O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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A18 DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


UGO


GIORGETTI


Esportes


Ciro Campos


Os cuidadores de gramado
Francisco Almeida, funcioná-
rio do Fortaleza, e Reinaldo
Gomes, do Bahia, ficaram
preocupados quando a pande-
mia do novo coronavírus pa-
ralisou o futebol brasileiro e
forçou os clubes a diminuí-
rem despesas. Juntos, os dois
sustentam oito pessoas e
compõem uma parcela nume-
rosa do mercado de trabalho.
Se a modalidade parece se re-
sumir a jogadores, técnicos e
altos salários, na verdade se
trata de um segmento que em-
prega 156 mil pessoas no País,
segundo estudo publicado da
Confederação Brasileira de
Futebol (CBF).

A pesquisa divulgada no ano
passado e feita pela empresa
Ernst & Young mostra que o fu-
tebol brasileiro em 2018 teve im-
pacto de 0,72% no PIB nacio-
nal, ao movimentar R$ 52,9 bi-
lhões. Embora existam salários
milionários no meio, a modali-
dade conta com uma turma
bem mais humilde. Para cada jo-
gador empregado, há uma série
de outros trabalhadores que
também dependem do funcio-
namento dos times para garan-
tir o sustento das famílias.
Enquanto negociam com os
elencos para reduzir salários e
evitar prejuízos durante a pan-
demia, os clubes demonstram
preocupação justamente com
funcionários mais humildes.
Quem trabalha nos times profis-
sionais, seja na jardinagem, la-
vanderia, cozinha ou limpeza,
tem recebido atenção especial
para não ter os empregos colo-
cados em risco em uma época
de queda brusca de receitas
com bilheteria, cotas de televi-
são e patrocínios.
“Como um grupo de funcio-
nários classificados como mais
humildes temia pela desconti-
nuidade de seus empregos com
a parada involuntária das suas
atividades e das competições,
resolvemos blindar e proteger
em especial esses colaborado-
res”, disse ao Estado o diretor
administrativo do Fortaleza,
Gildo Ferreira. O clube vai redu-
zir os salários do elenco em até
25% durante a pandemia. O Atlé-
tico-MG teve atitude parecida,
ao diminuir 25% dos salários de
todos, exceto de quem ganha
até R$ 5 mil.
O Fortaleza criou um progra-
ma chamado Rede de Proteção
ao Funcionário e se propôs a aju-
dar os empregados que têm salá-
rios mais baixos. “O saldo de es-
toque de produtos alimentícios
do clube que não seriam utiliza-
dos com a parada do futebol foi
transformado em cestas para se-
rem distribuídas com nossos co-


laboradores, para evitar desper-
dício”, explicou Ferreira.

Sem pânico. Por isso o cuida-
dor do gramado do CT do Forta-
leza, Francisco Almeida, de 37
anos, ficou mais tranquilo quan-
do soube que o elenco do clube
aceitou receber menos. “A par-
tir do momento em que o elen-
co se coloca nessa posição de
reduzir o deles para preservar
os funcionários, mostra tam-
bém que o clube não é só o jogo

em si, mas também uma equipe
que faz tudo isso acontecer. É
imensa a gratidão por essa atitu-
de”, disse. Funcionário do clu-

be há 19 anos, ele sustenta três
pessoas com o salário.
Colega de profissão dele, Rei-
naldo Gomes trabalha no Bahia
há 20 anos e até foi homenagea-
do na inauguração do CT da
equipe, em janeiro deste ano.
“É ruim ficar parado porque
não tem mais jogo. Gosto de par-
ticipar do futebol e de arrumar
o gramado para o time. Mas o
importante é manter o empre-
go mesmo nessa época, porque
cinco pessoas da minha família

dependem de mim”, disse.
Segundo o estudo da CBF, os
funcionários de clubes de fute-
bol representam 33% dos 156
mil empregos gerados pela mo-
dalidade no Brasil. A maior par-
cela da força de trabalho, 55%
do total, atua em estádios em
dias de jogos, principalmente
na venda de alimentos e bebi-
das. Esse contingente aguarda
o calendário ser retomado para
poder voltar a trabalhar.
“O futebol, eu costumo falar

que é a maior empresa do mun-
do, porque tem em todos os paí-
ses e tem milhares de pessoas
que vivem dele ”, brincou o su-
pervisor de futebol do Atlético-
GO, Junior Murtosa.
Há 15 anos no clube, ele coor-
dena uma equipe de mais de 130
funcionários. “Para um time en-
trar em campo, precisa desde a
comida ser preparada, do uni-
forme estar lavado até a manu-
tenção do hotel do time estar
bem-feita”, completou.

