National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1
Quanto mais poderá a temperatura aumentar até serem desencadeadas
mudanças verdadeiramente catastróficas? Os cientistas avisam que o limiar
é, provavelmente, cerca de 2ºC mais quente do que a época pré-industrial –
talvez mesmo 1,5 graus. Como as temperaturas subiram cerca de um grau e
estamos “sujeitos” a mais 0,5ºC, podemos ter a certeza de que vamos ultra-
passar 1,5ºC. Para manter as temperaturas abaixo do limiar de 2ºC, as emis-
sões globais teriam de descer pelo menos metade ao longo das próximas dé-
cadas, até chegarem a zero, por volta de 2070.
Isto é possível, em teoria. A maior parte da infra-estrutura de combustí-
veis fósseis do mundo poderia ser substituída por células solares, turbinas
de vento e centrais electroprodutoras nucleares. Na prática, a gigantesca ex-
plosão da energia solar e eólica em curso não reduziu o nosso consumo de
combustíveis fósseis porque exigimos cada vez mais energia. Mesmo com
as repercussões das alterações climáticas cada vez mais evidentes, as emis-
sões globais continuam a aumentar. Em 2019 atingiram um novo recorde de
43.100 milhões de toneladas. Em Madrid, em Dezembro passado, a cimeira
do clima das Nações Unidas terminou com um novo fracasso. A manterem-
-se as tendências actuais, o mundo de 2070 será um lugar muito diferente e
muito mais perigoso – um lugar onde as cheias, as secas, os incêndios e, pro-
vavelmente, a agitação social relacionada com o clima terá obrigado milhões
de pessoas a deixarem as suas casas.

NO ANO PASSADO, escrevi um obituário para um caracol chamado George em
Honolulu. Os investigadores do Departamento das Florestas e da Vida Selvagem
do Hawai tentaram arranjar-lhe uma companheira porque George era hermafro-
dita, mas precisava de uma parceira para se reproduzir. Quando não consegui-
ram, concluíram que ele deveria ser o último da sua espécie, Achatinella
apexfulva. Alguns dias após a morte de George, o Departamento publicou um
elogio fúnebre com o cabeçalho “Adeus a um Caracol Amado... e a uma Espécie”.
Achatinella apexfulva juntou-se assim a uma longa lista de extinções
ocorridas desde 1970. Outras centenas de espécies, como o golfinho do rio
Yangtzé, estão listadas como “possivelmente extintas” pela União Interna-
cional para a Conservação da Natureza. A maioria não é avistada há décadas.
A lista só inclui as espécies avaliadas pela UICN (provavelmente menos de
2% do que existe). Os ritmos de extinção são hoje centenas de vezes mais al-
tos do que foram ao longo da maior parte da história geológica.
E por cada espécie à beira de cair no esquecimen-
to, muitas outras parecem estar a avançar nessa di-
recção. Um estudo publicado no Outono de 2019
concluiu que existem agora aproximadamente me-
nos três mil milhões de aves na América do Norte
do que há 50 anos, um declínio de quase 30%, e que
algumas das perdas mais acentuadas ocorreram
nas espécies comuns como os melros e os pardais.
“É desconcertante”, disse Ken Rosenberg, cien-
tista especializado em conservação do Laboratório
de Cornell e autor principal do estudo. Os insectos
também parecem estar a diminuir. Um estudo rea-
lizado por investigadores europeus publicado em
2017 concluiu que a biomassa dos insectos voado-
res em várias áreas protegidas alemãs diminuíra
76% só nas últimas três décadas.

Poderemos salvar
uma espécie num
laboratório?
Barbara Durrant extrai amostras
de células de um armazém-fri-
gorífico no Instituto Zoológico
de San Diego para a Investiga-
ção de Conservação. Esta
unidade aloja dez mil linhas de
células vivas de mais de 1.100
espécies e subespécies.
Os investigadores esperam
converter as células armazena-
das em células estaminais,
que poderão ser usadas para
criar esperma, óvulos e,
possivelmente, embriões para
salvar espécies em perigo.
Embora a conservação de
habitats e a interdição da caça
continuem a ser as melhores
maneiras de salvar espécies, o
laboratório poderá ser a única
esperança para algumas.
BRENT STIRTON

GUIA DO PESSIMISTA (^) | ONDE ESTAREMOS EM 2070?

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