LIVRO DIGITAL ENCONTRO SHAKESPEARE 2.1 - 2023

(Shakespeare 2.1EU1AMn) #1

inglês. Ainda assim, é preciso esclarecer que ao analisar a trajetória dessa obra na
América Latina é impossível não se deslocar para espaços que vão além da região, como
foi o caso da Europa e do Caribe francês, mais especificamente a Martinica. Esse
deslocamento, no mínimo, demonstra não só a importância de Shakespeare, mas
também a circulação das ideias em um mundo cada vez mais dinâmico e globalizado.


II – Tempestades europeias: Shakespeare e Ernest Renan


O tempo no qual Shakespeare viveu era muito diferente do nosso. Entre o final do século
XVI e o início do XVII, a Inglaterra vivia sob o regime do absolutismo, e a Peste e a
Reforma Protestante ainda eram assuntos candentes no cotidiano europeu. A América,
esse “novo mundo” ainda desconhecido e estranho ao olhar europeu, despertava o
interesse e a curiosidade de muitos e, não raro, era representada como um lugar
perigoso e mágico por seus escritores e viajantes.


Shakespeare nunca cruzou o Atlântico e, portanto, nunca esteve em contato direto com
uma realidade que não fosse a europeia. Ainda assim, é possível notar que se os
elementos encontrados em A tempestade não condizem com a realidade do continente
colonizado pelos europeus, eles muito revelam sobre o imaginário que eles tinham
sobre a região, no qual a realidade se misturava com o fantasioso desde os diários de
Colombo, quando a natureza foi preenchida por seres mágicos e mitológicos já
presentes no imaginário europeu.


O espaço limitado do artigo me impede de detalhar a história da já bastante conhecida
obra de Shakespeare, o que me leva apenas ao essencial: a configuração dos
personagens representa a percepção do europeu a respeito de seu lugar no mundo, em
relação a si e a outros espaços e seres. Próspero, duque de Milão, na tempestade
shakespereana, mais que um mago, pode ser visto como o ideal da sabedoria e do ideal
de “civilização” que começava a se formar na Europa, em contraponto com os novos
territórios descobertos, estes representados não só através da ilha na qual a história se
passa, mas principalmente por Caliban, personagem oposto a Próspero, representando
o aborígene, incivilizado, bruto e – muito importante – desprovido da capacidade de fala
articulada, portanto de comunicação, aos olhos de Próspero. Entre os dois personagens,

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