O Estado de São Paulo (2020-04-04)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






Assustada pela epidemia de
SARS que eclodiu em 2002, a
China criou um sistema para
reportar doenças infecciosas
que as autoridades garanti-
ram ser de primeira linha: rápi-
do, minucioso, e igualmente
importante, imune a interfe-
rências. Mas ele não funcio-
nou como deveria quando


médicos de Wuhan começa-
ram a tratar uma pneumonia
misteriosa. Autoridades lo-
cais de saúde que, por aversão
política a compartilhar más
notícias, ocultaram informa-
ções do sistema e mantiveram
Pequim no escuro.

http://www.estadao.com.br/e/wuhan

E


m 30 de janeiro a OMS
decretou Emergência
em Saúde Pública de
Importância Internacional.
Em 24 de fevereiro recomen-
dou o isolamento. Em 11 de
março decretou a pandemia,
declarando o seu diretor Ghe-
breyesus: “Reduzam o ciclo de
transmissão, adotem ações pa-
ra conter a disseminação”.
Em conferência virtual de 25
de março, a OMS defendeu a
tese de que a última coisa a ser
adotada deveria ser a abertura
de escolas. O diretor da OMS,
em 26 de março, reafirmou pe-
rante os líderes mundiais na
reunião do G-20, da qual parti-
cipou Bolsonaro, que o único
caminho para proteger a vida e
a economia é parar o vírus,
com restrições drásticas nas es-
colas e nos negócios, pedindo
ao povo que fique em casa.
A OMS não deixou de aten-
tar para a questão social em fa-
ce do isolamento, sensível à si-
tuação terrível dos países em
sua economia. Mas alertava
ter-se de focar primeiro em pa-
rar a doença e salvar vidas. Es-
se trecho da prioridade à saú-
de, mencionado pelo diretor
da OMS, foi, contudo, distorci-
do pelo nosso presidente, a pre-
texto de dizer que a OMS se-
guia Bolsonaro. A OMS respon-
deu realçando de novo a impor-
tância do isolamento social.
No Brasil, já em 3 de feverei-
ro, pela Portaria n.º 188, o Mi-
nistério da Saúde declarou
Emergência de Saúde Pública,
planejando articulação com
gestores estaduais e munici-
pais. A toque de caixa, o Con-
gresso Nacional editou a Lei
n.º 13.979, de 6 de fevereiro, dis-
pondo sobre medidas para o en-
frentamento da emergência de
saúde pública de importância in-
ternacional decorrente do corona-
vírus. No seu artigo 3.º se deter-
mina a adoção de medidas co-
mo isolamento e quarentena,
que poderão ser impostas, se-
gundo o § 7.º do artigo 3.º, pe-
los gestores de saúde locais au-
torizados pelo Ministério da
Saúde, resguardando-se servi-
ços essenciais.
A Portaria n.º 356 do Minis-
tério da Saúde, de 11 de feverei-

ro, especifica poder a quarente-
na ser adotada por secretário
da Saúde do Estado ou do mu-
nicípio, visando a reduzir a
transmissão comunitária. Em
17 de março, os ministros da
Justiça e da Saúde editaram
Portaria Interministerial n.º 5,
acerca da compulsoriedade
das medidas preventivas, cujo
desrespeito sujeitava a san-
ções civis, administrativas e pe-
nais, podendo configurar os
crimes previstos nos artigos
268 e 330 (desobediência) do
Código Penal. O artigo 268 do
Código Penal edita ser crime
“infringir determinação do po-
der público, destinada a impe-
dir introdução ou propagação
de doença contagiosa”.
A determinação de fecha-
mento de atividades não essen-
ciais, como medida de preven-
ção no Estado de Emergência
de Saúde, foi imposta por go-

vernos estaduais, desde mea-
dos de março, pelos Decretos
n.º 46.970 e n.º 47.006 do Rio
de Janeiro, pelos Decretos n.º
64.879 e n.º 64.881 de São Pau-
lo, pelos Decretos n.º 40.509 e
n.º 40.520 do Distrito Federal
e pelos Decretos n.º 55.128 e
n.º 55.154 do Rio Grande do
Sul. O Supremo Tribunal Fede-
ral, por decisão do ministro
Marco Aurélio (Adin n.º 6341),
reconheceu a legitimidade dos
Estados para legislar em maté-
ria de saúde.
O presidente, ao promover
aglomeração pública e incitar,
como no discurso de 24 de
março, a volta ao trabalho e a
reabertura das escolas, infrin-
giu determinações do poder
público que impedem a propa-
gação de doença contagiosa
grave, chamada de gripinha.
Conforme publicou o site G
( g1.globo.com?politica/noti-
cia/2020/03/25/sociedade-brasei-
ra-distanciamento social ), deze-
nas de entidades médicas e
científicas apoiaram as medi-
das preventivas, em crítica ao

