O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 Metrópole A


O MELHOR


LUGAR PARA


ESTAR HOJE


À ESPERA DE


UM CORAÇÃO


PARA VOLTAR


LONGE DA


BAHIA, MAS A


SALVO EM SP


H


á duas semanas, o den-
tista Gilberto Casano-
va deixou a mulher e
mudou-se com o filho de 7 anos
para a casa da mãe. Não houve
briga nem discussão. O casa-


mento continua, a vida conju-
gal só precisou ser alterada por
causa do novo coronavírus. Gil-
berto é diabético e a mulher, Ga-
briela Ferreira, trabalha como
dentista no SUS.

A diabete deixa o sistema imu-
nológico mais fraco e, ao longo
do tempo, pode causar compli-
cações em coração e rins. Gil-
berto já teve de colocar três
stents para desobstrução de ar-
térias e um balão, quando há en-
tupimento quase completo das
veias. Ele também tem proble-
ma circulatório. “Se pegar o co-
ronavírus, a chance de ter um
desfecho pior é muito alta.”

Por isso a opção pelo isola-
mento na casa da mãe. Gilberto
atendia pacientes em consultó-
rio particular e está sem traba-
lhar. Ele também preside a Asso-
ciação de Diabetes Juvenil
(ADJ) e sabe a importância de
permanecer isolado. Isso não
significa que permaneça o tem-
po inteiro em casa.
Na quarentena, criou um
hábito. Todo dia, por volta das

21 horas, ele e o filho vão de car-
ro encontrar com Gabriela. Um
encontro a distância. Os dois fi-
cam na janela do carro e ela apa-
rece na janela do terceiro do pré-
dio onde moram, em Perdizes,
zona oeste de São Paulo. “Espe-
ramos ela chegar em casa, colo-
car a roupa para lavar, tomar
um banho e comer alguma coi-
sa. Aí vamos. É um jeito de ma-
tar um pouco a saudade.” / J.P.

Maria Adélia, de 72 anos, está
impaciente. Ela vive com uma
das filhas e o genro. “Levo bron-
ca o tempo inteiro. Falo que vou
sair e vem a bronca.” Aposenta-
da, tinha como passatempo dar
uma volta pelo Mandaqui, visi-
tar a irmã e brincar com a neta.
Foi proibida de tudo isso.
A neta aparece de vez em
quando no portão da casa, mas
fica distante da avó. “Não tenho
mais assistido ao noticiário. Fi-
co nervosa, minha pressão co-
meça a oscilar”, comenta. Ela
tem pedalado na bicicleta ergo-
métrica e ajuda nos afazeres do-
mésticos. “Quando você me li-
gou a primeira vez não atendi
porque estava estendendo rou-
pa. Não estava na rua não, viu?”
A pressão em cima da filha e
do genro para sair de casa surtiu
um efeito. Ela os convenceu a
trazer a irmã para passar a qua-
rentena ao seu lado. “Vou ter
alguém para conversar.” / J.P.

O publicitário Renato Conson-
ni, de 39 anos, acabou isolado,
sem querer, quando a pande-
mia chegou ao Brasil. Desde ja-
neiro, ele se mudou para uma
fazenda em São Joaquim da Bar-
ra, no interior de São Paulo, pa-
ra cuidar dos negócios do pai,
que morreu no fim do ano passa-
do. “É o melhor lugar em que
poderia estar nessa situação.”
Em 2010, ele passou por um
transplante multivisceral: tro-
cou pâncreas, fígado, duodeno,
estômago, intestino e mesenté-
rio. Está dentro do grupo de ris-
co por ser imunossuprimido.
“Para tentar manter minha imu-
nidade alta procuro fazer su-
cos. Dificilmente fico gripado.”

A cidade onde Consonni vive
tem só um caso reportado do
novo coronavírus. De qualquer
forma, ele vive atento à higieni-
zação das mãos. A vida no cam-
po é provisória. Depois da pan-
demia, após organizar os negó-
cios da família, pretende voltar
a trabalhar no terceiro setor e
criar o Instituto Visceral, uma
ONG para ajudar pessoas que
estão em situações similares às
que ele passou. / J.P.

O estudante Saulo Gian Ferrei-
ra, de 16 anos, é de Arapongas,
no Paraná, e em novembro pre-
cisou se mudar para São Paulo,
pois está na fila de um transplan-
te de coração. O hospital reco-
menda que a pessoa que vai pas-
sar por essa cirurgia fique a no
máximo duas horas de distân-
cia do local. A mãe, Ana Lúcia
Conceição, está com o filho e
pediu aos médicos para não sa-
ber em que lugar ele está nessa
fila. “Acho que me deixaria ain-
da mais nervosa. Eles podem li-
gar a qualquer momento e te-
mos de correr para o hospital.”
Saulo tem miocardiopatia di-
latada não compactada – os sin-
tomas apareceram aos 10 anos.

