Valor Econômico (2020-04-07)

JornalValor--- Página 12 da edição"07/04/2020 1a CAD A" ---- Impressapor rcalheiros às 06/04/2020@19:37:

A12|Valor| Terça-feira, 7 de abrilde 2020

Opinião

Escolheroisolamentoverticalécomopreferira

ambiguidade,umaanomalia.PorEdvaldoSantana

Homosapiens,Homoeconomicus

No isolamento vertical,

sequerhá segurança

de que o sacrifício de

vidastrariabenefícioa

quemsobrevivesse

H

á explicaçõescientífi-

cas paraa inquietação

do presidenteda Repú-

blicacom os efeitosda

covid-19na economia. Emuitos

pensamcomoele. Empresas de-

saparecerão e, juntocom elas, os

escassosempregos. Negóciosan-

tes promissores perderão a atra-

tividade.Expectativasserão frus-

tradas.Não éagradável apers-

pectivade passarparaa história

comoo governo quepereceu

diantede um vírusque pôs opla-

netaemcircuitbreaker.

Mas o fato é que as explica-

ções científicassustentam e fun-

damentamas decisõeslevadasa

efeitomundoafora,ondepredo-

minaodistanciamentosocial.

Confirmamtambémque na luta

entreo Homoeconomicuseo

Homosapiens,este devepreva-

lecer, pelomenosna pandemia

em discussão.

Estamosdiantedeescolhasem

ambientescomplexos econfla-

grados.É essencialaconciliação

de interesses extremos,requisi-

tos que poucos têm,que estão

presentesnaquelesque possuem

uma elevadadosede altruísmoe

generosidade.Franklin D. Roose-

velt também teria fracassadode-

pois da crisede 1929,mas lide-

rou a recuperação mundialcom

o New Deal,por isso teve quatro

mandatos,temaquetrateinoVa-

lordodia25março.

Uma corrente de respeitáveis

psicólogose economistas desen-

volveuumasérie de estudosque

facilitam a compreensãodo pro-

blemadeescolha queacovid-

deixou na mesa. Falo de Daniel

Ellsberg, Thomas Schelling, Da-

niel Kahnemane RichardThaler,

expoentes da Economia Compor-

tamental.Os três últimos ganha-

ram o Nobel da Economia, exata-

mente pelos seus trabalhos neste

próspero campo da Teoria Econô-

mica. Resumo a seguir três dos

seus experimentos.

Porter participado de um

workshopemsala fechada,fomos

expostosaumvírusagressivo,com

probabilidade1/1000decontágio.

A morte aconteceria em até uma

semana. Há uma única dose de an-

tídotodisponível. Qualomáximo

que estaríamos dispostos apagar

peloantídoto? Agora, suponha

que um grupode pesquisaesteja a

estudaressa doençaeprecisa de

voluntários que topementrar por

5 minutos em umasala invadida

por tal vírus.Aprobabilidade de

ser infectado tambémé 1/1000.

Qualo mínimoque exigiríamos

paraparticipardaexperiência?

Para aTeoriaEconômica,as res-

postas não poderiam ter diferen-

ças relevantes,dado que o tra-

de-off entreoque entrariano bol-

soeoriscodemorrerseriadames-

ma ordem de grandeza. Porém,

quandoesse problemafoi apre-

sentado para uma amostra de pes-

soascom 50 anos, a imensa maio-

ria nãopagaria mais que US$ 2 mil

peladosedoantídoto,masnãoen-

trarianasalanemporUS$500mil.

Na prática, muitos não entrariam

pordinheiroalgum.

Oqueexplicaadiscrepância?Se

já fomos expostos ao vírusletal,

combaixaprobabilidadedeserin-

fectado, pagar alguma coisa é per-

cebido como jogar dinheiro fora.

O jogojá foijogado. Contudo, se

vocêaindanão foi exposto ao ví-

rus, exigiria um mundode dinhei-

ro para fazerpartedo universo de

possíveisinfectados,mesmoque a

probabilidadetambém seja muito

baixa. No primeiro grupo estão os

defensores do isolamento vertical,

que desprezama sala empestada,

e, no segundo, os especialistas da

área da saúde, que queremmini-

mizarosriscosdecontágio.

Osegundoexemplo vem de um

ensaio de T. Schelling (A vida que

você salva podeser a sua),escrito

para deixar um certodesconforto.

