O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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A12 DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


José Maria Tomazela
SOROCABA


Aluno do 4.º ano de Medicina
na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Zeus
Tristão, de 30 anos, se apre-
sentou como voluntário para
fazer a triagem de pacientes
com sintomas da covid-
que procuram o Hospital das
Clínicas da universidade. Ele
faz parte de um grande núme-
ro de estudantes no fim do
curso das áreas de Saúde que
engrossam as fileiras de
quem trabalha na guerra con-
tra a pandemia pelo País. “Es-
colhi fazer Medicina para cui-
dar do próximo e essa é a ra-
zão pela qual estou disponí-
vel nessa linha de frente.”

Os alunos se apresentaram
como voluntários antes mesmo
da convocação feita pelo Minis-
tério da Saúde na semana passa-
da – lançou edital para chamar
estudantes de Medicina, Enfer-
magem, Fisioterapia e Farmá-
cia para atuarem na atenção pri-
mária durante a pandemia
( mais informações nesta página ).
Os jovens dizem que, embora
não estejam formados, já têm
conhecimento para comparti-
lhar. Tristão é do grupo de 35
Expedicionários da Saúde que
faz triagem em tendas monta-
das ao lado do hospital. “Atendi-
mento presencial, levando pes-
soas com sintomas leves para
isolamento em casa e encami-
nhando os mais graves para con-
sulta médica e hospital. Somos


os guardiões que direcionam pa-
cientes ao atendimento de que
precisam.”
A faculdade exigiu equipa-
mentos de proteção individual
e eles fizeram curso para usá-
los. O grupo se reveza em três
alunos por turno.
Tristão é formado em Direito
e optou por Medicina após des-
cobrir um câncer no sistema lin-
fático em 2015. “Faz cinco anos
que entrei em remissão, mas a
família ainda vê com receio mi-
nha decisão de trabalhar com
possíveis pacientes de covid-19.
Meu pais estiveram comigo no
tratamento e estão preocupa-
dos, mas já não estou na faixa de
risco. Eles entendem que quem
escolhe essa profissão é como
ser militar com risco de ir à guer-
ra”, diz. “Vejo o paciente e me
sinto no lugar dele, parece que é
comigo, minha vida em jogo.”
No 6.º ano de Medicina na
Unicamp, Isabela Schoenacker
também é do grupo. “Me sinto
na obrigação de ajudar com o
conhecimento que tenho, mes-
mo ainda não tendo me forma-
do”, diz ela, que não vê a falta de
experiência como um empeci-
lho. Mais novo no curso, David
Cirigussi, de 25 anos, do 4.º ano,
participou da organização de
um grupo de alunos da Uni-
camp que desenvolveu o Teles-
saúde, de orientações sobre co-
ronavírus por telefone. As pes-
soas podem tirar dúvidas sobre
sintomas, transmissão e preven-
ção com cerca de 200 voluntá-
rios. “Em pouco mais de uma

semana fizemos 225 atendimen-
tos em 80% do Estado de São
Paulo. Tivemos ligações tam-
bém de Rio, Distrito Federal e

até Amazonas”, diz ele. O traba-
lho tem supervisão de um pro-
fessor e suporte da faculdade.
E o benefício do projeto não
acaba com o fim da chamada.
Os dados coletados servirão pa-
ra um mapa com as principais
demandas da população, o que
pode ajudar a direcionar progra-
mas preventivos. Um software
doado por uma empresa permi-
te tabular as informações. Ciri-
gussi trabalha em casa, em tur-
nos de quatro horas. “Minha
mulher também é estudante de
Medicina e me dá suporte. Nós
conciliamos, já que continua-

mos estudando a distância.”
Fernanda Cristina dos San-
tos, aluna do 5.º ano de Enferma-
gem, também esteve na origem
do projeto, que nasceu da neces-
sidade de levar informações
confiáveis, em meio a uma onda
de fake news. “Embora remoto,
é gratificante passar informa-
ções com base oficial e científi-
ca. E quanto mais a gente disse-
mina informações corretas, me-
lhor para a população. É desafia-
dor, pois há informações novas
a toda hora e é preciso estar sem-
pre se atualizando”, conta.
Alunos de Medicina e Psicolo-
gia da PUC-Campinas, sob su-
pervisão de docentes, também
ajudam no atendimento via
chat, de segunda a sexta, das 9
às 17 horas. A voluntária Ana
Luiza Squillace, do 6.º ano de
Medicina, diz que informação
de qualidade evita idas sem ne-
cessidade a postos de saúde.
“Contribui para não sobrecarre-
gar os serviços hospitalares.”

Outros Estados. O voluntaria-
do mobiliza também a Universi-
dade Estadual do Rio (Uerj).
No 4.º ano de Medicina, Gabriel
Bittencourt, de 24 anos, se enga-
jou na Policlínica Piquet Carnei-
ro, zona norte carioca. “Auxilia-
mos na triagem de casos, com
aplicação de testes físicos para
verificar se o paciente está com
problemas respiratórios. Os ca-
sos mais graves são direciona-
dos para o hospital.” Os voluntá-
rios atendem também o Hospi-
tal Universitário Pedro Ernesto

e já têm quase 300 adesões. O
grupo já se mobilizou na arreca-
dação de verba para abrir mais
50 leitos de UTI.
O quartanista de Medicina da
Universidade Federal do Para-
ná Caio Ribeiro, de 23 anos, tra-
balha desde a semana passada
na triagem de pessoas com sin-
tomas da covid-19 que buscam
pré-atendimento em um pátio
da administração regional em
Curitiba. “A gente se sente mais
útil e também aprende muito.”
O governo estadual também
chamou universitários para um
serviço de orientação remota.

