baixada, 70%.
Tulio Kruse
Na cama que divide com três
filhos, a dona de casa Luciana
Santos Botelho, de 45 anos,
tem passado as últimas noi-
tes em claro. Ela respira o ar
abafado do quarto onde a fa-
mília se aperta, pensa nas dívi-
das e na epidemia que se espa-
lha no Jardim dos Francos,
na zona norte paulistana, on-
de mora. Ali, embora os casos
do novo coronavírus tenham
se multiplicado, o comércio
aos poucos volta à atividade,
e o risco para a família Santos
Botelho tem aumentado.
“O que me tira o sono é o aper-
to aqui, porque nós moramos
em dois cômodos para muita
gente, e não ter um lugar me-
lhor para eles”, diz Luciana. São
oito pessoas – a mãe, três moças
e quatro meninos – para o barra-
co de 4 por 8 metros. Com o fim
da merenda na escola das crian-
ças, todos comem mal na casa.
Ela só consegue comida no des-
carte de um supermercado e
com a mãe, a faxineira Maria Rai-
munda, de 65 anos, que ainda
usa o transporte público todos
os dias para ir ao trabalho.
A quarentena não durou mui-
to para moradores de alguns
bairros da periferia. Nos arredo-
res da Favela Gato Preto, onde
mora Luciana, já é possível ver
bares abertos, e filas de clientes
dentro das barbearias, mesmo
com metade do portão fechado.
Aos poucos, as ruas que concen-
tram o comércio da comunida-
de voltam a ter movimento. À
noite, carros de som e lojas de
bebida voltaram a fazer peque-
nas festas. “Na periferia, temos
muitos estabelecimentos pe-
quenos, e as pessoas dependem
disso. Parte acabou reabrindo,
com muitos preocupados em
não conseguir manter o susten-
to da família”, diz o líder comu-
nitário Henrique Deloste, que
mora na Brasilândia. Ele disse
que equipes da subprefeitura
têm orientado os comerciantes
a fechar, “mas sem trabalho e
preocupados com as contas da
família, muitos comerciantes
acabaram reabrindo”.
O cenário é o mesmo nas
duas maiores favelas da capital,
Heliópolis e Paraisópolis. Mora-
dores relatam um retorno gra-
dual do movimento ao longo
desta semana, após o fechamen-
to de bares, restaurantes e co-
mércios não essenciais ter sido
decretado no Município. Duran-
te o fim de semana anterior,
houve carreatas pedindo a rea-
bertura do comércio na cidade,
e o presidente Jair Bolsonaro
chegou a visitar comerciantes
do Distrito Federal. “Está au-
mentando ( o movimento ) por-
que está faltando dinheiro”, diz
Igor Amorim, membro da união
dos moradores em Paraisópo-
lis. “O presidente dizer que é
uma ‘gripezinha’ traz proble-
ma, porque o povo quer sair
mesmo. O movimento está mui-
to alto, muito diferente da sema-
na passada para cá.”
Casos. O novo coronavírus já
atingiu esses bairros. Um dos ca-
sos é o da professora Michele
Fernandes Teixeira, de 38 anos.
Ela foi diagnosticada por meio
de uma tomografia no pulmão,
após ir a dois médicos com fe-
bre, dor no corpo e tosse. Mora-
dora do Jardim dos Francos, ela
hoje passa a maior parte do dia
no quarto, onde deve permane-
cer por mais dez dias, mas divi-
de o único banheiro da casa
com o marido e os filhos.
“O pessoal está na rua jogan-
do bola, e no sábado estava a
maior música na rua”, conta Mi-
chele. “As pessoas estão achan-
do que é brincadeira, até ter al-
go muito próximo delas, elas
não percebem o quanto esse as-
sunto é sério.”
Para muitos, porém, seguir
trabalhando é visto como a úni-
ca forma de sobreviver. Aos 77
anos, o metalúrgico aposenta-
do Jair Araújo continua saindo
de casa para visitar a igreja, uma
praça e o posto de saúde. Ele
complementa a renda de apo-
sentadoria com os bicos de pe-
dreiro e jardinagem no bairro.
O dinheiro extra, que chega a
ultrapassar R$ 700, ajuda a sus-
tentar a casa, onde moram 15
pessoas. De vez em quando, aju-
da a completar o valor da presta-
ção do carro da filha ou a cesta
de remédios para os parentes.
Ele parece convencido de que é
ficar parado que o deixaria
doente. “Eu uso a máscara, man-
tenho distância, não fico no
meio de aglomerações”, conta,
despreocupado. “O meu objeti-
vo é trabalhar, doa a quem doer,
com dignidade e honestidade.”