presidente.
No domingo passado, o pre-
sidente, indo ao comércio de
Brasília, reuniu no seu entorno
várias pessoas, defendendo a
volta à normalidade. Produziu
a Secretaria de Comunicação
vídeo insuflando ao trabalho,
em boa hora vedado pelo Judi-
ciário. Assim, houve flagrante
afronta às determinações do
poder público, mormente ao in-
centivar, como presidente, a
população a desrespeitar as or-
dens de isolamento social,
“destinadas a impedir a propa-
gação de doença contagiosa”.
Na noite de terça-feira, o
presidente fez um recuo tími-
do, falando em união com go-
vernadores e prefeitos, mas
sem defender o isolamento so-
cial. Essa incursão na racionali-
dade, todavia, durou pouco.
Na quarta cedo, atacou o isola-
mento e governadores ao di-
fundir vídeo de falso desabas-
tecimento, dizendo-se: “A cul-
pa disso aqui é dos governado-
res porque o presidente da Re-
pública está brigando inces-
santemente para que haja
uma paralisação responsável”.
Na manhã de quinta postou ví-
deo de mãe defendendo a vol-
ta às aulas e fim do isolamen-
to, invenção da imprensa e
dos governadores.
Assim, as condutas de incen-
tivo ao desrespeito às determi-
nações dos órgãos da saúde
podem constituir infração pe-
nal e crime de responsabilida-
de, consistente este em falta
de decoro ao descumprir as
leis, pôr em risco a incolumi-
dade pública e colocar interes-
ses pessoais acima do interes-
se público.
Mas o importante agora é to-
dos se unirem na luta contra a
pandemia, nos planos da saú-
de e da economia, sem o diver-
sionismo do embate político,
deixando o presidente falando
o que bem deseja, no seu uni-
verso paralelo.

]
ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR
SÊNIOR DA FACULDADE DE
DIREITO DA USP, MEMBRO DA
ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS,
FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Pesquisadores acreditam
que “virosfera” tem uma vas-
tidão inimaginável.

http://www.estadao.com.br/e/virus

CORONAVÍRUS


Sistema de prevenção da China falhou


O serviço sob demanda de-
ve redesenhar o sistema pú-
blico de mobilidade, já que
os aplicativos aumentam a
sua eficiência.

http://www.estadao.com.br/e/mobilidade

l“O cenário mudou. Muitos que eram favoráveis agora são contrários
ao governo, que não se pauta pela racionalidade, mas pelo populismo.”
EWERTON LUIZ

l“É o mesmo tipo de pesquisa que dizia que Bolsonaro perderia para
qualquer candidato no segundo turno?”
PABLO PECLY

l“A fila anda e o povo pode mudar de opinião. Principalmente com as
besteiras que o presidente anda fazendo!”
JUCIANO NOBRE AMORIM

l“Esta reprovação ao presidente é óbvia: ‘Quem semeia ventos, co-
lhe tempestades’. Simples assim.”
LURDES CANTELI PICCOLO

COMENTÁRIOS

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Washington Olivetto diz
que a crise do novo coronaví-
rus vai acarretar uma rein-
venção da publicidade em
todo o mundo.

http://www.estadao.combr/e/publicidade

Espaço Aberto


S


obre a pandemia que o
mundo está vivencian-
do dúvidas não faltam,
mas podemos tranquilamente
afirmar que a dimensão que
ela alcançou se deve a uma
combinação de fatores epide-
miológicos e políticos.
Embora pouco protocolar,
fez bem o embaixador chinês
em Brasília em repreender um
parlamentar que se referira ao
coronavírus como o “vírus chi-
nês”. De fato, a expressão do
referido parlamentar foi infe-
liz e poderia alimentar a absur-
da teoria de que a China pro-
positalmente criara e facilita-
ra a propagação do vírus. É, po-
rém, inegável que a China não
alertou o mundo no devido
tempo. Em meados de novem-
bro do ano passado, a situação
na cidade de Wuhan (situada
na província de Hubei) já era
crítica e o governo central chi-
nês não se empenhou em pres-
tar esclarecimentos ao mun-
do, de forma solene e oficial,
como conviria a um país com
as responsabilidades interna-
cionais da China. Com certeza
informou à Organização Mun-
dial da Saúde (OMS), em data
que desconheço.
Há quem pense que os chi-
neses demoraram a prestar in-
formações à comunidade in-
ternacional porque, nas pri-
meiras semanas, nada sabiam,
portanto, nada tinham para in-
formar. Começaram a procu-
rar uma vacina, mas tardaram
a entender que o vírus sofrera
uma mutação, era, portanto,
algo novo, e então passaram a
interagir com cientistas e
médicos de outros países, faci-
litando o acesso deles aos da-
dos que possuíam.
Os analistas que se apoiam
nessa linha de raciocínio geral-
mente destacam que Beijing
pediu cautela a seus especialis-
tas a fim de evitar um alarme
perigoso, que poderia até mes-
mo provocar uma convulsão
social. Suponhamos que essa
teoria tenha fundamento e
que as informações indispen-
sáveis seriam proporcionadas
a outros países para que se
preparassem no devido tem-
po. O fato, no entanto, é que o


