National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

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No entanto, muito mudou e isso poderá, por
fim, desencadear acção. O número crescente e a
intensidade de catástrofes recentes concentra-
ram as atenções globais naquilo que está em jogo.
De forma reveladora, a população que sentirá as
consequências saiu para a rua no ano passado,
dando corpo a algumas das maiores manifesta-
ções ambientalistas da história.
Os jovens estão bem posicionados, pela força
dos seus números e pelo poder organizador das
redes sociais, para gerar acção. Em todo o mundo,
há mais de três mil milhões de pessoas com me-
nos de 25 anos: são dois terços da população total.
Nos Estados Unidos, durante a agitação cultural
de finais da década de 1960 e início da década de
1970, o número de norte-americanos com idades
entre 18 e 29 anos totalizava 41 milhões. Hoje, esse
grupo etário ascende a 52 milhões. O âmbito das
manifestações dos jovens também se alargou,
transformando-se num movimento que inclui vá-
rias causas sociais, nomeadamente a justiça racial
e o controlo das armas, sugerindo comparações
com o activismo social de finais da década de 1960
que agitou países em todo o mundo.
Milhões de crianças atingiram a maioridade
enquanto viram as plataformas de gelo a derreter
e as temperaturas a subir. Estão fartas de esperar
que os líderes governamentais tomem medidas.
“A guerra do Vietname foi o gatilho que radicali-
zou uma geração”, diz Stephen Zunes, professor
de ciência política da Universidade de São Fran-
cisco. “Agora, o clima vai fazer o mesmo.”
Delaney Reynolds, de 20 anos, residente na Flo-
rida, um dos locais dos EUA mais vulneráveis às
alterações climáticas, sente-se cada vez mais frus-
trada com a falta de acção. “Muitos adultos que
hoje detêm o poder estão demasiado preocupados
com o dinheiro e com os lucros”, diz. “Assim que
conseguirmos substituí-los, vamos substituí-los.”
Delaney estuda agora na Universidade de Mia-
mi e fundou o Projecto Sink or Swim [Afundar ou
Nadar] e começou a dar formação aos cidadãos da
Florida sobre os riscos da subida do nível do mar.
Proferiu centenas de palestras. “É incrível como as
crianças do pré-escolar conseguem perceber que
isto é um problema, ao contrário dos políticos”, diz.
Felix Finkbeiner, activista alemão de 22 anos,
é outro veterano do movimento juvenil contra as
alterações climáticas. Ele despertou para a causa
aos 9 anos, pois tinha um urso-polar de peluche e
ficou comovido com imagens de outros ursos es-
fomeados lutando por alimento, enquanto o gelo
do Árctico desaparecia.


Felix queria ajudar. Plantou uma árvore na esco-
la. Agora está a fazer um doutoramento em ecolo-
gia do clima enquanto dirige uma organização sem
fins lucrativos fundada em 2007. A Plant-for-the-
-Planet plantou oito milhões de árvores em 73 paí-
ses e faz parte de um esforço global para plantar um
bilião. “Não há razão para este movimento ter sido
contido durante tanto tempo ou para considerá-
-lo um capricho da juventude”, diz. “É fenomenal.
Talvez seja o ponto de viragem que esperávamos.”
No Outono passado, Felix encontrou-se e parti-
lhou pistas com Lesein Mutunkei, de Nairobi (Qué-
nia), um jogador de futebol com 15 anos que plan-
tava uma árvore por cada golo que marcava, como
forma de contribuir para a recuperação das flo-
restas locais. Lesein expandiu o seu projecto e en-
volveu outros jovens, levando-os a comemorar os
seus feitos plantando árvores. “Se formos bons em
música e atingirmos metas, podemos plantar uma
árvore por isso. Se tivermos uma boa nota numa
disciplina, podemos plantar uma árvore”, diz.
Um dos esforços com mais repercussões está
a decorrer nos tribunais do mundo, incluindo na
Noruega e no Paquistão, onde os jovens interpuse-
ram acções judiciais para proteger o clima.

A MAIS RECENTE VAGA de manifestações climáticas
começou a ganhar forma há vários anos na Europa.
Jovens activistas alemães organizaram greves estu-
dantis que atraíram poucas pessoas e atenção, mas
ajudaram a construir os alicerces do movimento
desencadeado pela greve escolar solitária de Greta
Thunberg em Agosto de 2018, que apanhou o
mundo de surpresa. Desconhecida quando se sen-
tou à porta do Parlamento sueco em Estocolmo, a
jovem de 17 anos tornou-se o rosto de um movi-
mento global que já deu origem a greves estudantis
na maioria dos países e em mais de sete mil cidades.
Quando chegou a Nova Iorque, depois de atravessar
o Atlântico num iate à vela, sem produzir emissões,
Greta alcançou o tipo de notoriedade que torna
alguém conhecido apenas pelo seu primeiro nome
e que costuma estar reservada às estrelas da música.
Greta é directa e incisiva, talvez em parte por
ter síndrome de Asperger. Não usa a linguagem
sinuosa do discurso político. Quando prestou
testemunho no Congresso dos EUA, apresentou
o relatório do painel para o clima da ONU em vez
dos seus próprios comentários. “Não quero que
me ouçam. Quero que ouçam os cientistas”, disse.
Elizabeth Wilson, advogada especializada em
direitos humanos, tem visto os jovens activistas a
ganharem força. “Acho inacreditável que nos te-
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