National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1

Locais seguros
para os kiwis
O kiwi, ave não-voadora
endémica da Nova
Zelândia, sofre com o
aumento das secas e a
perseguição de preda-
dores. As crias são bastante
vulneráveis. Por isso, os
grupos locais de conserva-
ção, como a associação
Kiwis for Kiwi, recolhem
os ovos e as crias e tratam
deles em locais seguros
até serem capazes de se
alimentarem eficiente-
mente e de se prote-
gerem dos predadores.
JOEL SARTORE, ARCA
FOTOGRÁFICA DA NATIONAL
GEOGRAPHIC


ne a criação de mais áreas protegidas com a recuperação de ecossistemas e a
redução da área das zonas agrícolas. A agricultura ocupa um terço do solo do
planeta. No entanto, se reduzirmos para metade a carne que comemos e os
desperdícios que geramos, se aumentarmos o rendimento das culturas e se co-
mercializarmos os géneros alimentares com maior eficiência, conseguiremos
cultivar os alimentos de que necessitamos em menos solo. Isso criará mais es-
paço para as outras espécies.
O naturalista E.O. Wilson e outros autores apelaram à abordagem da “meia-Ter-
ra”, segundo a qual metade do planeta seria reservada
para áreas bravias, nas quais a actividade humana é
cuidadosamente restringida. Os grandes parques são
necessários para algumas espécies, mas esse esforço
acarreta o risco de deslocação de muita gente. “Eles são
evidentemente necessários e precisamos, provavelmen-
te, de 20% ou mais”, afirma Georgina Mace, especialis-
ta em biodiversidade da University College de Londres
(UCL). “Também precisamos de pessoas a viver com os
animais selvagens, a seu lado e entre eles.” Na sua visão
do futuro, os seres humanos e outras espécies partilham
o espaço em quase todo o lado. “Eu sou uma pessoa da
Terra-toda, não uma pessoa da meia-Terra”, diz.
Acredito que esta forma híbrida de pensar será a
norma em 2070. As fronteiras serão mais esbatidas, os
quintais mais desorganizados. Os corredores de vida
selvagem serpentearão pelo meio das terras agrícolas e
das cidades. As planícies de aluvião armazenarão car-
bono, produzirão alimentos e controlarão as cheias. As
crianças treparão às árvores nos pomares do recreio da
escola para apanharem fruta.
As terras bravias continuarão a existir e os seres hu-
manos continuarão a apaixonar-se por elas, mas vão ter
um aspecto muito diferente do que têm hoje. À medida
que as espécies se deslocarem em resposta às altera-
ções climáticas, as tentativas para impedir a mudança
dos ecossistemas tornar-se-ão impossíveis e, nalguns lugares, contraproducen-
tes. Em vez disso, devemos preocupar-nos em assegurar que o planeta conserve
a maioria das espécies com populações robustas. O conceito purista de que to-
das as espécies podem ser classificadas como “nativas” ou “invasoras” deve ser
abandonado. Os ecossistemas estão em evolução constante e, na sua maioria, há
milhares de anos que são influenciados pelos seres humanos.
A gestão não consistirá em deixar a vida correr naturalmente em todo o lado.
Na Nova Zelândia e noutras ilhas, onde as espécies não-nativas são a maior amea-
ça às amadas espécies autóctones, talvez possamos utilizar armadilhas humani-
zadas ou engenharia genética para remover os recém-chegados. Noutros lugares,
as espécies ameaçadas precisarão de ajuda para se adaptarem. A gestão intensiva
vai ser obrigatória para muitas espécies, a curto prazo.
Em 2070, enormes extensões da Terra serão geridas pelas nações indígenas,
pois a sua soberania será por fim levada a sério. Isso será benéfico para os animais
selvagens, uma vez que, em média, os territórios administrados pelos indígenas
têm mais espécies do que os parques nacionais. Nalguns casos, métodos tradicio-
nais apurados ao longo de milénios poderão ser recuperados. São os mesmos que
criaram as magníficas e prósperas paisagens que os colonizadores encontraram
aquando da sua primeira invasão, confundindo-as com natureza “selvagem”.
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