O Estado de São Paulo (2020-04-05)

(Antfer) #1

DIFÍCIL QUARENTENA


DE ADOLESCENTE


Giovanna Wolf

Na casa do professor de robóti-
ca Paulo Rodrigues, o escritó-
rio não tem porta: o que o seu
filho Matheus, de 14 anos, faz
no computador fica à vista para
toda a família. “Vemos tanta no-
tícia ruim que é importante fa-
zer esse acompanhamento”,
diz o pai. No último ano, Paulo,
de 48 anos, também instalou
nos dispositivos da casa um
software de controle parental
que restringe o acesso do ado-
lescente ao computador fora
do horário estipulado e tam-
bém envia notificações para os
pais caso ele tente acessar um
conteúdo estranho.
Esse tipo de cuidado com o
acesso de adolescentes na in-
ternet deve ser redobrado em
época de quarentena, segundo
especialistas em segurança di-
gital ouvidos pelo Estado ,
uma vez que as crianças estão
passando mais tempo no com-
putador e no celular durante o
confinamento. Os perigos e os
métodos para proteger as crian-
ças, entretanto, são os mesmos
de sempre.
“A internet é como se fosse
uma rua digital. Os cuidados
que os pais têm quando os fi-
lhos vão para a rua também de-
vem ser tomados quando eles
vão para a rede, como não con-
versar com estranhos, por
exemplo”, afirma Rafael San-
tos, coordenador do curso de
Defesa Cibernética da FIAP.
Além da exposição exagerada
em redes sociais, de possíveis
conversas com desconhecidos e
de conteúdos inapropriados na
rede, alguns perigos da internet
merecem atenção especial dos
pais. “Muitas vezes, o adolescen-
te acaba baixando programas,
aplicativos ou jogos que infec-
tam o computador, porque eles
não têm noção do que é seguro
ou não”, afirma Fabio Assolini,
analista da empresa de ciberse-
gurança Kaspersky no Brasil.
Ele também aponta para o ris-

co de um golpe online chamado
phishing, que se tornou comum
no Brasil, no qual o usuário é
infectado após clicar em um
link suspeito ou baixar um ar-
quivo malicioso de e-mail. Ou-
tro risco amplamente conheci-
do é o de correntes na internet
que engajam jovens com desa-
fios que podem ser perigosos.

Ferramentas. Para proteger
os adolescentes, softwares de
controle parental como o que o
professor Paulo usa são reco-
mendados por especialistas.
“São muitos riscos, e os pais
nem sempre estão por perto.
Essas ferramentas ajudam a li-
mitar o uso do dispositivo,
a bloquear conteúdos
inadequados e
também têm
proteção an-
tivírus que
podem
proteger
os adoles-
centes con-
tra ataques de phishing,
por exemplo”, explica As-
solini, da Kaspersky.
Essas ferramentas podem
ser configuradas pelos pais
de acordo com a rotina de cada
casa e também da visão de cada
família sobre o que é um con-
teúdo adequado ou não. E é
possível alterar as regras sem-
pre que for necessário: por cau-
sa da quarentena, por exem-
plo, Paulo, que antes bloquea-
va o acesso do filho ao compu-
tador antes das 16h, liberou pa-
ra ele usar a máquina durante a
manhã, por causa das aulas on-
line da escola – além disso, co-
mo está de home office, conse-
gue acompanhar Matheus de
perto.
Outro método que alguns
pais usam é pedir a senha de
desbloqueio dos celulares dos
filhos e de suas contas nas re-
des sociais. É o caso de Silvia
Nunes, mãe da Laís, de 13 anos,
e da Ísis, de 15. “Acompanho de
vez em quando para saber se

não há nenhuma conversa com
estranhos. Teve uma vez em
que a minha filha menor mu-
dou a senha do celular e ficou

de castigo por dois meses, sem
poder usar o aparelho”, diz ela,
que é dona de casa, está em qua-
rentena com as filhas e o mari-

do e continua atenta às ativida-
des das meninas na internet du-
rante o isolamento.

Conversa. Nesse processo de
monitoramento, o diálogo é es-
sencial. “É preciso explicar e ne-
gociar, porque se você faz con-
trole parental extremo, como
cortar totalmente o acesso à in-
ternet, pouco tempo depois a
criança ou o adolescente vai
dar um jeito de entrar na inter-
net do vizinho”, afirma João Ce-
sar Netto, professor do Institu-
to de Informática da Universi-
dade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS).
É nisso que acredita Luciane
Marinho, mãe de Eliseu, de 11
anos. “Tudo é muito conversa-

do. Se falo para ele não assistir a
um vídeo do YouTube, ele não
assiste. Muitas vezes ele até
vem me mostrar o que ele faz
no TikTok, um aplicativo que
virou moda agora”, diz a funcio-
nária pública, que usa apenas o
bloqueio de sites tradicional de
navegadores.
Para a professora de Psicolo-
gia da PUC Fabiola Freire, o diá-
logo também é importante pa-
ra garantir que a criança ou o
adolescente desenvolva sua in-
timidade e autonomia. “Tem li-
mite o quanto pode invadir. É
absolutamente importante pa-
ra o desenvolvimento da subje-
tividade da criança que a priva-
cidade seja mantida e a intimi-
dade, respeitada”, afirma.

