%HermesFileInfo:B-1:20200405:B1 DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
E&N
ECONOMIA & NEGÓCIOS
Pesquisas
sobre emprego
serão afetadas
Vinicius Neder / RIO
Shoppings e restaurantes fe-
chados, aeroportos vazios,
grandes cidades sem engarra-
famentos e cinemas às mos-
cas mostram que, com o avan-
ço do coronavírus, a econo-
mia brasileira realmente pa-
rou, num movimento nunca
antes visto. Esse impacto
real ainda deve demorar a
ser medido – os dados ofi-
ciais de atividade econômica
costumam levar algum tem-
po para serem compilados –,
mas os indicadores que co-
meçam a sair já dão uma
ideia do que ocorreu com a
economia em março.
O faturamento do varejo, por
exemplo, teve uma queda de
22,6% no mês passado, segundo
o Índice Cielo do Varejo Amplia-
do (ICVA), calculado pela com-
panhia de máquinas de cartão
com base nas transações de
seus clientes. É um tombo inédi-
to, segundo Gabriel Mariotto,
diretor de inteligência da Cielo.
As lojas de produtos essen-
ciais, como supermercados e
farmácias, por exemplo, ainda
tiveram alta no faturamento
em março, mas o segmento de
serviços, que inclui salões de be-
leza, bares e restaurantes e ativi-
dades de lazer, viu a receita cair
à metade na comparação com
um ano antes. Os postos de ga-
solina tiveram queda no fatura-
mento de 20% na comparação
anual.
Nos cinemas, onde o público
vinha crescendo nas primeiras
semanas do ano, apenas 815 pes-
soas foram assistir a um filme
nas salas do País na terceira se-
mana de março, quando as reco-
mendações para se evitar aglo-
merações começaram a ser am-
pliadas e mais seguidas. O dado
é da consultoria Filme B.
O fluxo aéreo também foi so-
lapado pelos efeitos da pande-
mia. No Brasil, nos últimos dias
de março, 90% dos voos foram
cancelados, seguindo um movi-
mento global. O vaivém de
aviões caiu pela metade em to-
do o mundo, segundo Fabio
Bentes, economista da Confe-
deração Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
(CNC), informando dados da
consultoria Flightradar24. No
último dia 31 foram registrados
80,9 mil voos em todo o mun-
do. Nos dois meses anteriores a
média diária foi de 175 mil voos.
Primeiras impressões. Essas,
na verdade, são ainda as primei-
ras impressões de uma crise
“sem precedente na história
moderna”, segundo Eduardo
Zilberman, professor do Depar-
tamento de Economia da PUC-
Rio. É uma crise inédita porque
derruba, em todo o mundo ao
mesmo tempo, e com efeitos
em cadeia, tanto a oferta de tra-
balho, afetando a produção,
quanto a demanda, a capacida-
de das famílias para consumir.
No Brasil, esses números ini-
ciais apontam para quedas na
produção e no consumo de
magnitude superior ao visto na
recessão de 2014 a 2016, quan-
do a economia encolheu na ca-
sa de 3% em dois anos segui-
dos. Consultorias, bancos e cor-
retoras vêm, dia após dia, revi-
sando para baixo suas proje-
ções para o desempenho da ati-
vidade econômica este ano. Já
há instituições, como o ASA
Bank, prevendo queda de até
5% no PIB em 2020.
Os dados que têm sido divul-
gados ainda não são suficientes
para saber o tamanho do tom-
bo, mas são importantes para
dar uma ideia. “Quando ocorre
esse tipo de choque, é muito im-
portante ter indicadores rápi-
dos, de alta frequência, até diá-
rios, para sabermos para onde a
economia vai e onde já foi feito o
estrago”, disse Bentes. A CNC já
estimou que o setor de turismo
perdeu R$ 2,2 bilhões apenas na
primeira quinzena de março.
Sinalização indireta da ativi-
dade econômica, o fluxo de veí-
culos desabou como conse-
quência direta do isolamento
social. Os engarrafamentos nas
duas maiores metrópoles do
País, Rio e São Paulo, caíram a
um sexto na segunda quinzena
de março na comparação com o
mesmo período de 2019, segun-
do o índice de tráfego da Tom-
Tom, desenvolvedora holande-
sa de aplicativos de navegação.
Às 18 horas do último dia 26,
uma quinta-feira, o índice foi
de 15% em São Paulo – significa
que um trajeto de 30 minutos
era feito em tempo 15% maior
do que seria com o trânsito com-
pletamente livre. Só que esse
horário é de pico no trânsito. A
média para as 18 horas de quin-
tas-feiras, em 2019, foi de 91%.
Energia. Indicador usual da di-
nâmica da economia, o consu-
mo de energia elétrica também
está marcado por quedas desde
meados de março, segundo o
Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS). Na última quar-
ta-feira, por exemplo, o total de
eletricidade no sistema ficou
12% abaixo de igual dia de mar-
ço de 2019.
Com base em parte desses in-
dicadores de alta frequência, o
Instituto de Pesquisa Econômi-
ca Aplicada (Ipea) revisou, na
última segunda-feira, sua proje-
ção para o PIB brasileiro de
avanço de 2,1% para retração de
até 1,8%, caso as medidas de iso-
lamento social durem três me-
ses. O ineditismo da crise, po-
rém, deixa a tarefa de fazer pro-
jeções ainda mais árdua, disse o
diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas instituto, Jo-
sé Ronaldo de C. Souza Jr: “Não
tem nada na história para bus-
car lá atrás e tentar saber o que
estamos vivendo.”
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
A avaliação de especialistas é
que a crise provocada pela pan-
demia do novo coronavírus terá
forte impacto no mercado de
trabalho, com o crescimento do
desemprego nos próximos me-
ses. Só que essas estimativas no
Brasil ainda são feitas sem base
em dados chamados de “alta fre-
quência”, mais imediatos. Eco-
nomistas consultados pelo Es-
tado afirmaram que não há um
termômetro rápido para o mer-
cado de trabalho nacional para
além das pesquisas de percep-
ção – como os indicadores de
confiança.
Tanto que o IBGE anunciou,
na última quinta-feira, que fará
mudanças na pesquisa que
acompanha o mercado de traba-
lho, a Pnad Contínua. Dois dias
antes, o órgão tinha anunciado
a taxa de desemprego para o tri-
mestre móvel terminado em fe-
vereiro (11,6%, abaixo do nível
de um ano atrás) – informação
que já ficara “velha”, sem captar
nenhum efeito da pandemia.
Com a covid-19, o pesquisa-
dor Daniel Duque, do Instituto
Brasileiro de Economia (I-
bre/FGV), projeta um índice de
16% neste segundo trimestre,
como sinal do agravamento de
um quadro recessivo. “Vai pio-
rar (o mercado de trabalho) e vai
voltar a melhorar muito lenta-
mente, em ritmo parecido com
a última crise”, disse Duque.
O diretor adjunto de Pesqui-
sas do IBGE, Cimar Azeredo, re-
conheceu que a Pnad Contínua
tradicional traria uma fotogra-
fia parcial do problema. As infor-
mações abrangeriam três me-
ses, mas o impacto da pande-
mia começou em março. Além
disso, o trabalho remoto e a pa-
rada abrupta de trabalhadores
para impedir o contágio da
doença desafiam as pesquisas
em todos os países, exigindo
adaptações, disse Azeredo. Por
isso, a saída foi propor uma pes-
quisa paralela, por telefone, pa-
ra investigar esses fenômenos.
A Pnad Contínua do primeiro
trimestre está prevista para ser
divulgada só em 30 de abril.
Nos Estados Unidos, ao con-
trário, há dados semanais sobre
o seguro-desemprego – só na se-
mana passada, foram 6,6 mi-
lhões de novos pedidos, infor-
mou o Departamento do Traba-
lho. Os dados oficiais de março
nos Estados Unidos foram di-
vulgados na sexta-feira, apon-
tando para o fechamento de
700 mil postos de trabalho.
Mas a crise da covid-19 é tão
inédita que os trabalhadores de-
mitidos podem ficar de fora do
mercado, e a taxa de desempre-
go pode até cair num primeiro
momento, lembrou Azeredo,
do IBGE. Isso poderá ocorrer
não por fatores positivos, mas
sim porque, com todos confina-
dos, os demitidos não terão co-
mo procurar uma nova coloca-
ção. “As pessoas não estão sain-
do para trabalhar, quanto mais
para procurar trabalho”, afir-
mou Azeredo, ao comentar os
dados de fevereiro. / V.N.,
COLABOROU THAÍS BARCELLOS
Varejo fechado, ruas vazias e consumo
menor de energia mostram País ‘parado’
l Advertência
Setores da economia terão recuperação desigual.. Pág. B3}
● Indicadores mostram tombo da atividade econômica em março
FREADA SÚBITA
INFOGRÁFICO/ESTADÃO
Variação do ICVA* Taxa de cancelamento*
Faturamento do varejo cai Fluxo de voos despenca
VARIAÇÃO DO MÊS ANTE IGUAL MÊS DO ANO ANTERIOR,
EM PORCENTAGEM
*ÍNDICE CIELO DO VAREJO AMPLIADO, QUE ESTIMA O
FATURAMENTO NOMINAL DO COMÉRCIO VAREJISTA, SEM
DESCONTAR A INFLAÇÃO;
**PERÍODO DE 9/3 A 1/4 DE 2020 ANTE 11/3 A 3/4 DE 2019
NOS 16 MAIORES AEROPORTOS DO PAÍS,
EM PORCENTAGEM
*PROPORÇÃO DE VOOS CANCELADOS EM RELAÇÃO AOS
VOOS AGENDADOS
FONTE: CIELO FONTE: CNC, COM DADOS DA FLIGHTRADAR24.
FONTE: TOM TOM
JAN
2013
MAR**
2020
JAN
2018
JAN
2019
-30,
-20,
-10,
0
10,
20,
JAN
2017
JAN
2016
JAN
2015
JAN
2014
-22,
1º
MAR
31
MAR
22
MAR
88
0
20,
40,
60,
80,
100,
59
4
Índice de engarrafamento médio*
Congestionamentos caem a um terço em São Paulo e no Rio
*TEMPO A MAIS PARA PERCORRER TRAJETO DE 30 MINUTOS
EM PORCENTAGEM DO TEMPO COM FLUXO LIVRE
EM 2019 EM 2020
0H 23HS
1º/MAR 23/MAR
Em São Paulo
0
20
40
60
80
100
0
14
0H 23HS
1º/MAR 23/MAR
No Rio
0
20
40
60
80
100
0
11
Variação 2020/2019* Variação do consumo de energia*
*VARIAÇÃO ANTE IGUAL SEMANA DE 2019 *EM RELAÇÃO AO MESMO DIA EM 2019
FONTE: FILME B BOX OFFICE FONTE: ONS
Público nas salas de cinema despenca Consumo de energia tomba
EM PORCENTAGEM
2
JAN
91623306
FEV
13 20 5
MAR
27 12 19
0
40
80
120
EM PORCENTAGEM
19
MAR
0
2
4
6
1º
ABR
Levantamento feito pelo ‘Estado’ em diferentes setores dá uma primeira amostra do que está acontecendo na atividade econômica, como
reflexo dos efeitos da covid-19; vendas no varejo recuam, movimento nos aeroportos tem queda drástica e público nos cinemas desaparece
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO - 20/3/
“Quando ocorre esse tipo
de choque, é importante ter
indicadores rápidos para
sabermos para onde a
economia vai e onde já foi
feito o estrago.”
Fabio Bentes
ECONOMISTA DA CNC
“São impressões de uma
crise sem precedente na
história moderna.”
Eduardo Zilberman
PROFESSOR DA PUC-RIO
Portas fechadas. Queda das vendas no varejo foi de 22,6%
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