LIVRO DIGITAL ENCONTRO SHAKESPEARE 2.1 - 2023

(Shakespeare 2.1EU1AMn) #1
Nos últimos 200 anos, a representação de Ofélia parece seguir certa
unanimidade, ou bem Ofélia é representada louca ou morta. Loucura
e morte compõem uma espécie de equação da representação de mulheres no século
XIX (TIBURI, 2010).

A autora afirma que enquanto o século XIX representava Ofélia morta, o século XX a
dissecou. Ainda hoje, embora já haja um certo conhecimento e pesquisa sobre o tema da
representação de mulheres mortas nas artes, sobretudo nas artes visuais, artistas – mulheres,
inclusive – continuam a representar a morte das mulheres, de outras mulheres ou delas
mesmas. Para Tiburi, esta questão deve ser compreendida como parte de um contexto mais
amplo da imaginação misógina presente na história da arte. A reflexão da filósofa inspirou
uma das perguntas na construção da dramaturgia do curta-metragem: A quem interessa as
mulheres mortas?


Que a imaginação seja “mulher” impõe uma correspondência fantasmática e nociva
para as mulheres: a imagem é metonímia para a mulher. A mulher é vista como
imagem, eis também um modo de matar outra coisa que ela possa ser, sobretudo
seu potencial político. A principal imagem de uma mulher, bem como a essencial
imagem “da mulher” na história patriarcal moderna, é a imagem de uma mulher
morta. Mas filosofia e arte se unem em necrofilia desde a tragédia grega. Seria esse
o verdadeiro nome de seu projeto?
A história do pensamento que tentou submeter as imagens se une a essa mesma
história que estabelece uma reunião entre a morte e as mulheres. É essa mulher
morta, emblemática do que é a história dos homens, símbolo da aniquilação pela
qual se alcança na história e na experiência dos homens que a constituiu o absoluto
do gozo escópico em que o olho se torna o órgão devorador do mundo, com toda a
carga de efeitos e ressonâncias suspeitáveis em termos políticos, o que convém ter
em mente quando se analisa uma figura como Ofélia: imagem de um gozo masculino


  • sendo o masculino nada mais do que um modo de ver a mulher, de posicionar-se
    diante dela (TIBURI, 2010).


A filósofa segue sua reflexão chamando a atenção para o fato de que, muitas vezes, as
mulheres são colocadas como secundárias nas vidas dos homens. A autora faz menção à
leitura que Lacan realiza da peça Hamlet, em que Hamlet é colocado no centro e Ofélia recebe
foco apenas quando trata-se de revelar seu caráter secundário em relação ao protagonista.
Para Tiburi, se este fosse o único ponto de vista possível não haveria historiadoras e
historiadores que se ocupassem da história das mulheres e nem os movimentos feministas.

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