O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 Especial H7


pal dificuldade com
o ensino online tem sido
a falta de conteúdo. “A escola
dá uma ou no máximo duas vi-
deoaulas por dia e o restante é
por conta dos pais”, conta. “O
Henrique tem 13 anos e, por ser
pré-adolescente, o negócio de-
le não é ficar estudando o tem-
po todo. Agora, preciso partici-
par muito mais da rotina esco-
lar dele, ficar em cima para ver
se fez os deveres.”
O maior obstáculo do filho
mais novo é entender que o tem-
po em casa não é um período de
férias escolares. “Eu tento aju-
dar, porque a cabeça dele não
está aqui”, diz Bianca. “Ele co-
meça a fazer exercício e quando
eu olho tá desenhando.” Assim
como a empresária Aline, ela
também teme que o filho perca
o ano letivo.
Neste momento de crise, es-
pecialistas acreditam que é im-
portante que pais e mães não
estabeleçam altos níveis de ex-
pectativa em relação ao aprendi-
zado escolar dos filhos. Francis-
co Tupy, professor de Tecnolo-
gia Educacional, avalia que tal-
vez não seja a questão de pensar
no rendimento escolar, mas no
bem-estar das crianças e adoles-
centes, com questões que vão
além da escola.
Para Giselle Santos, especia-
lista em Tecnologias Educacio-
nais, a dica para fazer com que
as crianças entrem na rotina é
apostar na flexibilidade. “En-
tenda como o seu filho aprende

e divida o dia em pequenos
blocos de aulas mais curtas,
de 15 a 45 minutos”, afirma.

Dificuldade com a internet.
Aos 17 anos, Nichole Reis já
não precisa da ajuda da mãe
para estudar em casa. Aluna
da rede estadual de São Pau-
lo, sua maior dificuldade
com o ensino a distância tem
sido a internet. “As lives são
os maiores obstáculos por
causa da intermitência da in-
ternet. Trava muito. O resu-
mo que o professor posta ge-
ra dúvidas e acaba demoran-
do mais para executar a tare-
fa, pois ele não consegue res-
ponder na hora”, lamenta.
Estudiosa, ela tem procura-
do conteúdo da escola em ca-
nais do YouTube. Mas conta
que ainda não conseguiu en-
trar no ritmo das aulas onli-
ne. “Sempre fui muito de
aprender e buscar coisas no-
vas”, diz a adolescente, que
estuda italiano e japonês por
conta própria. “Não estou
aprendendo tanto quanto eu
aprendia de maneira presen-
cial na escola. Acho muito
chato não ter esse contato, e
sem contar no ânimo para fa-
zer as lições, já que algumas
matérias estão colocando os
prazos para quando as au-
las recomeçarem.”
Além das lives, Ni-
chole conta que a
escola tem colo-
cado trabalhos
em um blog e
em grupos
no What-
sApp. Po-
rém, nem to-
dos da classe
têm acesso
ilimitado à in-
ternet.
“No perío-
do sem aulas
na escola, o
máximo
que se vai
conseguir fazer é colocar ati-
vidades que alcançarão ape-
nas alguns alunos. Mas são es-
tratégias de mitigação do pro-
blema”, afirma o diretor de
Estratégia Política do Todos
Pela Educação, João Marcelo
Borges. Segundo ele, os pro-
fessores do País não estavam
preparados para o ensino a
distância, muito menos na
educação básica. “Não tem
infraestrutura de conectivi-
dade ou dispositivo.”

Desafio para a avó. Maria
do Socorro Silva Santos, de
56 anos, tem se virado com o
que pode para ajudar os ne-
tos Nicollas, de 7, e Guilher-
me, de 13. O pequeno é o que
requer mais atenção: são
duas horas por dia de ensino,
desde que a crise do novo co-
ronavírus começou. Sem
acesso à internet e com li-
vros emprestados pela vizi-
nha – pois os de Nicollas fica-
ram na escola –, ela é quem
estuda, aprende e depois en-
sina o conteúdo para o neto.
“Estudei até a sétima série.
Sou aquele tipo de pessoa
que tenta entender tudo. Eu
pego os livros para ensinar,
mas leio antes”, conta Maria.
Sem notícias de quando as au-
las vão recomeçar, ela diz
que coloca os dois meninos
para fazerem atividades ao
longo do dia e procura sem-
pre conversar com os netos,
inclusive sobre a pandemia.

