LIVRO DIGITAL ENCONTRO SHAKESPEARE 2.1 - 2023

(Shakespeare 2.1EU1AMn) #1

origem pode ser observada desde a Grécia Antiga, como observa o filósofo Jacques
Rancière^1 , associando a ela imagens constantemente repetidas por seus detratores; em
suma, para eles democracia seria sinônimo do excesso de vontade das classes populares,
a redução da política às suas mediocridades. Isso é reforçado quando Caliban vê os
livros, portanto o conhecimento, como instrumento de dominação e inimigos do povo,
e conclama seus seguidores a queimá-los^2.


O contexto no qual Renan escreveu sua obra é posterior à Revolução Francesa e apenas
oito anos após o fim do império de Napoleão III. Também é o momento no qual as ideias
de progresso e evolução são constantes na percepção de mundo da elite intelectual.
Estes elementos aparecem nas duas obras de Renan, seja em Caliban, como
representante da revolução e da democracia, seja em Próspero, agora representante
dos princípios iluministas e do progresso científico da humanidade. O feitiço agora se
expressa na ciência, uma espécie de aperfeiçoamento da magia.


Em relação a Caliban, é preciso apontar para uma diferença entre as duas obras: se em
C aliban, suite de la tempête ele se tornou um déspota ambicioso e traidor de seu próprio
povo, em L’eau de jouvence o personagem encontra sua redenção, a partir do momento
em que reconhece a importância dos ensinamentos de Próspero quando este último
falece. Com o passar do tempo, este Caliban governa em benefício da aristocracia,
mantendo a ordem. A redenção do personagem é também a redenção da democracia,
que só parece boa a Renan quando recupera os valores da aristocracia, sem os
“excessos” populares. Esse ponto de vista está presente também em um leitor de Renan:
José Enrique Rodó, cuja interpretação de A tempestade , chamada Ariel , buscava pensar
um futuro para a juventude latino-americana.


1
2 RANCIÈRE,^ Jacques.^ O ódio^ à^ democracia.^ São^ Paulo: Boitempo,^ 2014.^
A destruição de livros e instrumentos de escrita são constantemente evocados para ressaltar a barbárie
popular. A título de exemplo, existe uma passagem do romance Los de abajo , de Mariano Azuela, na qual
Pancrácio, um revolucionário popular, compra uma máquina de escrever apenas para quebrá-la. Não é
de se estranhar que escritores, cuja maioria provém de classes sociais favorecidas, não compreendam os
significados de exclusão que os símbolos letrados representam para as camadas populares, menos
portanto, sua violência em relação a estes. No outro campo do espectro, a destruição de livros também
pode ser historicamente associada à tirania, visto que a censura à palavra é também uma tentativa de
aniquilamento da pluralidade de opiniões. Décadas depois da morte de Renan, os nazistas, a partir de
ideias em algo parecidas às do francês, também ordenaram a queima de livros, tal qual o Caliban do
francês.

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