BECO

(Leonam Victor) #1

beco |^76


Elas não se prepararam para esse tipo de interação quando
saíram de casa”, explana ele.


O artista percebe nessa dinâmica a possibilidade de consumir
“o mel e o fel”, já que em um espaço privado todos pagam
para entrar e vão aplaudir antes de sair, porém nas ruas a
reação pode ser totalmente inversa, ao ponto de receber xin-
gamentos e outros tipos de agressões verbais. Para ele, a rua
é “mais dura e mais crítica artisticamente”, e ele sentiu isso na
pele, diversas vezes.


“Na rua, as pessoas não vão fingir se não gostarem. No teatro,
no circo e até no trabalho, elas podem fingir, mas ali [no espa-
ço público] você vai ver as pessoas cruas, como elas realmente
são”. Wally relata que já passou por momentos em que moto-
ristas, e até pedestres, foram hostis com ele. “Tem gente que
passa e [grita]: ‘VAI TRABALHAR, VAGABUNDO!’ e você
tem que aprender a lidar com isso”.


Tal ignorância, na visão dele, se deve ao fato de que muitos
indivíduos ainda possuem uma visão ultrapassada do fazer
artístico e relações de trabalho. O preconceito com artistas no
Brasil é algo enraizado na sociedade e acontece porque muitas
pessoas só conhecem esses indivíduos quando eles conse-
guem chamar atenção em um escopo internacional. “Se você
não é global, se não é uma grande figura pública, elas não lhe
enxergam como um profissional de sucesso, porque na grande
maioria das vezes as pessoas compreendem que o sucesso é o
acúmulo de riqueza e a ostentação”, desabafa.


Contudo, as mazelas do
ofício nunca foram suficien-
tes para pará-lo. Naquele
primeiro dia, Wally passou
apenas algumas horas, mas
a paixão pela atividade
transformou aquilo em dias,
semanas, meses e anos, até
depois que ele abriu, em
2011, a companhia Garrett
Circus. Passado o período
mais crítico da pandemia de
Covid-19, quando os circos
ainda estavam fechados devi-
do às medidas restritivas, ele
vestiu novamente seus trajes
de artista urbano e voltou à
“loucura produtiva de fazer
semáforos e todos os outros
espaços que pudessem ser
explorados, como parques e
metrôs”.

A arte de rua é para um público muito


democrático, porque lá não se cobra bi-


lheteria. Tanto as pessoas de maior poder


aquisitivo quanto as que catam recicláveis


na rua conseguem ter acesso ao mesmo


entretenimento cultural sem absolutamente


nenhum filtro”.


beco |^76

Free download pdf