Marina Cardoso
ESPECIAL PARA O ESTADO

Tudo preparado para mais um
ensaio. É hora de se concentrar
e entrar no personagem. Com
os textos em mãos, cada aluno
começa a recitar sua respectiva
fala para a interpretação do es-
petáculo A Família Adams. A pro-
fessora precisa ficar atenta à en-
tonação, expressão corporal e
ao entrosamento entre os ato-
res – um grupo de dez crianças
de 6 a 8 anos. Nada incomum
para um aula de teatro musical
no TeenBroadway. Não fosse o
fato de que o grupo está reunido
virtualmente. Cada um em sua
casa. Uma nova dinâmica que vi-
rou rotina para escolas de tea-
tro, música e dança nesse perío-
do de quarentena.
Diretora-geral do Teen-
Broadway, escola de teatro mu-
sical, Maiza Tempesta diz que a
situação atual criou um parado-
xo que pode ter efeitos benéfi-
cos. “Presencialmente, as aulas
são em uma sala grande, de 10
por 15 metros. Os que são mais
tímidos, às vezes ficam no canti-
nho”, conta. “Já a internet é
olho no olho. Todos estão jun-
tos na mesma tela e têm o mes-
mo destaque. É engraçado, mas
o virtual nos aproxima.”
A interação com os pais dos
alunos também aumentou. “É
a primeira vez que acompanho
de perto o progresso da minha
filha. Antes, com a rotina de
apenas deixá-la e buscá-la nas
aulas, só via o resultado final,
no espetáculo do fim do semes-
tre”, conta a gerente comercial
Elisa Gamba, mãe da Rafaela,
de 9 anos. Ela afirma que a nova
rotina reaproximou a família e
tem ajudado todos a lidar com

o isolamento de uma forma
mais descontraída. “Poder es-
tar perto dela e participar dos
desafios propostos pelo Teen-
Broadway trouxe uma recone-
xão para nossa casa”, diz. Rafae-
la prefere as aulas presenciais,
mas se adaptou à nova rotina.
“Com as aulas online ao vivo, a
gente revê todo mundo e se sen-
te mais próxima dos amigos”,
conta a estu-
dante.
“Estamos
descobrindo
novas formas
de trabalhar”,
afirma a pro-
fessora Natá-
lia Rosa, ain-
da que ela reforce que o conta-
to físico e as interações huma-
nas sejam essenciais no desen-
volvimento dos alunos.
Assim como as escolas regula-
res, as que lidam com arte tive-
ram de mudar a programação
literalmente da noite para o dia.
“Foi preciso aprender a se rein-
ventar”, conta Lígia Cortez,
atriz e diretora artístico-peda-

gógica da Casa do Teatro. A deci-
são de interromper as aulas pre-
senciais foi tomada na noite de
domingo, 15 de março, e, na tar-
de da segunda-feira seguinte, a
escola já estava funcionando on-
line. “Não está em discussão o
que vamos perder sem o conta-
to pessoal. É hora de debater co-
mo podemos aproveitar me-
lhor esse período em que esta-
mos traba-
lhando com o
imponderá-
vel.”
Para Lígia, o
importante
agora é man-
ter o vínculo
ativo. “A voz
artística é muito importante
neste momento”, afirma. “Acre-
dito que esse é só o começo des-
sa conectividade na arte. O
maior legado disso tudo foi per-
ceber o quanto somos depen-
dentes uns dos outros.”

