Entre a arte e a ilegalidade
Ambas são manifestações urbanas, mas apenas uma delas
é considerada uma forma de arte, já a outra, ainda vive na marginalidade
A
pós um cansativo dia
de trabalho, Lucas
Oliveira* pega seus
pertences e por volta das 23h
encontra seus amigos para
o passatempo preferido do
grupo: a pichação. Aos 24
anos de idade, o rapaz tra-
balha em logística durante o
dia, e reserva algumas noites
para fazer inscrições em mu-
ros do Grande Recife. “Volto
às três da manhã e acordo às
6h, mas é revigorante, uma
adrenalina inexplicável”,
disse.
Lucas conta que a fascinação
pelo pixo começou quando
ele ainda era criança. As-
sistindo Batman, ele ficava
refletindo sobre quem estava
por trás do símbolo do
morcego que aparecia nos
céus de Gotham City. “O
pixo, para mim, é a marca da
trajetória de vida de várias
pessoas que compartilham
Texto:
Fernanda Soares
a vivência de tudo que é a
cidade”, afirmou.
A rotina de Lucas não é
exclusiva a ele, vários grafi-
teiros e pichadores de metró-
poles do Brasil se dedicam
ao trabalho formal durante
o dia e à noite se entregam à
arte urbana. Segundo Fábio
Tito, fotojornalista e Mestre
em Imagens, visualidades
e urbanidades pela Univer-
sidade de Brasília, esse alto
número de artistas de rua
nos grandes centros não é
por acaso. “Você até vê um
pouco desse tipo de arte na
periferia, mas é ali no cen-
tro, onde a cidade pulsa, que
a gente encontra a maior
quantidade”.
Apesar de bastante similares,
o grafite e a pixação apre-
sentam inúmeras diferenças.
Um nasceu na clandesti-
nidade, mas conquistou o
status não só de arte, mas
de representação artística
da moda – pois ao mesmo
tempo em que é considerado
“agradável visualmente”, ele
também traz um tom ácido
de crítica social. Já os picha-
dores não têm esse status de
celebridade, pelo contrário.
O termo “pixar”, com a letra
x, foi criado para caracterizar
o tipo de arte urbana com
letras retas e pontiagudas,
mas nem assim essa repre-
sentação é reconhecida pela
maioria da população.
Desde 1998, a Lei 9.605 tipi-
fica como crime ambiental
qualquer dano a patrimônios
públicos. Na prática, essa lei
se aplica aos pichadores, que
são vistos como vândalos
pelas autoridades. Em São
Paulo, por exemplo, esse em-
bate entre os artistas de rua
e o serviço público está em
discussão há anos – sendo o
reportagem
*Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.
Foto:
Fernanda Soares