O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 Política A


ELIANE


CANTANHÊDE


O


presidente Jair Bolsonaro e
o ministro Luiz Henrique
Mandetta (Saúde) não se su-
portam mais, mas não têm alternati-
va: Bolsonaro não pode demitir
Mandetta e Mandetta não pode se
demitir. Estão atrelados um ao ou-
tro pelo coronavírus. Unidos na ale-
gria e na tristeza, na saúde e na doen-
ça. E se detestando.
Entre os dois, há um muro: o isola-
mento social, única vacina possível
para reduzir a audácia e a letalidade
do vírus. Mandetta não pode cruzar
esse muro, porque sua ação é “técni-
ca e científica” e porque médicos

“não abandonam o paciente”. Seu pa-
ciente é o Brasil. E Bolsonaro não pode
dar uma canetada e criar o tal “isola-
mento vertical”, que, de isolamento,
não tem nada. Não tem apoio para isso.
Cada lado prepara seu arsenal sob
sigilo. Bolsonaro, que já falou duas ve-
zes em editar um decreto e nunca edi-
tou, trabalha com um corte etário para
relaxar o isolamento. O grupo de
(maior) risco é acima dos 60 anos, mas
ele estuda dar dez anos de lambuja.
Abaixo dos 50, volta ao trabalho! Cola?
Até agora não, tanto que a ideia está
entre as quatro paredes do gabinete
presidencial.

Já Mandetta propõe nos bastidores
um desmame gradual do isolamento,
listando 19 condicionantes técnicas a
serem consideradas uma a uma, depen-
dendo do cenário. A cada recuo da
doença, um grau de relaxamento. En-
tretanto, o começo da implementação
pode demorar 30 dias e o próprio mi-
nistro perguntou para sua equipe: “Ele
vai ter paciência?” Quem será “ele”?
Enquanto os dois se digladiam, as
instituições assumem um lado e iso-
lam Bolsonaro. Ministros do Supremo

fazem fila e parlamentares se revezam
para advertir o Planalto e apoiar o isola-
mento social. Até o vice Hamilton
Mourão e o ministro Sérgio Moro (es-
te sempre tão reverente à hierarquia)
defendem publicamente a medida que
o presidente rechaça.

Isolado institucionalmente e sofren-
do restrições no próprio governo, Bol-
sonaro afasta aliados simbólicos, como
os governadores Ronaldo Caiado (Goi-
ás) e Carlos Moisés (Santa Catarina) e
o ator Carlos Vereza, que foi cotado pa-
ra a Secretaria de Cultura. Cada um de-
les corresponde a quantos decepciona-
dos com os “achismos” do presidente?
A maior perda, aliás, vem das pes-
quisas. Metade das pessoas acha que
Bolsonaro atrapalha mais do que aju-
da no combate à pandemia e o que dói
mesmo e abala o amor próprio do pre-
sidente é o aplauso vibrante da popu-
lação ao seu “inimigo” Mandetta. Em
vez de comemorar o grande trunfo do
seu governo, Bolsonaro sofre. Só a psi-
cologia, a psicanálise ou a psiquiatria
para explicar.
Se Bolsonaro não pode demitir Man-
detta “no meio da guerra”, Mandetta
não pode se demitir. Desmontaria o Mi-
nistério da Saúde e jogaria o País num
caos ainda maior. Uma irresponsabili-
dade histórica. Assim, o ministro avi-

sou ao presidente que está pronto pa-
ra ser o “bode expiatório” se tudo der
errado e que fica até ser demitido.
Na mesma conversa, Mandetta
fez enfática defesa do isolamento e
alertou para as consequências do re-
laxamento: “Estamos preparados
para caminhões do Exército trans-
portando corpos pelas ruas, ao vivo,
pela internet?” No dia seguinte, re-
correu a Drummond: “No meio do
caminho uma pedra, uma pedra no
meio do caminho”.
Todos sabem quem é a “pedra” e
o ministro passou a ser apedrejado
na internet. Os mesmos que divul-
gam um falso desabastecimento no
Ceasa-MG (burramente, porque é
contra o próprio governo) inun-
dam as redes desqualificando Man-
detta, governadores e parlamenta-
res pró-isolamento. Como isso aju-
da Bolsonaro, não se sabe. Mas é
ótimo para o coronavírus, a conta-
minação e as mortes. Mais do que
irresponsável, macabro.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

A Confederação Nacional da Indústria - a CNI - e as Federações
Estaduais da Indústria concordam com a aprovação da Medida
Provisória 932/2020, que prevê a redução, por 3 meses, de 50% do
valor das contribuições das empresas que integram o Sistema S,
entre as quais o SENAI e SESI, tendo em vista a gravidade do atual
momento, bem como a necessidade de recursos para as empresas
manterem suas estruturas e preservarem empregos.