Meninade 6anos, loura e de olhos

azuis, precisa de milhares de dóla-

res paracirurgia que prolongaria

sua vida ao menos até o Natal. De

outrolado,ogovernoanunciaque,

sem acriaçãodenovos impostos,

os hospitais deteriorariam mais

ainda ajá combalidaqualidade

dosserviços.Verificou-sequeame-

nina receberiamais do que one-

cessário parasua cirurgia, mas

criarimpostos para ajudar hospi-

taissofreriasériasresistências.Bas-

ta olhar para nossa serelepe CPMF

–ContribuiçãoProvisóriaparaMo-

vimentaçãoFinanceira.

Oqueexplicaasdiferentesesco-

lhas? Éque amenina épercebida

comoumavidaidentificada, en-

quantoa ajuda aos hospitais é

uma vida estatística. Para oHomo

sapiens,vale muitomais salvar

uma vida identificada que uma vi-

daestatística,mesmoqueestapos-

sa ser asua. Há um certoaltruísmo

quandoa vida é identificada. O

Homo economicus pensa diferen-

te.Ajudarhospitais,comapremis-

sa de salvar maisvidas, seria a pre-

ferência, mesmo que seja extraída

de fragmentos da realidade. (Ho-

mo economicus:ator racionalou

maximizador racional. Éumser

humano fictício,que fragmentao

objeto de pesquisa, por istoétam-

bémchamadodefragmentodeser

humano—Wikipedia.)

Em 1961, DanielEllsberg, o

mesmo dos Pentagon Paperse

personagem do filmeThe Post,

publicou experimento conheci-

do comoParadoxode Ellsberg. É

simples: 100 bolas são colocadas

emduasurnas(AeB),daseguinte

forma: na urnaAsão postas 50

bolas brancas e 50 pretas e, na B,

também100 bolas, só que em

proporção desconhecida. Embo-

ra a probabilidadesubjetivade

extrairumabolapretasejaames-

ma, independentemente da urna

selecionada,92% das pessoas,

com a expectativa de ganhar

US$ 1.000, preferemretirar uma

boladaurna A, cuja proporção

entre pretasebrancas éconheci-

da.Porquê?Porquetêmaversãoà

ambiguidade. Escolher a urna B é

comose preferíssemos odesco-

nhecido, ainformação ambígua,

semelhanteàincerteza.

Em 16 fevereiro de 2016,emar-

tigo para oBlog “Papodeenergia”,

utilizei esse paradoxopara anali-

sar decisõesdo governo Dilmapa-

ra o setor elétrico—fazer ou não

um racionamento em 2014. Lá eu

concluía queaa versãoàambigui-

dadedecorreda percepçãodeque

os riscos são maiores dianteda

poucainformação, ou seja, da ig-

norância do decisor com relação a

grande parte das variáveis. Porém,

em muitas situações odecisorse

sentecompetente ou com conhe-

cimento suficientepara selecionar

a opção que lheémais atrativa,

mesmoque confrontadocom ce-

nários cujas informações são am-

bíguas.Écomoseaignorânciades-

se lugarà coragem excessiva, ao

que os psicólogosdenominam de

arrogânciaouprepotência.Eeufa-

lavadogovernoDilma.

Trazendo para omundo da

pandemiacomacovid-19, esco-

lher o isolamentovertical écomo

se estivéssemosaselecionaraur-

na B, isto é,apreferir a ambigui-

dadeou a incerteza,para mim

uma anomalia. Já sabemos que tal

escolha levaria a maiscontamina-

ção e maismortes, e sequer há se-

gurança de que esse sacrifíciode

vidastrariaqualquer benefício a

quemsobrevivesse. Na metáfora

de Schelling, é comose trocásse-

mos vidas identificadaspor vidas

estatísticas. Écomose prevaleces-

se o falso pragmatismodo olhar

fragmentadodo Homoeconomi-

cus, o fragmentode ser humano.

Moralda história:os defenso-

res do isolamentoverticalpreci-

sam argumentar com vidasiden-

tificadas,e não com vidasestatís-

ticas.Tambémnecessitam con-

vencerque os supostos benefí-

cios para a economiasão antído-

tos eficazesparaque se entrena

sala empestadapelo novocoro-

navírus.Istonãoésimples.

Edvaldo Santanaé doutor em Engenharia

de Produção, professor titular aposentado

da UFSCe ex-diretor da Aneel.

GERDALTMANN/PIXABAY

Medidas não evitarão piora

do mercado de trabalho

O

mercadodetrabalhoentroujá

muitofragilizadonapandemia

docoronavírus.Apesardas

diversasaçõesanunciadaspelo

governo,tudoindicaqueo

desempregopoderáseraindamaiorquando

acrisefinalmentepassar.Asmedidas,que

vãoimplicardesembolsoequivalenteacerca

deR$200bilhões,apenasdevemevitarqueo

pioraconteça.Alémdademorana

elaboração,elasestãodemorandopara

seremimplantadas.Emalgunscasos,comoo

auxílioaosinformais,nemsesabebemcomo

sechegaráaosbolsospretendidos.