Desde o início deste ano, estuda
em uma escola da capital. Ago-
ra, as aulas foram interrompi-
das. Saulo não vê a hora de a
pandemia passar, fazer a cirur-
gia e voltar para o Paraná. “Está
um pouco sem graça ficar aqui.
Não é fácil, mas procuro ficar
sossegado. Estou preocupado
com o coronavírus. Meu pai
tem 70 anos. Estou no grupo de
risco. O que sinto mais falta é de
meus amigos do Paraná.” / J.P.

Cirlene Fagundes Batista, de 41
anos, e a filha Cauani, de 8, es-
tão presas em São Paulo. Elas
vivem em Salvador e precisam
vir à capital paulista a cada seis
meses para que a menina faça
exames no Instituto do Cora-
ção (Incor). Com a pandemia,
foram aconselhadas a não pe-
gar o avião de volta para casa.
Cauani nasceu com proble-
ma cardíaco e, no primeiro mês
de vida, passou por cirurgia.
Com 1 ano, precisou fazer uma
traqueostomia. Cirlene e a filha
estão passando a quarentena na
sede da Associação de Assistên-
cia à Criança e ao Adolescente
Cardíacos. O local proporciona
hospedagem, alimentação e


apoio para quem não tem condi-
ções de arcar com despesas em
São Paulo durante tratamento
no Incor. As duas dividem uma
casa com nove quartos com ou-
tras duas famílias. “Há bastante
ventilação e álcool em gel”, diz
Cirlene. A passagem de volta pa-
ra Salvador ainda não foi com-
prada. “A gente fica preocupada
de estar longe de casa, mas esta-
mos conscientes da importân-
cia do isolamento.” / J.P.

ACENO À NOITE PARA


REDUZIR A SAUDADE


‘FALO QUE


VOU SAIR E


VEM BRONCA’


João Prata


A Organização Mundial da
Saúde (OMS) e o Ministério
da Saúde apontaram no iní-
cio da pandemia que há pes-
soas mais suscetíveis aos efei-
tos da covid-19. Idosos, diabé-
ticos, hipertensos, os que
têm insuficiência renal crôni-
ca, doença respiratória crôni-


ca ou doença cardiovascular
precisam redobrar a atenção
durante a quarentena.
O Estado conversou com cin-
co pessoas consideradas do gru-
pos de risco, de diferentes fai-
xas etárias, com vulnerabilida-
des distintas, para mostrar a ro-
tina no isolamento social, as pri-
vações e quais cuidados estão
tomando. Ficar em casa contri-

bui para diminuir a proliferação
do vírus – por consequência, o
número de internações e de
mortes. Com todos longe das
ruas, fica menos angustiante a
vida de quem sabe que o contá-
gio pelo novo coronavírus não
será só uma simples gripe.
Gilberto Casanova, de 45
anos, lida com a diabete desde a
infância. Na quarentena, preci-

sou deixar o apartamento onde
vive com a mulher e se mudou
para a casa da mãe.
A aposentada Maria Adélia,
de 72 anos, vive levando bronca
da filha porque tenta sair de ca-
sa. O estudante Saulo Gian Fer-
reira, de 16 anos, está à espera
de um transplante de coração e
tem a imunidade baixa. É uma
situação semelhante à do publi-

citário Renato Consonni, de 39
anos, e de Cauani Batista, de 8.
O primeiro fez há dez anos um
transplante multivisceral e a
menina passou por cirurgia car-
díaca com um mês de vida.
Em vídeo publicado em seu
site oficial na última quinta-fei-
ra, o médico Dráuzio Varella fa-
lou sobre a importância de
quem não está no grupo de ris-

co colaborar com essas pes-
soas. “Não podemos pensar só
na gente. Temos de pensar em
proteger as pessoas mais frá-
geis da nossa família, da comu-
nidade e do País inteiro. Temos
de reduzir ao máximo o núme-
ro de transmissões. Agora é a
fase mais perigosa de todas. Te-
mos de nos defender dessa ma-
neira, ficando em casa.”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS Dia de recorde no Brasil, com 431 mortos e mais de 10 mil casos. Pág. A14 }


Contra a doença, a distância que protege


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Passeio proibido

Na fazenda
RENATO CONSONNI/ACERVO PESSOAL

MARIA ADÉLIA/ACERVO PESSOAL

Na fila do transplante
FABIA MERCADANTE/ACTC

Idosos, diabéticos, hipertensos, os que têm insuficiência renal crônica, doença respiratória ou cardiovascular precisam redobrar a atenção


Acolhidas
FABIA NERCADANTE/ATCT


‘Autoisolamento’
ALEX SILVA/ESTADÃO


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