National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1

As emoções podem ser difíceis de exprimir para
as pessoas traumatizadas pela perda de uma paisa-
gem. “A dor sentida ao perder-se uma terra é com-
pletamente diferente de qualquer outra dor, por-
que é difícil de partilhar”, diz Chantel Comardelle,
quando visito a sua comunidade na costa do Loui-
siana, onde o nível do mar está a subir a um ritmo
alarmante e a inundar a terra. Chantel nasceu na
ilha de Jean Charles, uma ilha quase desaparecida
que perdeu 98% do seu território desde 1955. A co-
munidade fragmentou-se. “Não é igual à perda de
um ente querido, nem qualquer outro fenómeno
que as outras pessoas compreendam”, afirma.
Nesta era de alterações climáticas globais, há
mais pessoas que compreendem bem. À medida
que a ilha de Jean Charles se desintegrava, Chan-
tel e outros líderes locais decidiram contactar ou-
tras pessoas que enfrentam os mesmos desafios.
“Há uma comunidade no Alasca que está a passar
pela mesma situação”, conta, referindo-se à aldeia
yupik de Newtok, também confrontada com um
processo de afundamento agudo e perda de terra.
“Conseguimos sentar-nos e conversar... Tínhamos
quase os mesmos sentimentos, as mesmas emo-
ções”, diz. “Percebi que não estava tão sozinha. Isto
não é só uma invenção da minha cabeça. É real.”


Nos últimos anos, viajei para vários locais onde
a paisagem tem sofrido uma transformação dra-
mática. Quis compreender melhor as alterações
físicas ocorridas no solo, mas também a forma
como essas alterações se repercutem nas vidas
dos habitantes. Só um punhado de pessoas ouvira
a palavra solastalgia, mas muitas partilharam des-
crições inesquecíveis da experiência que a palavra
pretende definir. Defrontam-se, por um lado, com
os tremendos desafios práticos causados pela per-
da de uma paisagem e, por outro, com o complexo
sofrimento emocional de perda do seu sentimen-
to de pertença a um sítio do mundo.
Por enquanto, solastalgia é uma palavra a vi-
brar nas margens da língua e Glenn Albrecht es-
pera que ela perdure ali. “É uma palavra que não
deveria existir, mas teve de ser criada por cir-
cunstâncias difíceis”, afirma. “Agora tornou-se
global. Isso é terrível... Vamos livrar-nos dela!
Vamos livrar-nos das circunstâncias, das forças
que criam solastalgia!” j

Em O Meandro (em
cima), o pintor do século
XIX Thomas Cole descre-
veu o vale do rio Massa-
chusetts desprovido de

árvores. Em Nova Iorque,
lamentou a perda das
florestas do vale do rio
Hudson, devido à
expansão da agricultura.

MUSEU METROPOLITANO DE ARTE, NOVA IORQUE/ART RESOURCE, NY UM MUNDO PERDIDO^9

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