FIFA ESTENDE O LIMITE DE
IDADE PARA A OLIMPÍADA

E-MAIL: [email protected]

PUJANÇA

]A Fifa estendeu o limite de idade
para o torneio de futebol masculino
nos Jogos Olímpicos de Tóquio, adia-
dos para 2021 por causa da pande-

mia de coronavírus. Com isso, jogado-
res com 24 anos poderão ser convo-
cados. No caso do Brasil, a medida
deixa aptos atletas como Gabriel Je-
sus, Lucas Paquetá, Bruno Guima-
rães, Matheus Henrique, Wendell e
Caio Henrique, entre outros.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


S


im, é possível atingir o tão de-
sejado estado de inteira pacifi-
cação das torcidas. Todos os
excessos subitamente anulados, as
agressões, reclamações, tentativas
de agressão, todos os fatos lamentá-
veis por um momento desapareci-
dos. Certamente não passaria pela
cabeça de ninguém, como método
de pacificação, pensar em uma pan-
demia, uma doença geral que pudes-
se atingir a todos. Mas foi o que acon-
teceu.
Constatei isso dias atrás quando a
televisão, desesperada pela falta de
jogos, colocou no ar velhas partidas.

Me vi assistindo a um São Paulo x Co-
rinthians de uns 15 anos atrás, coisa
que jamais teria interesse em assistir.
Comecei ver a partida com um senti-
mento quase de indiferença, mas já
achei estranho. Depois de alguns minu-
tos, porém, não pude deixar de notar
que o jogo passava a me interessar e
em seguida, malgrado eu mesmo, per-
cebi que um sentimento de simpatia
tinha se sobreposto ao mero interesse.
Estavam em campo, no entanto, al-
guns jogadores que eu detestava, pelos
quais a última coisa que poderia sentir
era simpatia! Com a mesma rapidez, vi
também que era alguma coisa mais for-

te do que eu, contra a qual era inútil
lutar. Deixei-me ficar assistindo com
grande prazer e simpatia. Não sabia o
resultado do jogo nem estava muito
interessado nisso. Mas certamente ha-
via nessa partida soterrada pelo tempo
encanto especial, talvez um futebol
melhor jogado, com a bola sendo trata-
da melhor, ataques perigosos, etc.
Mas não era isso que me atraia e final-
mente as razões para estar vendo essa
partida com tanto agrado se tornaram
claras diante de mim. É que de certa
forma ela fazia reviver não um jogo,
mas um mundo que tinha sido o meu.
Esses jogadores em campo me eram,
apesar de rivais, bastante conhecidos.
Faziam, portanto, parte de um meu co-
tidiano perdido no tempo. Era com
eles que eu mantinha o difícil diálogo
de torcedor adversário.
Era isso! Aqueles rostos eram conhe-
cidos e me dava muito prazer vê-los de
novo. Principalmente vê-los jovens, in-
teiros, no vigor dos anos, na despreocu-
pação do futuro. Porque muitos dos

que estavam em campo eram figuras
que ainda apareciam aqui e ali na TV.
Muitos não conseguiram largar do fute-
bol e aparecem em programas como
comentaristas fixos. Outros se torna-
ram treinadores e muitos apenas desa-
pareceram completamente.
O tempo passou sobre todos como
passou sobre mim. Mas, naquele mo-
mento em que se jogava um São Paulo
x Corinthians de tantos anos atrás,
eram meus contemporâneos. Como
qualquer um que gosta de futebol, eu
sabia coisas sobre eles, o que me pro-
porcionava alguma intimidade.
Para minha surpresa, vi que pelo me-
nos um ainda jogava: Tevez. E na sua
camisa o nome que estava bordado era
Carlitos. Nada do jogador que se arras-
ta ainda pelo Boca Juniors, mas um jo-
vem Carlitos correndo o campo todo,
infatigável. Fiquei observando como o
tempo muda, às vezes, mais o caráter
do que o físico.
No banco do São Paulo um Muricy
Ramalho quase irreconhecível, com os

