National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1

Se os seres humanos se encontram hoje numa situação melhor do que
em 1970, verifica-se exactamente o oposto em relação à maioria das outras
criaturas. Ambas as tendências remontam à mesma origem. Para alimen-
tar, alojar e produzir electricidade para a nossa população em crescimen-
to, apropriámo-nos de ainda mais recursos para nós. Os seres humanos
alteraram de forma significativa cerca de três quartos da superfície terres-
tre livre de gelo. Mais de 85% das zonas húmidas do mundo perderam-se.
A agricultura tornou-se mais intensiva em todo
o mundo, com mais hectares de monoculturas e
menos zonas bravias que alimentavam insectos
nativos, os quais, por sua vez, servem de sustento
às aves. Até em parques naturais, o habitat ade-
quado para muitas espécies está a diminuir devi-
do a factores como as alterações climáticas e as
espécies invasoras.
“Os animais selvagens, tal como os homens,
precisam de um sítio onde viver”, observou a fa-
lecida conservacionista norte-americana Rachel
Carson. Eis a grande pergunta para os próximos
50 anos: manter-se-á a tendência dos últimos 50
anos? Os seres humanos podem, colectivamente,
decidir diminuir o seu impacte sobre as outras es-
pécies, por exemplo, pondo fim à desflorestação e
repondo as ligações entre habitats fragmentados.
No entanto, tal como com a redução das emissões
de carbono, não há provas de que isso vá aconte-
cer. Pelo contrário: o ritmo da desflorestação tropical nos últimos anos au-
mentou drasticamente.
Um relatório apresentado no ano passado pelo organismo internacio-
nal encarregado de monitorizar os ecossistemas e a biodiversidade avisou
que a humanidade não poderia continuar a prosperar enquanto tantas
criaturas sofriam. “A natureza é essencial para a existência humana”, de-
clarava. Cerca de três quartos de todas as culturas alimentares, por exem-
plo, dependem de polinizadores – aves, morcegos ou, na grande maio-
ria dos casos, insectos. Os seres humanos não podem viver facilmente
sem esses animais.
“A rede da vida interligada da Terra é essencial e está a tornar-se cada
vez mais pequena e desgastada”, disse o ecologista Josef Settele, do Centro
Helmholtz para a Pesquisa Ambiental e co-autor do relatório.
É claro que Josef Settele e os seus colegas podem estar errados, pelas
mesmas razões que Hugh Downs estava. Talvez as pessoas aperfeiçoem
drones transportadores de pólen. (Já estão a ser testados.) Talvez descu-
bramos maneiras de lidar com a subida do nível dos mares, a violência das
tempestades e a intensidade das secas. Talvez novas culturas genetica-
mente modificadas nos permitam continuar a alimentar uma população
crescente à medida que o mundo vai aquecendo. Talvez descubramos que
a “rede interligada da vida” não é essencial para a existência humana.
Para algumas pessoas, isto talvez pareça um final feliz. Para mim, é uma
possibilidade ainda mais assustadora. Significaria que continuaríamos, inde-
finidamente, a percorrer o nosso caminho actual, alterando a atmosfera,
drenando as zonas húmidas, esvaziando os oceanos e eliminando a vida do
céu. Depois de nos libertarmos da natureza, ficaremos cada vez mais sós,
salvo a possível excepção dos nossos drones-insectos. j


A EXPLOSÃO DAS ENERGIAS
RENOVÁVEIS NÃO REDUZIU O
CONSUMO DE COMBUSTÍVEIS
FÓSSEIS PORQUE EXIGIMOS
CADA VEZ MAIS ENERGIA.
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