National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1

8 NATIONAL GEOGRAPHIC


“Se a linguagem não for suficientemente rica
para nos permitir descrever e compreender estes
fenómenos, temos de criá-la”, disse Glenn quando
o visitei na sua casa, em Hunter Valley. “Por que
razão não possuímos uma palavra que correspon-
da a um sentimento humano?”, perguntou. Espe-
cialmente um sentimento “que é profundo, óbvio,
sentido em todo o mundo em diversos contextos e
que provavelmente já foi sentido durante milha-
res de anos em circunstâncias semelhantes”.
Pareceu-me uma pergunta válida. Ao longo da
história, as cheias, os incêndios florestais, os sis-
mos e os vulcões, bem como as civilizações expan-
sionistas e os exércitos conquistadores, alteraram
definitivamente paisagens amadas e perturbaram
sociedades. Os nativos americanos tiveram esse


sentimento quando os europeus transformaram a
América do Norte. “Esta terra pertencia aos nos-
sos pais”, disse Satanta, um chefe dos kiowa do
século XIX. “Mas quando vou ao rio [Arkansas],
vejo acampamentos de soldados nas margens.
Estes soldados cortam as minhas árvores, matam
os meus búfalos: e quando vejo isso, parece que o
meu coração vai rebentar.”
A Revolução Industrial produziu alterações ain-
da mais radicais na paisagem, com a dissemina-
ção de metrópoles, caminhos-de-ferro e fábricas.
Quando o vale do Hudson, em Nova Iorque, foi
desmatado para dar lugar à agricultura e alimen-
tar uma próspera indústria de curtumes, o pintor
oitocentista Thomas Cole lamentou a destruição
das suas adoradas florestas. “Só posso exprimir a


minha pena ao ver a beleza de tais paisagens desa-
parecer tão rapidamente”, escreveu. “A devastação
do machado aumenta diariamente. Os mais no-
bres panoramas tornam-se desolados e, frequen-
temente, com uma arbitrariedade e um barbaris-
mo dificilmente credíveis numa nação civilizada.”
A minha mãe experimentou uma versão me-
nos grave desse sentimento em meados do sécu-
lo XX. Ela cresceu em Long Beach Island, ao lar-
go da costa meridional de Nova Jersey. Nos seus
pântanos intactos, ela descobriu o seu duradouro
amor pela biologia e pelo mar. Durante a década
de 1950, a construção imobiliária acelerou quando
os turistas ricos do continente compraram terra e
edificaram as suas casas de férias. “Percebi qua-
se imediatamente o que estava a acontecer”, diz.
“Fiquei furiosa. Andei por todo o lado a
arrancar os postes dos agrimensores.”
Faz parte da nossa espécie dinâmica
reconfigurar as paisagens de maneira a
satisfazer as suas necessidades e dese-
jos, mas a escala e ritmo da transforma-
ção no século XXI não tem precedentes.
Com a nossa população a aproximar-se
rapidamente da cota de 8.000 milhões
de pessoas, os seres humanos estão a
alterar mais o planeta do que em qual-
quer época histórica. Continuamos
a abater florestas, a emitir carbono
e a despejar substâncias químicas e
plástico na terra e nos cursos de água.
E, como resultado, sofremos vagas de
calor ruinosas, incêndios florestais, sur-
tos de tempestade, glaciares em fusão,
subida do nível dos mares e outras for-
mas de destruição ecológica. Tudo isto
causa rupturas políticas, logísticas e financeiras.
E também cria desafios emocionais.
Só nos últimos anos é que os cientistas come-
çaram a dedicar recursos ao estudo da associação
entre alterações ambientais e saúde mental. Na-
quele que é o maior estudo empírico feito até à
data, uma equipa coordenada por investigadores
do MIT e de Harvard analisou, entre 2002 e 2012,
os efeitos das alterações climáticas sobre a saúde
mental de quase dois milhões de residentes nos
EUA aleatoriamente seleccionados. Descobriram
que a exposição ao calor e à seca aumentava o ris-
co de suicídio e o número de consultas de psiquia-
tria. Além disso, as vítimas de furacões e cheias
tinham maiores probabilidades de sofrer pertur-
bação de stress pós-traumático e depressão.

“SÓ POSSO EXPRIMIR A MINHA PENA


AO VER A BELEZA DE TAIS PAISAGENS


DESAPARECER TÃO RAPIDAMENTE.”
THOMAS COLE, PINTOR DA ESCOLA DE HUDSON RIVER

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