National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1
EMLUTAPELOSEUFUTURO 35

nhamos convencido de que estamos a viver num
mundo pós-verdade e que sejam estes miúdos a
dizer: ‘Nós acreditamos nos factos. Acreditamos
na ciência. Aquilo que vocês nos dizem não é uma
realidade alternativa. É mentira”, diz. “É incrível.”
Facilmente nos esquecemos do facto de, apesar
dos seus conhecimentos de comunicação e capa-
cidades de organização táctica, muitos activistas
do clima ainda serem crianças. Muitos têm pro-
blemas de ansiedade e depressão. A sua atenção
está fixada em relatórios alarmantes. Uma análi-
se da ONU, de 2018, concluiu que as emissões de
carbono têm de ser reduzidas para metade até
2030 para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e
uma investigação conduzida pela Organização
Meteorológica Mundial e pela revista Nature, pu-
blicada em 2019, avisou que a subida das tempe-
raturas acima desse limiar conduzirá
a um agravamento da ocorrência de
furacões, cheias, secas e incêndios flo-
restais, bem como desastres agrícolas
que poderão reduzir o abastecimento
alimentar do mundo.
“Não é difícil encontrar crianças
que digam que não querem ter filhos
por causa do caos em que acham que
o mundo vai estar”, diz Lise van Sus-
teren, uma psiquiatra que estuda a
maneira como os jovens estão a lidar
com as alterações climáticas. “É uma
altura conturbada para as crianças.
Têm assistido a tudo com os próprios
olhos. Viram os incêndios. Viram as
tempestades. Elas não são estúpidas
e estão zangadas.”
Jamie Margolin, de 18 anos, foi fun-
dador do grupo Zero Hour. Alexandria Villaseñor,
de 14 anos, falta às suas aulas de sexta-feira desde
Dezembro de 2018 para se manifestar em frente
da sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Am-
bos descreveram os seus receios face ao futuro,
num simpósio no Outono passado nos escritórios
do Twitter em Washington. Alexandria teme que,
quando tiver idade para votar e contribuir para a
eleição de líderes conscientes para o problema das
alterações climáticas, já seja tarde demais. Jamie,
que vive em Seattle, descreveu ataques de deses-
pero que a puseram de cama. “A ansiedade climá-
tica é uma realidade para mim”, disse.


SERÁ O MOVIMENTO BEM-SUCEDIDO? A história diz
que não. Os movimentos sociais travados contra
vilões identificáveis, como déspotas, costumam ter


sucesso. No entanto, é mais difícil obrigar as socie-
dades a fazerem mudanças estruturais, que podem
demorar anos. A remodelação do sistema energé-
tico do planeta é quase como uma tarefa de Sísifo.
“Para o sucesso de um movimento, é impor-
tante que ele se mantenha coerente e que seja
transformado em política pública”, diz Kathleen
Rogers, presidente da Rede do Dia da Terra e ac-
tivista ambiental. “Se não o transformamos em
poder político, ele acabará por morrer.”
Na Europa, os activistas mudaram a paisagem
política mais facilmente do que nos Estados Uni-
dos. “Na Alemanha, registou-se uma mudança
fundamental na política e na escala”, diz Felix
Finkbeiner. “Todos os políticos alemães percebe-
ram que as eleições já não se ganham sem políti-
cas ecológicas.”

Severn Cullis-Suzuki, actualmente com 40
anos, não teme a extinção do movimento climáti-
co. “Impressiona-me que o momento actual se pa-
reça tanto com o que vivemos em 1992. [A cimeira
d]O Rio foi um sucesso. Conseguimos que todos
os líderes se comprometessem” diz. “Houve uma
consciencialização. Agora temos de traduzi-la em
algo parecido com uma revolução.”
Severn licenciou-se em ecologia e vive com o
marido e dois filhos em Haida Gwaii, um aglome-
rado de ilhas ao largo da costa da Colúmbia Bri-
tânica, no Canadá. Está a fazer um doutoramento
em antropologia linguística, estudando a lingua-
gem e a cultura dos haida, um povo indígena cuja
defesa do seu contexto ambiental permitiu resis-
tir durante mais de dez mil anos. Ela faz uma pau-
sa. Valerá a pena acrescentar algo mais? j

“É INCRÍVEL VER COMO
AS CRIANÇAS DO PRÉ-ESCOLAR

CONSEGUEM PERCEBER QUE


ISTO É UM PROBLEMA,
AO CONTRÁRIO DOS POLÍTICOS.
DELANEY REYNOLDS
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