National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

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18 NATIONAL GEOGRAPHIC


Quando lá passámos, preparava-se para o en-
cerramento porque já não conseguia competir
com os preços baixos do gás natural e das reno-
váveis. O encerramento eliminaria centenas de
postos de trabalho, quase todos atribuídos a nati-
vos-americanos. E embora as tribos navajo e hopi
não fossem proprietárias da central, recebiam mi-
lhões de euros em direitos de propriedade intelec-
tual e pagamentos de rendas – uma verba difícil
de substituir. A central tinha um historial de po-
luição: gerou 14 milhões de toneladas de CO 2 por
ano. Para os membros da Nação Navajo, era igual-
mente irritante que a energia causadora da po-
luição atmosférica fosse maioritariamente para
outros lugares. “Muitas famílias locais ainda nem
sequer têm electricidade”, comentou Russell.
Seguimo-lo a casa para sermos apresentados
à sua mulher, Sharon Yazzie. Ela cresceu em Le-
Chee e recorda-se da vida antes da central. Disse
que não sentia falta. “Sempre trouxe benefícios
aos de fora e não a nós”, afirmou.
O encerramento de centrais a carvão é uma ten-
dência que parece imparável. Mais de quinhentas
centrais a carvão fecharam nos EUA desde 2010 e
estão previstas mais algumas dezenas de encerra-
mentos. Em 2019, o consumo de carvão nos EUA
foi o mais baixo de sempre em 40 anos: em Abril,
as energias renováveis geraram mais energia eléc-
trica do que o carvão pela primeira vez. A China e
a Índia ainda estão a construir centrais a carvão,
mas há indicações de que a mudança também
está em curso nestes países. Agora, muitas cen-
trais chinesas funcionam apenas esporadicamen-
te: em 2018, a Índia instalou mais projectos de
energia renovável do que a carvão.
A cerca de dez quilómetros de LeChee, em Page,
no Arizona, estacionámos um novo automóvel
que alugámos, um Tesla Model S branco, na Cur-
va da Ferradura, um majestoso meandro do rio
Colorado. Centenas de turistas acotovelavam-se
num miradouro. O encerramento da central a
carvão foi um acontecimento nefasto, comentou
Judy Franz, directora da Câmara de Comércio de
Page. Em contrapartida, o turismo está a crescer.
Mais famílias navajo estavam a começar a prestar
serviços de guia e a abrir restaurantes. “Muitos ti-
veram um pouco de receio no início”, disse a mi-
nha interlocutora. Mas “vai correr bem”.


NOS DIAS SEGUINTES, percorremos uma gigantesca
curva em S, atravessando o futuro e o passado,
enquanto ambos coexistem numa tensão descon-
fortável. Chegando à região meridional do Utah,


passámos por florestas pouco arborizadas e montes
de rocha branca. Atravessámos os isolados socalcos
do Monumento Nacional Grand Staircase–Esca-
lante, última região cartografada dos 48 estados
contíguos dos EUA. Depois de uma demorada para-
gem num carregador lento em Boulder, avançámos
em direcção ao Colorado.
No Laboratório Nacional das Energias Renová-
veis (NREL), nos arredores de Denver, eu e David
vimos David Moore, de bata e luvas de laboratório,
pincelar um líquido sobre um vidro condutor do
tamanho de um cartão de crédito, transforman-
do-o instantaneamente numa minúscula célula
solar. O líquido continha perovskitas dissolvidas,
um tipo de cristal semicondutor invulgarmente
eficiente para captar a luz solar. Segundo alguns
especialistas, as perovskitas podem revelar-se tão
transformadoras como o iPhone, tornando a ener-
gia solar omnipresente e baratíssima.
“Não há razão nenhuma que me impeça de de-
positar todos estes materiais numa parede de tijo-
los... No fundo, em qualquer superfície onde bata a
luz do Sol”, afirmou David. “O tejadilho de um car-
ro. Peças de roupa. Mochilas.” Ele imagina células
solares impressas em rolos finos de película, como
jornais numa prensa, facilitando a rápida produ-
ção em massa. Os especialistas do sector mostram-
-se intrigados, mas cépticos. Muitas vezes, os avan-
ços fracassam fora do contexto laboratorial.
Muitas inovações surgirão até 2070, mas a per-
gunta mais importante é outra: a que velocidade
os interesses instalados deixarão que as velhas
tecnologias morram?
Numa manhã lamacenta, a sudeste de
Lubbock, vimos uma carrinha de caixa aberta
transportar uma peça de turbina eólica através de
campos de algodão. Tal como nós, a carrinha aca-
bara de atravessar a planície do Texas para chegar
a Sage Draw, um parque eólico em construção
com 16.500 hectares. Pusemos capacetes de pro-
tecção e caminhámos em redor de uma cratera
aberta no solo, onde uma armação de aço e betão
iria em breve acolher uma turbina eólica, uma das
120 que produzirão 338 megawatts no futuro.
O estado do Texas, tão identificado com o petró-
leo que a flor da bandeira estadual poderia ser uma
plataforma petrolífera com o seu movimento osci-
lante, é o quinto maior produtor de energia eólica,
atrás de apenas quatro países. A assembleia legisla-
tiva ordenou às empresas públicas que investissem
milhares de milhões de euros na modernização da
rede eléctrica do Estado, instalando milhares de
quilómetros de novas linhas de transporte para
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