Desafios. Criar novas metodo-
logias para engajar os alunos
tem sido um dos maiores desa-

fios em 43 anos de existência do
Ballet Paula Castro. A saída en-
contrada para estimular os alu-
nos foi promover desafios nas
redes sociais. Em um deles, a
turma de teatro musical foi de-
safiada a interpretar a música
Amigo Estou Aqui , trilha sonora
do filme Toy Story. Em outro,
alunas do sapateado apresenta-
ram a coreografia de Grease. Ca-
da uma da sua casa. Uma intera-
ção que tem sido essencial pa-
ra enfrentar a situação atual
com mais leveza e alegria.
O momento é de união e mui-
to aprendizado. Professores vi-
raram youtubers, coordenado-
res viraram editores de vídeo e
os pais, assistentes de produ-
ção. Tudo para manter os jo-
vens ativos. “Todos são apaixo-
nados pela arte e esse esforço é
uma forma de mantê-los vi-
vos”, afirma Luciana Freire, di-
retora comercial do Ballet Pau-
la Castro e mãe de três meni-
nas que também praticam balé.
Na escola de música School
of Rock, a ideia foi criar uma
banda virtual. Os alunos esco-
lhem uma música e o professor
ensina a tocar. Depois, cada um
grava um trecho da música e en-
via o vídeo para a coordenação
da escola, que faz uma monta-
gem incluindo todo mundo.
Um desafio a mais para Vi-
nícius Preisser, professor de te-
clado e piano há 16 anos. “Agora,
me preocupo com a bateria do
computador, a iluminação, a po-
sição da câmera, a qualidade na
captação do áudio e o som am-
biente”, conta. “Mas o momen-
to é de crescimento profissio-
nal. Tenho conseguido otimizar
melhor o tempo e a didática.”
A necessidade de adaptação
se estende para quem está apren-
dendo. Aluno de teclado na
School of Rock, Gustavo Mace-
do, de 13 anos, também precisou
acomodar sua rotina para conci-
liar a maratona de aulas online
do colégio com as atividades ex-
tracurriculares. “Tento ver o la-
do bom. Saber que outras pes-
soas dependem do meu rendi-
mento me estimula a não parar e
dar o meu melhor, independen-
temente de estarmos fisicamen-
te juntos ou não”, afirma.

Conteúdo. Neste momento de
isolamento, há preocupação até
com o conteúdo das aulas. Atriz
e professora de teatro musical,
Catarina Marcato conta que es-
colhe interpretações menos
tristes para seus alunos de 8 a 14
anos. Ela diz que essa pausa nas
apresentações em teatro tem si-
do útil para aprofundar a parte
teórica e trabalhar com mais cal-
ma as habilidades dos alunos.
Para ela, o importante é não in-
terromper o progresso. “A arte
é uma evolução constante.”
A coach vocal Andréia Vitfer
há cinco anos usa a internet co-
mo opção para atender os alu-
nos de outras cidades e até de
outros países. Agora, com o iso-
lamento forçado, os alunos que
ela atendia presencialmente no
Espaço Vitfer de Ensino e Trei-
namento migraram também pa-
ra as aulas online. A experiência
prévia ajudou muito, segundo
ela, e tornou o processo mais
natural e menos conturbado.
Andréia atualmente faz suas
aulas usando o recurso de video-
chamada de WhatsApp. “Para
mim, essa é a melhor ferramen-
ta porque todos já estão familia-
rizados e os recursos oferecidos
suprem as necessidades de uma
aula ao vivo”, acrescenta.

ça.” Para Luiza, se a quarentena
se estender, o melhor seria que
as provas fossem adiadas.

Gabriel Coelho, 17 anos
“Em 90% das matérias, as aulas
online têm sido só conteúdo”,
afirma Gabriel, que prefere es-
tudar de forma presencial e po-
der tirar as dúvidas com os pro-
fessores. “Tenho sentido falta
de uma visão de mundo.” Ele
conta que ainda está em dúvida
sobre a escolha da profissão e
usa o período de quarentena pa-
ra avaliar as opções. “Para mim,
seria melhor adiar o vestibular.
Mas entendo que, para outras
pessoas, pode ser muito grave,
porque há uma quebra de ex-
pectativa.”

