National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

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10 NATIONALGEOGRAPHIC


“Quando comecei a trabalhar aqui, só havia um
automóvel eléctrico na cidade e era um Ford Tau-
rus reconvertido”, contou Dean Kubani. Tinha
painéis solares no tejadilho. “Conseguia percorrer
cerca de 16 quilómetros”. Eu e o fotógrafo David
Guttenfelder planeávamos percorrer mais de sete
mil quilómetros numa série de automóveis eléc-
tricos. Carregados de bananas (para mim) e de
carne de vaca seca (para Guttenfelder), partimos
de Santa Mónica, rumo à Costa Leste, com uma
pergunta importante: será que nós, como país, se-
remos capazes de chegar onde precisamos? Será
que conseguimos abandonar os combustíveis fós-
seis suficientemente depressa para garantirmos
que seja tolerável viver em 2070?


A NORTE DE LOS ANGELES, o petróleo continua a
ser extraído em grandes jazidas. A leste, para lá das
montanhas Tehachapi, saindo de Bakersfield, a
capital petrolífera local, um futuro mais limpo
reluz. Entrámos na cidade de Mojave a bordo do
nosso Hyundai Kauai alugado, e estacionámos no
parque de uma loja de roupa, onde rajadas de vento
fustigavam os vestidos dos manequins sem cabeça
expostos no exterior. Do outro lado dos carris de
ferro enferrujados do comboio, conseguíamos avis-
tar as altas turbinas eólicas erguidas sobre os cam-
pos de painéis solares, naquela que talvez seja a
maior concentração de energias renováveis exis-
tente nos Estados Unidos.
Ben New, vice-presidente responsável pela fun-
dação da 8minute Solar Energy (cujo nome se ins-
pirou no tempo que a luz solar demora a chegar
à Terra), conduziu-nos a um parque de 200 hec-
tares com módulos solares responsáveis pela pro-
dução de 60 megawatts de energia eléctrica, sufi-
cientes para abastecer 25 mil agregados familiares
na Califórnia. “Há vinte anos, um painel solar era
tão caro que ninguém teria pensado que isto seria
possível”, afirmou o responsável.
Agora, a energia solar é uma pechincha. O preço
dos módulos fotovoltaicos desceu a pique, caindo
99% desde a década de 1970, em grande parte de-
vido às políticas públicas e à investigação na Ale-
manha, no Japão, na China e nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo que os Estados pressionavam
as empresas de serviço público para desenvol-
verem soluções renováveis, a procura disparava.
A produção tornou-se mais eficiente. Os preços
baixaram. A instalação de um watt de equipa-
mento solar custa hoje a Ben New um quinto do
que custava há dez anos e ocupa metade do espa-
ço antigamente necessário.


Foram precisas quatro décadas, até 2016, para
que os EUA instalassem um milhão de sistemas
alimentados a energia solar, desde telhados
a parques solares de escala industrial. Foram
precisos apenas três anos, até 2019, para que o
segundo milhão fosse instalado. Prevê-se que o
número volte a duplicar até 2023. Nos EUA, há
agora energia solar suficiente para abastecer
13 milhões de agregados familiares. Os projec-
tos estão a aumentar de tamanho: a empresa de
Ben New anunciou a instalação de mais 400 me-
gawatts, com armazenamento de baterias para


  1. Estes e outros projectos da 8minute forne-
    cerão energia limpa a um milhão de habitantes
    de Los Angeles.
    No entanto, por muito impressionantes que
    sejam, estes números não são suficientes. Hoje
    em dia, menos de 2% do total da electricidade
    dos EUA provém do sol e mais 7% do vento. A ní-
    vel mundial, os números são comparáveis. Para
    travar o aquecimento global no patamar de 1,5ºC,
    segundo estimativa de um relatório recente da
    ONU, as emissões globais têm de baixar 7,6% por
    ano durante a próxima década. No ano passado,
    voltaram a subir. Para que as renováveis conse-
    guissem preencher a lacuna, segundo a mesma
    fonte, teriam de crescer seis vezes mais depressa
    do que o ritmo actual.
    Isso implicaria esforços maciços de mobiliza-
    ção e investimento em infra-estruturas: em ca-
    pacidade de fabrico de aço e cablagem, em bate-
    rias e linhas de transporte de electricidade. Nos
    EUA, onde a rede se encontra dividida em três
    (uma para o Leste, outra para o Oeste e outra para
    o Texas) será necessária uma enorme reconver-
    são para transportar a electricidade do soalheiro
    Arizona para o estado da Virgínia Ocidental, rico
    em carvão. Para já, afirmou Ben New, teríamos
    de produzir muitos gigawatts “em zonas do país
    onde isso nunca foi feito”. Esse esforço implica-
    ria mudanças em lugares onde os combustíveis
    fósseis são populares. Por muito que Ben New
    esteja empenhado numa rápida transição para
    a energia solar, não acredita que esta aconteça
    a tempo. O crédito fiscal de 30% concedido aos
    investimentos em energia solar, em vigor desde
    a administração de George W. Bush, começará a
    ser gradualmente retirado este ano.
    Conseguirá a energia solar disseminar-se ao
    ritmo necessário com mais incentivos? Em oca-
    siões anteriores, alguns peritos subestimaram o
    seu potencial. Em 2008, David Keith, professor
    da Universidade de Harvard, previu que, com

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