traços de um ex-boleiro comandan-
do uma grande equipe, vigoroso, car-
rancudo, reclamando de tudo, tão
diferente do senhor de meia-idade
pacato, sereno que aparece hoje co-
mentando jogos pela TV.
E assim fui reconhecendo pratica-
mente todos os jogadores em cam-
po e o que tinham se tornado, o que
a vida tinha feito com eles. Lá estava
no gol do São Paulo Rogério Ceni, e
na frente dele Lugano e Fabão. No
meio de campo do Corinthians apa-
recia um Ricardinho de cabelo pre-
to e lançamentos precisos, lado a la-
do com Mascherano.
Enfim, o São Paulo ganhou por 3 a
1, mas isso não me importava. O que
me importava é que precisou um ví-
rus desconhecido para me fazer ver
uma partida inteira entre São Paulo
e Corinthians com grande prazer,
me sentindo quase amigo dos joga-
dores em campo, os que ainda estão
no futebol e os que se foram sem
deixar vestígio.

● Paralisado pela pandemia, futebol chega a ser responsável
por cerca de 0,72% do PIB do Brasil

MOTOR ECONÔMICO


FONTE: CBF INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Empregos gerados pelo futebol

TOTAL DE
EMPREGOS

156 mil


Trabalhadores
em estádios
no dia dos jogos

55%

33%

12%

Funcionários de clubes

Hotelaria
Outros
Mídia
Patrocinadores

Impacto do futebol na economia brasileira
EM BILHÕES DE REAIS

4%
4%
3%
1%

Movimentação
na economia

48,

3,
Gastos com salários
e encargos sociais

0,
Arrecadação
de impostos

TOTAL: R$ 52,9 BILHÕES

Socorro. Ambulante, Evandro recebe ajuda de torcedores

Crise. Estudo encomendado pela CBF mostra que esporte é responsável por 0,72% do PIB e clubes querem preservar cargos menores


Torcida do Bahia


cria campanha para


ajudar ambulantes


A paz


LUISA GONZALEZ/REUTERS – 7/7/

WILTON JUNIOR / ESTADÃO - 15/3/

Futebol tenta salvar 156 mil empregos


ARQUIVO PESSOAL/GABRIEL DOS SANTOS

Proteção.
Programa
do Fortaleza
protege
funcionários
como
Francisco
Almeida,
cuidador de
gramado

ARQUIVO PESSOAL/GABRIEL DOS SANTOS

Sob risco. Com a paralisação do futebol, após breve período de jogos sem público, desemprego é uma ameaça no setor

52,9 bilhões
de reais movimentou o futebol
brasileiro no ano de 2018

lO coletivo de torcedores do
Bahia Frente Esquadrão Popular
se mobilizou na última semana
para tentar socorrer os vendedo-
res ambulantes que trabalham
nos jogos do time na Fonte Nova.
Com uma vaquinha virtual, o gru-
po pretende arrecadar R$ 4 mil
para ser distribuídos entre pes-
soas que não terão onde traba-
lhar durante a paralisação do fu-
tebol por causa da pandemia.
Os comerciantes informais não
são funcionários do Bahia e repre-
sentam uma parcela numerosa
de trabalhadores que dependem
de o futebol estar em atividade.
Os dois principais símbolos da
campanha são Evandro Baleiro e
Robgol do Sorvete, figuras conhe-
cidas por quem frequenta o está-
dio e gosta de ver as partidas en-
quanto consome um picolé ou
um chocolate. A ação ganhou o
apelido entre os torcedores lo-
cais de “fiado invertido”.
Um dos idealizadores da ideia
foi o defensor público Gabriel
dos Santos. “Criamos dois mode-
los de colaboração para o torce-
dor. A pessoa pode apenas doar
qualquer quantia ou adquirir um
crédito futuro para comprar al-
gum produto para depois que a
paralisação terminar”, disse. O
site feito pela Frente também di-
vulga o trabalho dos dois vende-
dores, para que possíveis interes-
sados os contratem para festas
de aniversário de crianças.
A dupla alvo da campanha fi-
cou famosa na torcida por ter
desfilado no lançamento de uma
linha de camisas oficiais do Ba-
hia. Os dois pretendem distribuir
parte dos recursos arrecadados
com outros colegas da Fonte No-
va. Todos os possíveis beneficiá-
rios estão em um grupo de What-
sApp com 16 ambulantes. “Um
dos grandes sentidos do futebol
é a movimentação da economia e
o laço que você cria até com as
pessoas mais simples. O futebol
une as pessoas”, disse Gabriel.

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