Contra a pecha de pornográfico, pode-se ressaltar que o conteúdo sexual do
poema é estabelecido sempre por sutilezas linguísticas, nunca em termos explícitos. A
violência sexual em si é narrada “com a elipse convencional em representações do
estupro” (KAHN, 1997, p. 35), no entanto atentemos para o fato de que a genitália
feminina é sugerida por um deslocamento: “E então, co’a própria lã seu falar controlado,
/ Sepulta os gritos nos doces lábios tapados.” (678-679). Além disso, das duas condições
mínimas apontadas por Maingueneau (2010, p. 69) para o texto pornográfico, “a
enunciação deve ser carregada de afetos eufóricos, atribuíveis a uma ou várias
consciências [e] deve restituir a dimensão configuracional da cena [...] total visibilidade
do ato sexual”, a primeira está sobejamente satisfeita e a segunda se observa nos versos
“Refresca seu rosto nas lágrimas mais pias / Que olhos pudicos já verteram lastimosos.”
(682-683), que evidencia as posições dos corpos. Outro traço do poema que remete à
pornografia moderna é chamar atenção à ejaculação: “Ela sustém carga de lascívia
deixada” (734).
Que ao menos parte dos leitores ingleses na virada do século XVII estavam
realizando leituras libidinosas fica evidenciado pela publicação em 1616 – ano de morte
do poeta – do sexto in-quarto, a primeira edição a trazer o título estendido The Rape of
Lucrece , além de marginália impressa dedicada a controlar a leitura, desestimulando
interpretações lascivas, como “Tarquino, todo impaciente, interrompe-a e, tendo o
consentimento negado, rompe a integridade de sua castidade pela força” (ROBERTS,
2002, p. 117). Resta saber o quanto tais leitores se estimulavam exatamente com o
caráter violento da narrativa sexual. Ainda sobre a circulação do livro, Gordon Carver
(2005, p. 109) ressalta que a imprensa era relativamente recente, e a poesia erótica
circulava geralmente em manuscritos, dentro de coteries , e que
textos de coterie [...] eram derivados de um mundo literário fechado
pertencente à aristocracia educada. A exposição desse mundo via transmissão
pela prensa é similar à visão por Actaeon da mais elevada, proibida Deusa [...]
A leitura de livros impressos em geral durante este período crítico era
concebida como um ato de voyeurismo.Victoria Burns (2019, p. 85), por seu turno, chama atenção ao fato de que o poema
era “[o]riginalmente vendido como Lucrece [...] o título sugere que o poema impresso
contém a essência da própria Lucrécia. [...] Wendy Wall argumenta que ele equacionava
o texto com a mulher nele descrita.”; e a mesma autora aponta que “Duncan-Jones [...]
sustenta que a escassez de primeiros exemplares sugere que as pessoas liam o poema
com tanta frequência que danificavam suas cópias”. Ou seja, há uma possibilidade de
que Lucrécia fosse usado como suporte para a prática do onanismo.
Nos dias de hoje, é improvável que o poema suscite a mesma reação, mas isso nos
leva a perguntar exatamente como o poema deveria ser recebido na atualidade. Pelo