poder central chinês em ne-
nhum momento se pronun-
ciou sobre a matéria de forma
ponderada, mas solene e ofi-
cial. Organizando medidas
preventivas em tempo hábil,
milhares de vidas poderiam
ter sido poupadas e a aberran-
te atitude de alguns chefes de
Estado que insistiram em mi-
nimizar o risco da epidemia
durante cerca de três meses
poderia ter sido contestada.
O fato, portanto, é que o to-
do-poderoso Xi Jinping redu-
ziu o problema às esferas pro-
vincial e municipal, mesmo
após saber que a dissemina-
ção do vírus seria extrema-
mente ampla e após a OMS
apontar seu caráter pandêmi-
co. Na prática, o trágico aviso
foi dado pela Itália, e em segui-
da pela Espanha, que não se
prepararam adequadamente
para o gigantesco impacto

que receberam.
O caso mais difícil de com-
preender, um emaranhado
que bem merece ser designa-
do como um pandemônio po-
lítico, é o dos Estados Unidos.
É sabido que o presidente Do-
nald Trump foi alertado com
bastante antecedência pelos
serviços de espionagem, em
particular pela Central Intelli-
gence Agency (CIA), mas recu-
sou-se a tomar providências
preventivas, seja por interesse
eleitoral ou por acreditar, em
seu tosco entendimento, que
a pandemia, na realidade, não
passava de uma “gripezinha”,
ou pela combinação dessas
duas razões.
Fato é que o despreparo dos
Estados Unidos para efetuar
testes era espantoso. Em feve-
reiro, autoridades médicas fe-
derais falavam em testar 1 mi-
lhão e meio de pessoas, mas a
revista The Atlantic entrou em
contato com os secretários de
Saúde dos 50 Estados e do Dis-
trict of Columbia (Washing-
ton, DC) e mostrou que a ca-

pacidade real do país para efe-
tuar tais testes não passava de
2 mil por dia. Nem testes,
nem isolamento social. Se a
propagação do vírus se dá por
contatos entre pessoas, é ób-
vio que a medida mais impor-
tante, a ser tomada de imedia-
to, é reduzir drasticamente
tais contatos. Isso, como já se
notou, Trump não faria. Foi
só em meados de março que
ele relutantemente aceitou a
necessidade de quarentenas.
Comparado aos EUA, o Bra-
sil (leia-se: o ministro Mandet-
ta e as entidades e os profissio-
nais de saúde) estão relativa-
mente bem na foto. É, porém,
meridianamente claro que
não podemos subestimar os
desníveis sociais, as diferen-
ças de qualidade dos serviços
médicos entre Estados e re-
giões, a compreensível preocu-
pação dos que temem um efei-
to arrasador na economia,
nem, e mais importante, as
contínuas e desastradas inter-
venções do presidente Bolso-
naro, adepto da mesma tosca
teoria da “gripezinha” e, ao
que tudo faz crer, incapaz de
compreender os requisitos
básicos do cargo para o qual
foi eleito. Se dependesse só de-
le, decerto não teríamos im-
plantado e não estaríamos
mantendo razoavelmente
bem a disciplina do isolamen-
to social.
Há quem afirme, principal-
mente no tocante à Europa,
que a ineficácia das medidas
adotadas se deveu em grande
parte a informações erradas
recebidas da China até mea-
dos de janeiro, incluída a de
que o vírus não seria transmis-
sível entre humanos. Seja co-
mo for, parece-me fora de
dúvida que fatores políticos
agravaram enormemente a
gravidade da pandemia: o regi-
me totalitário de Beijing e de-
sacertos infantis cometidos
pelos presidentes dos EUA e
do Brasil.

]
SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM
CONSULTORIA, É MEMBRO DAS
ACADEMIAS BRASILEIRA DE
CIÊNCIAS E PAULISTA DE LETRAS

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
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JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
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Bolívar Lamounier


Tema do dia


Mais de 10 mil africanos oci-
dentais morreram e forças
da França sofreram baixas.

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Pandemia e


pandemônio


Regime totalitário da
China e desacertos de
Trump e Bolsonaro
agravaram a situação

O universo


paralelo


Importante é todos se
unirem na luta contra a
pandemia, nos planos
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JULIO MESQUITA (1885-1927)
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XP: Bolsonaro tem


avaliação ‘ruim’ ou


‘péssima’ de 42%


É o maior nível de reprovação desde o
início do mandato; 28% consideram
gestão do presidente ‘ótima’ ou ‘boa’

]
Miguel Reale Júnior

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Existem trilhões de
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