LIVRO DIGITAL ENCONTRO SHAKESPEARE 2.1 - 2023

(Shakespeare 2.1EU1AMn) #1

homenagem, Achúgar remete seu lugar de escrita à tradição dos intelectuais os quais
ele analisa: Rodó e Fernández Retamar não são opostos em seu livro, mas possíveis
interpretações da identidade latino-americana e do lugar que o intelectual ocupa nesta
região. O Caliban de Fernández Retamar seria então uma outra leitura do Ariel , de Rodó.
Mas é disso que se trata a leitura, afinal: uma espiral incontrolável de interpretações,
que sempre dizem respeito a nossa própria identidade – independente da consciência
que temos disso.


Enquanto produto da imaginação (e não só dela), as leituras, as identidades e as ideias
parecem resistir a se fixar em um local e tempo. A trajetória de A tempestade e suas
outras versões demonstra a inquietação e desajuste destes elementos, a constante
inadequação e rebeldia que se manifesta no pensamento.


Achúgar chama a atenção para o relativismo que todo referencial comporta e do qual
as apropriações latino-americanas de A tempestade não constituem exceções. Esse
relativismo é temporal e espacial, mas independente disso – e evitando cair em uma
ideia de relatividade demasiado abstrata – suas interpretações se pautam nas questões
que permeiam seus entornos sociais, com as tensões políticas observadas em cada
momento, portanto, adequadas às realidades sociais nas quais as obras analisadas se
desenvolveram.


Enquanto modelos e referenciais em deslocamento, talvez o próximo passo seja pensa-
los não como representantes de sujeitos e identidades macrorregionais, mas como
referenciais relativos, levando-nos, como convida Achúgar, a refletir sobre os calibans
que produzimos ao longo de nossa história: as mulheres, os indígenas, os
afrodescendentes, os trabalhadores sem-terra, os homossexuais, os sem-teto, os
favelados e todos aqueles que foram socialmente marginalizados durante os processos
de modernização de nossos países.


A tempestade prossegue.

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