Ana Carolina Sacoman

Apesar de toda a distração onli-
ne disponível, o que fazer quan-
do o adolescente quer encon-
trar os amigos, ver os avós ou
dar uma volta para “espaire-
cer”? Mantê-los em casa em
tempos de isolamento social
não é das tarefas mais simples, e
a convivência pode ficar pesada.
Adaptar pequenos rituais, ex-
plicar que determinados com-
portamentos colocam a família
em risco e dar espaço para que
eles mantenham a individuali-
dade dentro do possível em si-
tuação de confinamento são al-

gumas dicas de especialistas ou-
vidos pelo Estado.
Pai do Carlos Henrique, de 14
anos, e da Maria Fernanda, de
12, o fisioterapeuta Carlos Rena-
to Silva Camargo, de 39, resol-
veu mudar a rotina de casa. O
videogame até a madrugada es-
tá liberado em alguns dias, por
exemplo, mas a visita do primo
da mesma idade e a ida à casa
dos avós foram vetadas. “Foi o
único conflito que tivemos com
a Maria Fernanda. Ela queria
muito encontrar meus pais,
mas eles precisam ficar isola-
dos. Eu disse que era melhor ela
ficar chateada agora do que arre-

pendida depois”, conta Carlos.
Chamar o adolescente para a
responsabilidade nem sempre
é fácil, mas pode ser a maneira
correta de conduzir a situação,
na opinião de Nelson Fragoso,
psicólogo e professor do
Mackenzie. “Essa situação não
é fácil para ninguém, mas os
pais têm de ser firmes e claros,
chamar o jovem e dizer: ‘Se vo-
cê sair, me coloca em situação
de risco. É como se minha vida
não valesse nada para você’”,
diz. “Eles devem entender que
às vezes é necessário abrir mão
de algumas coisas.”
Outra maneira de convencê-
los, de acordo com Fragoso, é
apontar casos reais e explicar
que, diferentemente do que se
pensava, o novo coronavírus
não afeta apenas idosos. “Os ado-
lescentes têm comportamento

mais centrado neles, é natural
que se preocupem mais quando
começam a ver casos na faixa etá-
ria deles.”
A tática tem funcionado na ca-
sa da servidora Antonia Cleoné-
des Rodrigues Vasconcelos, de
44 anos. A filha,
Maria Eduarda,
de 16, acompa-
nha as notícias,
como a da morte
de Matheus Acio-
le, aos 23 anos,
confirmada na
quarta-feira.
Também um conhecido da fa-
mília, de acordo com Antonia,
está internado em estado grave
por causa da covid-19. “Ele tem
a minha idade. Com isso, ela per-
cebeu que esta doença não vê
cara nem é uma ‘doença de ve-
lho’”, conta a mãe.

Criatividade. Confinamento,
especialmente de adolescen-
tes, pede criatividade. O fisiote-
rapeuta Carlos Renato, por
exemplo, resolveu jantar com a
família dentro do carro. “Levei
os dois para buscar comida no
restaurante, que
estava aberto
apenas para deli-
very, e comemos
dentro do carro
para mudar um
pouco as coisas.”
Mãe de uma
criança de 7 anos
e uma adolescente de 13 e dian-
te da área social do prédio inter-
ditada, Sofia Queiroz, de 41
anos, resolveu deixar Lara, a
mais velha, se exercitar nas esca-
das do prédio. “Ela precisa quei-
mar um pouco a energia acumu-
lada”, diz. “Ficar trancada com

as duas, mais um cachorro, em
60 metros quadrados não é fácil
para ninguém. Precisamos to-
das respirar.”
É também o que pensa o psi-
cólogo Antonio Carlos Amador
Pereira, autor do livro O Adoles-
cente em Desenvolvimento (edito-
ra Harbra). “Se ele quer dar
uma volta no quarteirão, é preci-
so respeitar, não adianta proi-
bir”, afirma. “O adolescente pre-
cisa do espaço dele, e às vezes
isso é difícil, ainda mais agora.
Mas é bom a família não ficar
muito em cima, tem de ter um
pouco de bom senso.”
Pereira diz, no entanto, que a
decisão de ficar ou não em casa
tem de ser do próprio jovem.
“Eles precisam aprender a ser
responsáveis por suas escolhas,
isso vale para todos, e não é dife-
rente para os adolescentes.”

NA


FILHOS


E A VIDA DIGITAL


QUARENTENA


Jornal do Carro


Criações curiosas de fãs de veículos PÁG. H14


ILUSTRAÇÃO

MARCOS MÜLLER/ESTADÃO

JOVENS PRECISAM

SER RESPONSÁVEIS
POR SUAS ESCOLHAS,

AFIRMA PSICÓLOGO

O cuidado com acesso de adolescentes à internet


deve ser redobrado no isolamento, dizem especialistas


REGINA ARMADA/ACERVO PESSOAL

Lado a lado. Paulo acompanha o filho Matheus de perto

PARCERIA

H1%HermesFileInfo:H-1:2020^0405 : DOMINGO,5DEABRILDE 2020 OESTADODES. PAULO


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