Helena Werneck, 17 anos
Com desejo de concorrer a
uma vaga em universidades
americanas para cursar Psi-
cologia e Educação, Helena
já teve o planejamento atra-
palhado por causa do novo
coronavírus. O SAT, seme-
lhante ao Enem, pode ser fei-
to várias vezes e o estudante
usa a melhor nota para se can-
didatar a uma instituição. Ela
fez uma prova em dezembro.
E passaria pelo teste de novo
em março. Só que o exame
foi cancelado. O mesmo
aconteceu com as provas de
maio e junho. “O que eu pla-
nejei foi por água abaixo.
Não tenho ideia de quando
começo a estudar.”

Escolas de artes para
crianças e adolescentes
mudam estratégias para
se adaptar a tempos de
isolamento forçado

AULAS DE TEATRO, MÚSICA


E DANÇA NA INTERNET


PROFESSORA CONTA
QUE ESCOLHE
INTERPRETAÇÕES MENOS
TRISTES PARA AULAS

l Aprender para ensinar

FERRAMENTAS PARA PROFESSORES

“Estudei até a sétima série.
Sou aquele tipo de pessoa
que tenta entender tudo. Eu
pego os livros para ensinar,
mas leio antes”

Maria do Socorro Silva Santos
AVÓ DE DOIS MENINOS, DE 7 E 13 ANOS,
PASSOU A ENSINÁ-LOS NESTE PERÍODO
DE QUARENTENA

Ao alcance de todos, as platafor-
mas digitais abrem espaço gratui-
to para que professores possam
montar aulas online. Veja algu-
mas ferramentas que contem-
plam videoaulas em tempo real,
armazenamento de gravação e
compartilhamento de chamadas
e de conteúdos em grupo.

l Google for Education
Possibilita que o professor com-
partilhe todo o conteúdo em nu-
vem, grave aulas e solicite tare-
fas usando somente um login.
“Lá eu faço reunião com os alu-
nos, gravo e posto as aulas e dei-
xo disponível para que eles pos-

sam assistir novamente e postar
as atividades. Dessa forma, man-
tivemos até mesmo o calendário
de provas, que serão feitas agora
pelo Google Forms”, diz a profes-
sora do Instituto Educacional
D’Ambrosio Diane Scapin.

l Microsoft Teams
Assim como o Google for Educa-
tion, o Microsoft Teams tem dis-
poníveis diversos recursos, mas
o compartilhamento é feito ape-
nas com documentos do Office


  1. Se o cadastro for feito pela
    escola, o uso é gratuito. “É uma
    das ferramentas que usamos pa-
    ra fazer aulas síncronas, ou seja,


no mesmo horário de aula que o
aluno teria”, afirma Marcio Gon-
çalves, professor da Universida-
de Estácio de Sá e das Faculda-
des Integradas Hélio Alonso.

l Zoom
Apesar de ser uma ferramenta
de videochamada, o Zoom tam-
bém tem área específica para
educação. A plataforma é uma
das mais populares entre as uni-
versidades nos Estados Unidos e
tem planos pagos mensais. “O
Zoom é uma das ferramentas
que a gente tem usado neste pe-
ríodo. Nela o professor está onli-
ne, disponível naquele momento

para esclarecer dúvidas”, diz a
professora do Colégio Bandeiran-
tes Mariana Peão Lorenzin.

l Moodle
É um software que possibilita
que a instituição de ensino perso-
nalize suas funcionalidades. “A
gente já usava o Moodle, nossa
plataforma para material de estu-
do, fazia algumas provas online.
Então já tínhamos esse contato
virtual, que se intensificou agora,
deixando de ser um espaço só
para colocar conteúdo disponí-
vel, mas para interações tam-
bém”, diz Mariana, do Colégio
Bandeirantes. / ROBERTA PICININ

ACERVO PESSOAL

Catarina Marcato. Atriz e professora de teatro musical

ACERVO PESSOAL

Andréia Vitfer. Para suas aulas, coach vocal usa o recurso de videochamada de WhatsApp

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