Não obstante, o espectro político de Fernández Retamar inevitavelmente o conduz a
uma concepção normativa na qual o intelectual deve romper com sua “classe de
origem”, compreendida por este como a “pequena-burguesia”, e se engajar na luta
anticolonial, que é, também para o intelectual cubano, a chave para a revolução latino-
americana, fundamentalmente socialista e própria da região. Assim como Rodó e
Cesaire, a metáfora shakespereana se insere em uma tensão temporal na qual o passado
é revisto e a obra é escrita a partir de um olhar que se direciona ao futuro. Mais
acentuada ainda é a comparação com Rodó, sendo que se o uruguaio usa dos
personagens de A tempestade para repensar a identidade e o lugar dos latino-
americanos enquanto herdeiros do pensamento europeu, Fernández Retamar faz o
mesmo, invertendo o sentido metafórico: a identidade latino-americana é própria e
única, e o europeu é associado à metrópole, ao invasor e suas violentas formas de
dominação, fazendo eco a Aimé Cesaire. Seguindo sua linha argumentativa, a Revolução
Cubana seria a confirmação dessa identidade latino-americana, o atestado de sua
existência, ou seja, o ser latino-americano se constata no presente da escrita e se
consolida no vir a ser revolucionário. Ironicamente, a revolução latino-americana parece
ter se firmado apenas no sonho de um cada vez mais hipotético futuro, o que não refuta
em nada o essencial da interpretação do ensaísta cubano, bem como a da história da
construção do próprio Caliban, esse ser que muda a cada releitura da obra
shakespereana: a construção da identidade latino-americana, como todas as
identidades, se dá no duplo jogo de permanecer o mesmo e mudar ao longo do tempo.
IV − Conclusão
Gostaria de concluir o texto remetendo a outro intelectual uruguaio que também
pensou a metáfora shakespereana. Hugo Achúgar, em seu livro Planetas sem boca ,
evoca o “balbucio” de Caliban como metáfora de uma suposta incapacidade latino-
americana para a teoria, a metodologia e para os estudos sistemáticos. Restaria a nós
somente o ensaio, o artigo e a literatura, vistos muitas vezes como textos “menores”.
De certa forma, o argumento de Achúgar acompanha parcialmente os de Cesaire e
Fernández Retamar – ainda que faça críticas ao último −, que defende a reivindicação
do balbucio, portanto do ensaio, como seu livro o demonstra. Mais que prestar