Destacamos que o corte de 50% nas contribuições das empresas ao
SESI e ao SENAI, estimado em mais de R$ 1 bilhão, pelo período de
três meses, representará um impacto extremamente signifi cativo na
saúde fi nanceira e na gestão das duas entidades.

É consenso entre os integrantes do Sistema Indústria que nossas
atenções devem estar voltadas para garantir a saúde e preservar a
vida das pessoas. Em parceria com Federações Estaduais e
Associações Setoriais da Indústria, o SESI e o SENAI vêm realizando
diversas ações solidárias de combate à pandemia, tais como o
suprimento de hospitais públicos com insumos e equipamentos
necessários ao tratamento da Covid-19 e a oferta gratuita de 100 mil
vagas de cursos a distância.

Temos confi ança no futuro do Brasil e acreditamos que, juntos,
vamos superar mais essa crise.

Robson Braga de Andrade
Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Bolsonaro quer isolamento só
acima dos 50 e Mandetta lista
19 condicionantes para saída

Adriana Ferraz


Antes mesmo da chegada da
covid-19, já era na porta das
unidades municipais de saú-
de que se avolumavam as de-
mandas médicas da popula-
ção. A crise econômica que se
arrasta no Brasil desde 2014,
acentuando o desemprego e a
desigualdade social, também
elevou o gasto das prefeitu-
ras com o serviço médico.

Na comparação com os de-
mais Estados, em São Paulo são


as prefeituras que pagam a con-
ta mais cara: R$ 601 por habitan-
te, na média. O valor representa
praticamente a metade do cus-
teio do sistema, segundo dados
de 2017 do Siops, o banco de da-
dos do Ministério da Saúde.
Totalmente relacionada à re-
cessão da economia, a alta de
gastos é mais uma consequên-
cia do número de pessoas que,
desempregadas, perderam não
só a renda, mas também o plano
de saúde empresarial que aten-
dia à sua família. Diante da falta

de opção, o único caminho foi
retornar às filas do Sistema Úni-
co de Saúde (SUS).
Na capital, esse retorno levou
a Prefeitura, em números cor-
rentes, a ampliar seu orçamen-
to para a saúde de R$ 7,7 bi-
lhões, em 2018, para R$ 8,2 bi-
lhões – valor que representou
46% do total gasto na cidade pe-
las três esferas de poder.
Alinhado ao governador João
Doria (PSDB), o prefeito Bruno
Covas, do mesmo partido, tem
tido postura firme na defesa pelo

isolamento social e contrário às
tentativas do presidente Jair Bol-
sonaro de reabrir o comércio.
Segundo o promotor de Justi-
ça Arthur Pinto Filho, que res-

ponde pela área da saúde públi-
ca em São Paulo, são os municí-
pios que estão financiando a
saúde pública hoje, colocando
valores muito acima do mínimo

obrigatório, de 15% da receita.
“Alguns municípios chegam a
colocar 35% do orçamento na
área da saúde. É fundamental
que a União, neste momento
trágico, financie fortemente os
Estados e municípios. A história
não perdoará eventual inércia do
governo federal. Essa inércia te-
rá consequência: muitas mortes
que poderiam ser evitadas”, diz.
A economista Tassia Holguin,
aluna de Doutorado da UFRJ, es-
pecialista em economia da saú-
de, explica que a tendência de
redução da participação da
União no sistema já era espera-
da, ainda mais com a aprovação
da PEC do teto dos gastos no
governo Michel Temer, o que
acaba por sobrecarregar os esta-
dos e municípios e o SUS.
“Você pode diminuir os recur-
sos para a saúde, mas a deman-
da continuará a crescer, sobre-
carregando ainda mais o SUS.
Já tínhamos um sistema suca-
teado, agora, com a pandemia,
vai piorar ainda mais”, afirma.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Em SP, prefeituras arcam


com metade do custeio


Pedra e pedradas


‘Saldo pode ser a volta da credibilidade da ciência’. Pág. A6 }


NILTON FUKUDA/ESTADÃO - 25/3/

Covas. Prefeitura de São Paulo ampliou verba para saúde

No Estado, cidades gastam com saúde pública, na média, R$ 601


por habitante; na capital, orçamento de 2018 foi de R$ 8,2 bilhões


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