Depoisdedoistrimestresderecuperação,os

dadosdomercadodetrabalholevantadospela

PnadContínuadoIBGEvoltaramatrásno

períododedezembroafevereiro.Oíndicede

desempregosubiu0,4pontonacomparação

comotrimestreanterior,findoemnovembro

de2019,subindode11,2%para11,6%.Em

números,osdesempregadossomavam12,

milhõesdepessoasnomêsdoCarnaval.

Odesempregogeralmenteaumentaem

iníciodeanocomadispensadetrabalhadores

dosetordevarejocontratadosparapostos

criadosparaatenderoaumentodademanda

tradicionaldefimdeano.Destavez,noentanto,

chamouaatençãoqueasdemissõesforam

lideradaspelosetordeconstrução,quenão

conseguiumanterareaçãodofimdeano.

Houvedemissõestambémnaadministração

pública,emboapartedeempregadosnaárea

daeducação,muitosdosquaisseriam

contratadosapósaaprovaçãodonovo

orçamento,enosserviçosdomésticos.

Onúmerodetrabalhadoresocupados,

incluindoempregados,empregadores,

funcionáriospúblicoseosquetrabalhampor

contaprópria,diminuiu0,7%para93,

milhões.Ostrabalhadoresinformais

representavam40,6%dototaldeocupados,um

poucomenosdoqueos41,1%dotrimestre

anterior,masaindaassimenvolvia38milhões

depessoas.Essegrupocompreendeossem

carteiraassinada,incluindoempregados

domésticos,empregadoressemCNPJe

trabalhadoresfamiliaresauxiliares.

Natentativadeamenizaroimpactoda

pandemiadecoronavírusnomercadode

trabalho,ogovernolançou,atéomomento,

iniciativasemtrêsfrentes.Emumprimeiro

momentobuscouminorarasituaçãocrítica

dostrabalhadoresinformais,osprimeiros

quesentiramoimpactodoisolamentosocial

impostonatentativadesedesacelerara

escaladadacontaminaçãodapopulação.A

rendadosinformaiscessouimediatamente.

Ogovernocriouumauxílioemergencial,

inicialmentefixadoemR$200,queaCâmara

dosDeputadostriplicou.Ogrupo

beneficiadofoisendoampliado.Aofinal,

alémdosinformais,foramabrangidosos

autônomos,microempreendedores

individuais(MEIs),oslistadosnoCadastro

ÚnicoebeneficiáriosdoBolsaFamília.

CálculosfeitospelaFundaçãoGetulio

Vargas,quandoseestimavaquepertode

milhõesdepessoasseriambeneficiadas,era

queocustodamedidaseriainferiora1%do

ProdutoInternoBruto(PIB),masseuimpacto

naeconomiaseriamaior,aumentandooPIB

em1,2%.JáaInstituiçãoFiscalIndependente

(IFI),queassessoraoSenado, calculouqueos

beneficiadoschegama30,5milhões,aocusto

deR$59,3bilhõesemtrêsmeses.Maso

governofalaem54milhõesdepessoaseem

umcustoquechegaaR$98bilhões.

Outramedidafoiaaberturadalinhade

créditodeR$40bilhõesparafinanciamentode

folhadepagamentodepequenasemédias

empresasporumperíododedoismeses.

Estima-sequeovalorésuficientepara

beneficiar1,4milhãodeempresase12,

milhõesdepessoas.Oprogramaestabeleceteto

dedoissaláriosmínimosporfuncionárioe

proibiçãoparademissãoduranteesseperíodo.

Ovalorasergasto,noentanto,ébemaquémdo

necessárioumavezqueototaldepequenase

médiasempresasétrêsvezesmaior.

Naáreatrabalhista,ogovernoregulamentou

asuspensãodecontratosdetrabalho,

liberandoareduçãodejornadadetrabalhoe

salários,comcompensaçãoparcialdasperdas

peloscofrespúblicos.Emboraacompensação

possaserquaseintegralparaasfaixasmais

baixasderenda,podehaverperdasde

rendimentosobretudoparaasfaixassalariais

maisaltas.Ogovernoestimaqueamedida

deveráenvolverR$51,2bilhões.

Todosesforçossãoválidos,masnão

dispensamposteriorrevisãoeatéampliação

poisanecessidadeéseguramentemaior.

Importantetambémseráagilizarsua

implementaçãodadaagravidadeda

situação.Masoaumentododesempregoé

dadocomocertoejáseprevêqueataxapode

superar15%,ou5milhõesamais.

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