Risco. O epidemiologista Ber-
nardino Alves Souto, da Univer-
sidade Federal de São Carlos
(UFSCar), alerta que a volta do
movimento no comércio pode
ter consequências mais graves
para a comunidade. Segundo
ele, estudos apontam que a mor-
talidade pela covid-19 é mais al-
ta em bairros mais populosos,
em que mais pessoas estão con-
centradas em um espaço peque-
no. “Se elas não levam a sério a
quarentena, o risco da epide-
mia se disseminar de uma ma-
neira mais intensa e mais grave
é maior para a própria comuni-
dade”, afirma. Souto também
diz que não faz sentido que a
quarentena vigore em apenas al-
guns bairros da cidade. “A negli-
gência em um bairro significa
risco para o outro também.”
Prefeitura. Em nota, a Prefeitu-
ra disse que cerca de 2 mil agen-
tes têm trabalhado na conscien-
tização de ambulantes e comer-
ciantes para manter estabeleci-
mentos fechados. Até o momen-
to, segundo a gestão municipal,
33 lugares foram interditados
por não acatar a decisão de fe-
chamento, e uma empresa foi
multada no valor de R$ 9.231,65.
“A população tem colabora-
do com a determinação dos de-
cretos municipais” , diz a Prefei-
tura. “Os locais que descumpri-
rem o exposto no decreto estão
sujeitos à interdição imediata
de suas atividades e, em caso de
resistência, cassação do alvará
de funcionamento.”
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Comércio já reabre na periferia de SP,
apesar do medo do novo coronavírus
l Denúncias
Priscila Mengue
Pequenos bares, lanchonetes e
restaurantes da capital paulista
ainda resistem às determina-
ções de isolamento e adotaram
“jeitinhos” para continuar ser-
vindo alimentos e bebidas no lo-
cal – o que é vetado. O Estado
percorreu vias do centro e de
Pinheiros entre as 12 e as 15 ho-
ras de ontem, período em que
avistou ao menos 20 estabeleci-
mentos que descumpriam o de-
creto estadual. Os espaços per-
mitiam o consumo no balcão ou
em mesas dispostas no limite
entre a área interna e a calçada.
Na República, um bar na Rua
Bento Freitas baixou parcial-
mente as portas, mas não conse-
guiu esconder um cliente que
comia um pão na chapa e toma-
va um café no balcão. Questio-
nado, um funcionário disse que
está servindo apenas uma pes-
soa por vez dentro do estabele-
cimento e a maioria dos atendi-
mentos são por delivery.
Caso semelhante ocorreu na
Rua Xavier de Toledo. O restau-
rante impedia a entrada de
clientes na área interna criando
uma espécie de barreira de me-
sas, nas quais servia cachaça e
cerveja em copos de vidro para
dois clientes – ambos idosos.
Os funcionários falaram que
era “exceção” por se tratar de
“amigos da casa”. “Minhas fi-
lhas não sabem (que está fora de
casa). Se soubessem, tinham
me amarrado no pé da cama”,
disse um cliente, de 72 anos.
Ontem, o prefeito de São Pau-
lo, Bruno Covas (PSDB), disse
que a gestão municipal está
com 2 mil fiscais das subprefei-
turas e denúncias podem ser fei-
tas pelo serviço 156. A orienta-
ção é fechar o local infrator e,
em caso de reincidência, cassar
o alvará e encaminhar o caso pa-
ra a Polícia Civil. “Não é ques-
tão de responsabilidade exclusi-
va do poder público, embora a
gente não abra mão da nossa res-
ponsabilidade, mas é também
da população”, afirmou.
Moradores e frequentadores
da região central dizem que o
movimento cresceu nos últi-
mos dias. “Está um absurdo. An-
tes de ontem, você olhava aqui
(Largo do Paiçandu) e não via
um carro subindo”, diz o empre-
sário Sérgio Schumann, de 67
anos. Já na Vila Madalena, era
raro encontrar um pedestre e
grande parte dos bares e restau-
rantes estava fechada.
Sabesp mantém medida que deixa casas sem água à noite. Pág. A11 }
WILTON JUNIOR/ESTADÃO
Baía. Presença de agentes não inibiu mergulho de jovens
WERTHER SANTANA/ESTADÃO
6,9 mil
Denúncias foram recebidas pela
Prefeitura, na Central 156, sobre
furos à quarentena de 20 a 30 de
março. Ao menos 33 estabeleci-
mentos já foram fechados.
Distanciamento parcial. Nos pontos de ônibus, há quem procure se prevenir, mas muitas pessoas não ficam em distância segura em relação às outras
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‘Estado’ flagrou
estabelecimentos que
permitem consumo no
balcão ou em mesas
perto da calçada
Bares burlam regra
com ‘jeitinho’ para
manter serviço
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A10 SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO