O Estado de São Paulo (2020-04-05)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-2:20200405:
A2 Espaçoaberto DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






O movimento de lojas e locais
de recreação, como museus,
shoppings e cinemas, caiu 71%
no Brasil nos últimos dias, co-
mo um resultado do distancia-
mento social realizado em
meio à pandemia do coronaví-
rus. Os dados vêm de um novo
recurso do Google: o Relató-
rio de Mobilidade Comunitá-


ria. Construído com dados de
localização de usuários obti-
dos em 131 países diferentes, o
recurso poderá ajudar autori-
dades a saber se políticas de
distanciamento social estão
sendo seguidas, mostrando
movimentação das pessoas.

http://www.estadao.com.br/e/google

E


m livro pouco discuti-
do no Brasil, Jean Pier-
re Faye analisa um do-
cumento diplomático, bélico
e político da Alemanha em
conflito com a França no sé-
culo 19. Falo do Despacho de
Ems, que se liga a Bismarck.
Em 13 de julho de 1870, Gui-
lherme I reuniu-se com o em-
baixador francês. Do encon-
tro resultou um comunicado
em forma de telegrama, de
imediato remetido ao Chan-
celer de Ferro. O político to-
mou o texto, cortou-o em pe-
daços e fez de certa declara-
ção anódina um insulto à
França. Rápido, ele enviou o
documento falso para a im-
prensa europeia. Os dirigen-
tes da Europa tiveram em
mãos no dia seguinte uma
bomba poderosa contra os
tratos pacíficos. O suposto in-
sulto à França nos trechos
manipulados levou-a a decla-
rar guerra à Alemanha.
Apenas 20 anos mais tarde
Bismarck reconheceu ter falsi-
ficado o telegrama. Ele mes-
mo apresentou o seu truque.
Mas já em 1873 um deputado
alemão dizia claramente que
o autor da mentira era o diri-
gente do país. Um jornal de
Viena, em 1892, contou a ma-
neira como foi deturpado o
telegrama e citou as próprias
sentenças de Bismarck sobre
a proeza: do texto, diz ele,
“deixei apenas a cabeça e a
cauda. Assim o telegrama pa-
recia algo completamente dis-
tinto. Li-o para Moltke e
Roon segundo a nova versão.
Ambos exclamaram: ‘Es-
plêndido, causará efeito!’. Al-
moçamos com o maior apeti-
te”. Faye comenta: que uma
falsificação tenha sido toma-
da pelos adversários como in-
sulto, compreende-se. Mas
que o rei prussiano, conhece-
dor do texto original, tenha
acolhido a patranha é algo
que mostra o poder das mani-
pulações quando os ânimos
assumiram a guerra da propa-
ganda que antecede o morticí-
nio de seres humanos.
O truque bismarckiano pos-
sibilitou uma guerra, contri-
buiu para unificar a Alema-

nha, piorou o sentimento an-
tigermânico na França, aju-
dou a semear a 1.ª Guerra
Mundial, que fortaleceu os
ódios cujo fruto foi o nazis-
mo. Falsificar notícias era
prática comum dos políticos
europeus, vezo cujo ápice se
deu no reinado de Goebbels,
inimigo dos jornais que não
jurassem pela sua cartilha
imunda. Goebbels foi capaz
de manipular redações em fa-
vor do mando totalitário. As
análises de Faye são comple-
xas e ajudam a entender a fal-
sificação das declarações ofi-
ciais em regimes que abolem
as liberdades, a começar pela
de imprensa. Além da edição
francesa original, temos uma
excelente tradução espanho-
la ( Los Lenguajes Totalitarios ,
Ed. Taurus). Em nossa língua
existe o volume da Editora
Perspectiva, sob o título Intro-

dução às linguagens Totalitá-
rias: Teoria e Transformação
do Relato.
Em 31 de março de 2020 o
presidente Jair Bolsonaro fal-
sificou um texto emitido pelo
presidente da Organização
Mundial da Saúde (OMS) so-
bre a quarentena no combate
ao coronavírus. O responsá-
vel pela instituição dizia ser
obrigatória a ajuda aos que
não têm renda, para que a me-
dida seja bem-sucedida. Lépi-
do, o nosso presidente “cor-
tou a cabeça e a cauda” do tex-
to e anunciou nas redes so-
ciais a “tese”da OMS, que se-
ria exatamente igual à sua, a
reclusão vertical. E, claro, re-
pisando a volta do comércio,
da indústria, de todas as ativi-
dades econômicas e sociais à
“normalidade”.
A prática de Bolsonaro não
é inédita. E nenhuma origina-
lidade existe na fabricação,
por governantes, de fake news
que os beneficiem. Desde a
Grécia democrática existiram
manipuladores de fatos e dis-

cursos. Um crítico poderoso
de semelhantes boateiros é
Platão. A guerra contra os de-
magogos e sofistas definiu a
ética a ser assumida pelos
que recusam o servilismo. O
universo governamental des-
de então se divide entre os di-
rigentes que não reconhecem
limites em falas e atos e os di-
rigidos para os quais o verda-
deiro não é luxo, mas gênero
de primeira necessidade.
Entre os que manipulam
eventos e discursos, alguns
chegam à condição de estadis-
tas, para o bem e para o mal.
É o caso de Bismarck, gênio
político que beneficiou sua
gente, por um lado, e a lan-
çou no abismo da morte, por
outro. O telegrama de Elms
está inscrito entre os pontos
relevantes da História moder-
na. Mas os pequenos artesãos
do falso, como Goebbels, só
ajudaram a apressar a morte
de seu povo, tendo como pre-
fácio a matança que levou ao
Holocausto. Não existe falsifi-
cação inócua e todas produ-
zem, como expõe Faye, os
efeitos deletérios do poder
que aspira a abolir limites éti-
cos em seu exercício.
Com ódio à liberdade de
oposição e à imprensa, Bolso-
naro segue a via da pequenez
no mando. Ele esquece, no en-
tanto, a distância entre a sua
falsificação e a de Bismarck.
No século 19 não existiam rá-
dio, TV, internet, redes so-
ciais. Ainda era possível reu-
nir jornalistas e veicular um
texto adulterado como se fos-
se verdadeiro. Hoje não é pos-
sível fazer o mesmo: para
além dos seguidores incondi-
cionais, milhões e milhões de
seres divergem do governan-
te. Eles publicam o texto in-
teiro de todas as declarações.
Mentir após falsificar uma fa-
la ou ato é tarefa impossível.
Uma nota final: Bismarck
era Bismarck, Bolsonaro é
Bolsonaro.

]
PROFESSOR DA UNICAMP,
É AUTOR DE 'RAZÕES DE ESTADO
E OUTROS ESTADOS
DA RAZÃO' (PERSPECTIVA)

Retomada da economia de-
pende muito do número de
casos da doença no País.

http://www.estadao.com.br/e/retomada

DISTANCIAMENTO SOCIAL


Movimento de lojas caiu mais de 70%


Cantora trans, que era tenor
no Teatro Colón, transfor-
mou personagem drag em
sua identidade e com isso
virou soprano.

http://www.estadao.com.br/e/soprano

l“Se tivéssemos os médicos cubanos, estaríamos melhor. Investido na
ciência e na indústria nacional, estaríamos melhor. Agora é tarde.”
CAIO BARBOSA

l“Não temos profissionais nem equipamentos suficientes, mas temos
Jesus, o médico dos médicos.”
CRISTINA CARDOSO

l“Cenário crítico só aos que torcem pelo pior. Desde o primeiro caso,
a contaminação parece lenta, com número reduzido de mortos.”
MARCELO SARAIVA

l“O presidente é responsável. Sabia há quatro meses e, ao invés de
ter se preparado, saía dizendo que era uma ‘gripezinha’.”
SILVIA HOLANDA

COMENTÁRIOS

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

O Exército argentino esco-
lheu a picape Ford Ranger
para substituir a frota do
jipe Mercedes-Benz Classe
G, atualmente em uso.

http://www.estadao.com.br/e/exercito

Espaço Aberto


E


stamos atravessando
tempos bicudos. Não
só por causa do corona-
vírus, mas também porque há
um vazio político no mundo.
Quando não, há uma histeria
direitista sem que se veja o
“outro lado” do espectro. Ou
sumiu, ou os tempos são ou-
tros e mesmo a antiga divi-
são, que persiste, entre es-
querda e direita – com suas va-
riantes ao redor de um centro
abstrato – não dá mais conta
das reais adversidades do
mundo contemporâneo: aque-
cimento global, substituição
de mão de obra por “máqui-
nas inteligentes” e agora, co-
mo se fossem poucas as tor-
mentas, as pandemias.
Estou, como bom cidadão



  • e idoso –, fazendo esforço
    para me isolar. Confesso que
    ando cansado de ouvir tanta
    gente, a toda hora, falando
    de doenças e mortes. Não me
    refiro aos especialistas, co-
    mo o ministro da Saúde, que
    precisam mesmo falar. Ele
    tem sido competente, claro e
    sensível às necessidades do
    momento. Certos presiden-
    tes melhor que não falem,
    pois falam e “desfalam” ao sa-
    bor das circunstâncias, des-
    preparados para entender o
    presente e, mais ainda, para
    projetar o futuro.
    Sei que é difícil. Na última
    sexta-feira, assisti no Zoom
    (ah, quantos inventos de in-
    terlocução sem a presença
    das pessoas foram criados no
    mundo e como são úteis...) a
    uma discussão, organizada
    pela Fundação FHC, entre o
    ex-embaixador do Brasil na
    China Marcos Caramuru e
    um especialista americano
    em economia chinesa, Ar-
    thur Kroeber.
    Além dos impactos econô-
    micos da pandemia, discuti-
    ram o que poderá acontecer
    com a geopolítica mundial
    depois da crise. Kroeber afir-
    mou que a crise reforça a po-
    sição dos setores mais duros
    da sociedade e do governo
    americano, que veem na Chi-
    na uma ameaça, um vírus a
    ser contido. O embaixador
    Caramuru acredita que, se es-


sa visão prevalecer nos Esta-
dos Unidos, crescerá a in-
fluência chinesa no mundo.
Para ele, só os Estados Uni-
dos veem a China como ad-
versária implacável da paz e
da prosperidade. Os demais
países – nós incluídos – deve-
riam aproveitar os espaços
econômicos no futuro para
aumentar nossas exporta-
ções e induzir os chineses a
fazerem mais investimentos
aqui.
É certo que é preciso pen-
sar no depois. Os países e
seus povos não vão acabar. A
crise virótica, por mais difícil
e custosa que seja em termos
de vidas e de recursos, um
dia vai passar. Mas, e antes
disso, durante a pandemia?
O óbvio já disse acima e a
maioria das pessoas sabe e
compartilha: nada, se possí-
vel, de ir à rua ou juntar-se

com outras pessoas. Estamos
todos (os que podemos...) co-
mo prisioneiros, não por or-
dem da Justiça ou pelo arbí-
trio dos poderosos, mas para
tentarmos nos salvar e salvar
os outros.
Aproveitemos para pensar
no estilo de vida que vive-
mos. A solidariedade, no coti-
diano da maioria das pes-
soas, transformou-se em me-
ra frase, sem correspondên-
cia em atos. Por que não apro-
veitar a prisão voluntária pa-
ra pensarmos um pouco mais
sobre nós mesmos, nossa fa-
mília, os amigos, os vizinhos
e a sociedade mais ampla?
Sei que para alguns a adap-
tação em casa é mais fácil. Eu
próprio aproveito para escre-
ver e ler. Mas, e as pessoas
que vivem nas favelas ou nas
periferias sem verde algum,
apinhadas sob um mesmo te-
to? E as que perderão o em-
prego como consequência in-
direta do coronavírus? Por-
tanto, ao mesmo tempo que
mergulharmos em nossa

consciência para ver se ainda
somos humanos, é hora de
pensar também em como
transformar em gesto a inten-
ção de ser solidário. Não fal-
tam boas iniciativas da socie-
dade civil para angariar e ca-
nalizar doações.
Sem diminuir a importân-
cia dessas iniciativas, a ação
decisiva é dos governos. Os
economistas não sabem qual
será a profundidade da crise
e em quanto tempo virá a re-
cuperação. Mas num ponto a
maioria concorda: às favas
(por ora!) a ortodoxia e os
ajustes fiscais. Voltamos aos
tempos de Keynes e, quem sa-
be, os mais apressados deixa-
rão de jogar os “social-demo-
cratas” na lata de lixo da His-
tória. Os governos, e não só o
daqui, começam a perceber
que é melhor gastar já e sal-
var vidas do que manter a hi-
gidez fiscal e produzir cadáve-
res e depressão econômica. A
dívida pública vai aumentar.
Depois se verá como pagá-la.
Este se é dúbio: em geral a
maior parte da conta vai para
o conjunto da população, e
não para os que mais podem.
Terá de haver mobilização
política para que desta vez se-
ja diferente.
Que o Tesouro se abra (e
se já estiver vazio, que se en-
divide ainda mais). Com um
porém: que os governos
usem bem o dinheiro e não
transformem gastos extraor-
dinários em gastos perma-
nentes. Melhor haver um “or-
çamento de guerra” do que
criar bazucas permanentes
contra o Tesouro.
É disto que se trata: refor-
çar estruturalmente a saúde
pública e a ciência básica, fa-
zer gastos extraordinários
para garantir a sobrevivên-
cia das pessoas e das empre-
sas mais vulneráveis e, mais
à frente, distribuir com equi-
dade a carga de impostos pa-
ra reduzir o déficit e a dívi-
da pública, que vão crescer
inevitavelmente.

]
SOCIÓLOGO, FOI
PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
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CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
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DEMAIS LOCALIDADES:
0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

ARGENTINA
A outra transição de
uma estrela da música

Exército argentino vai
usar picape da Ford

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

VICTOR MORIYAMA / THE NEW YORK TIMES FORD/DIVULGAÇÃO

]
Fernando Henrique Cardoso


Tema do dia


Melhorias no ambiente não
exigem investimento nem
grandes reformas.

http://www.estadao.com.br/e/casa

Durante e depois


da crise


Abra-se o Tesouro para
garantir a sobrevivência
das pessoas e empresas,
depois se vê como pagar

Política e


falsificação


Com ódio à liberdade de
oposição e à imprensa,
Bolsonaro segue a via
da pequenez no mando

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
CEP 02598-900 – SÃO PAULO - SP
TEL.: (11) 3856-2122 /
REDAÇÃO: 6º ANDAR
FAX: (11) 3856-
E-MAIL: [email protected]
CENTRAL DE ATENDIMENTO
AO ASSINANTE
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4003-
DEMAIS LOCALIDADES: 0800-014-77-
https://meu.estadao.com.br/fale-conosco

CENTRAL DE ATENDIMENTO ÀS AGÊNCIAS DE
PUBLICIDADE: 3856-2531 – [email protected]
PREÇOS VENDA AVULSA: SP: R$ 5,00 (SEGUNDA A
SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Brasil sem médicos e


equipamentos contra


novo coronavírus


Relatório do Ministério da Saúde mostra
cenário crítico no enfrentamento à
pandemia da covid-

]
Roberto Romano

TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO VEÍCULOS

No estadao.com.br


E-INVESTIDOR

China é indicativo
para o fim da crise

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Como deixar a sua
casa mais sustentável

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