Zeus e Isabela. A faculdade exigiu equipamentos de proteção individual e eles fizeram curso para usá-los; grupos de três alunos se revezam em turnos no HC da Unicamp


Metrópole


EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO - 3/4/

De ajuda online à triagem de pacientes,


estudantes entram na luta contra o vírus


Universidades testam


produção de ventiladores


Educação


Aula online faz professor
da rede particular se

reinventar. Pág. A


Diante da possibilidade de falta
de respiradores para atender pa-
cientes com quadros graves da
covid-19, universidades brasilei-
ras trabalham contra o tempo
em busca de alternativas. Na Es-
cola Politécnica da Universida-
de de São Paulo (Poli-USP), pes-
quisadores estão desenvolven-


do o projeto de um ventilador
pulmonar mecânico que pode-
rá ser produzido por fabrican-
tes autorizados, rapidamente e
com menor custo.
Enquanto um respirador con-
vencional custa no mínimo R$
15 mil, o projeto da Poli permiti-
rá produzir o equipamento a

um valor em torno de R$ 1 mil.
O projeto tem licença open
source – é aberto para utiliza-
ção pelos interessados em pro-
duzir o ventilador. A USP será a
responsável pelo projeto, mas
não pela fabricação do equipa-
mento, que deverá ser feita por
empresas com autorização da
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
Já na Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), pes-
quisadores estão desenvolven-
do um protótipo de ventilador

pulmonar mecânico para ser re-
produzido em massa, de forma
simples, rápida e barata, com re-
cursos disponíveis no mercado

nacional. Desenvolvido pelo
Programa de Engenharia Bio-
médica do Instituto Alberto
Luiz Coimbra de Pós-Gradua-
ção e Pesquisa de Engenharia
(Coppe) no Laboratório de En-
genharia Pulmonar e Cardiovas-
cular da Coppe, o equipamento
poderá contribuir para suprir,
emergencialmente, a crescente
busca dos hospitais por esse ti-
po de aparelho.
Os pesquisadores da Coppe
iniciaram uma campanha para
obter financiamento e parce-

rias com empresas, institui-
ções privadas e públicas. O ob-
jetivo é viabilizar a produção
do protótipo, com rapidez e
em larga escala. A iniciativa
conta agora com a colaboração
de pesquisadores de cinco pro-
gramas de pós-graduação da
Coppe, além de outras unida-
des da UFRJ, e outras institui-
ções de pesquisa do País.
Várias empresas de grande
porte têm se prontificado a aju-
dar no desenvolvimento dessa
iniciativa. / FÁBIO GRELLET

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


ATENDIMENTO

Eles se apresentaram como voluntários antes mesmo do chamamento feito na semana passada pelo Ministério da Saúde, que lançou


edital convocando alunos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Farmácia para atuar na atenção primária em casos de covid-


l Emergencial

lNo edital em que convoca alu-
nos de Medicina, Enfermagem,
Fisioterapia e Farmácia para
atuarem na atenção primária du-
rante a pandemia, o governo fede-
ral oferece bolsa de R$ 1.045,
por 40 horas semanais de traba-
lho. É possível ter bônus em pro-
gramas de residência.
O Ministério da Educação, por
causa da pandemia, autorizou
temporariamente o estágio em
hospitais de alunos dos dois últi-
mos anos desses cursos.
Coordenadora do Telessaúde,
a professora de Medicina da Uni-
camp Joana Fróes Bastos expli-

ca que os alunos têm treinamen-
to e supervisão técnica. “É preci-
so deixar claro que é um serviço
de orientação, não de consulta,
que implicaria a presença de um
médico.” Segundo ela, a ajuda
virtual a pacientes com sintomas
leves evita sobrecarga nos hospi-
tais. “Há também casos em que a
pessoa tem sintoma grave e não
vai à unidade com medo de se
contaminar. Então, é orientada a
procurar o serviço médico.”
Muitas vezes, os jovens ficam
abalados com a realidade dura
do outro lado da linha, como pro-
blemas de moradia e alimenta-
ção, e a supervisão é importante.
“Fazemos apoio direto ao aluno,
mas temos também a retaguarda
de outros médicos e professores
para trabalhar a angústia emocio-
nal deles”, diz Joana. / J.M.T.

LÁ TEM...

Contra a doença, a distância que protege. Pág. A13 }


l Telessaúde da Unicamp
Informações sobre a doença por
meio do (19) 3521-

l Chat da PUC Campinas
Serviço de tira-dúvidas no site
hospitalpuc-campinas.com.br

“É um recurso simples e
seguro, mas emergencial,
que deve ser utilizado só
quando não houver um
equipamento padrão.”
Jurandir Nadal
PROFESSOR DA UFRJ

Bolsa é de R$ 1.045;


trabalho precisa


ter supervisão


DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Itália
Foi o primeiro país a antecipar a
formatura de médicos para refor-
çar o combate à pandemia. Dez
mil estudantes de Medicina no
último ano do curso estão rece-
bendo a graduação de forma an-
tecipada, sem exames finais. Os
novos graduados estão sendo
destacados para casas de ido-
sos, clínicas e serviços de tria-
gem, liberando médicos experien-
tes para os hospitais. Eles aju-
dam a preencher também as va-
gas deixadas por 80 médicos
que se infectaram e morreram.
Na sexta-feira, 30 formandos que
tiveram a conclusão antecipada
do curso receberam a láurea por
videoconferência na Universida-
de Frederico II, em Nápoles.

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