JornalValor--- Página 14 da edição"07/04/2020 1a CAD A" ---- Impressapor ccassiano às 06/04/2020@21:22:
A14|Valor|Te rça-feira, 7 deabrilde 2020
Especial
EduardoSattamini:Transferirproblemapara restodacadeiapodegerar colapso
CAIO GRACA/VALOR
Inadimplência podedisparar emabril,dizministro
RodrigoPolito
DoRio
Principalportade entradade
recursos parao setorelétrico, as
distribuidoras de energia po-
demregistrartaxade inadim-
plênciasignificativajá a partir
destemês, devidoao impacto da
crise geradapela pandemiado
novo coronavírus, de acordo
com estimativado Ministériode
Minase Energia.
Para executivos de outros seg-
mentos da cadeia e especialistas,
é preciso umasolução rápida de
injeçãodeliquidezparaessasem-
presas, sob penade provocar um
colapsonomercadodeenergia.
“Aponta-separa umainadim-
plênciaapartirdomêsdeabrilque
poderá ser significativa”, afirmou
ontem o ministro de Minas e Ener-
gia, BentoAlbuquerque, em trans-
missão viaInstagram promovida
pelo deputado federal Paulo Gani-
me (Novo-RJ).“A distribuidora é o
caixa do sistema.São elas [distri-
buidoras] que fazema arrecada-
ção por meiodaconta de luz.Eela
ainda é responsável por pagaren-
cargoseimpostos”,completou.
Com leitura semelhantesobre o
problema,aEngie Brasil Energia
(EBE), maiorgeradora privada do
país, apoia a viabilizaçãode um
empréstimo emergencial paraas
distribuidoras. Dado que as con-
cessionárias já deverãoenfrentar
problema de caixa nospróximos
15 a 20 dias, a empresa defende a
possibilidadedeutilizaçãodeban-
cos públicos—comoBanco do
BrasileCaixaEconômicaFederal—
parainjetar recurso diretamente
nocaixadasdistribuidoras.
“Temosqueresolveroproblema
de forma pontual, criar uma linha
decréditoprimeiropararesolvero
problema imediato de curto prazo
junto aos bancos oficiais, via go-
verno,para [em seguida] fazer
umasoluçãode médio prazo, de
um ou dois meses, para resolver o
problema da queda de demanda e
da eventualinadimplência através
da conta do ACR[Ambiente de
Contratação Regulada]. Comisso,
nãosecriaacontaminaçãodetoda
a cadeia”, afirmouo diretor-presi-
dentedaEBE,EduardoSattamini.
De acordo comoexecutivo, a
notificação preventiva de ocorrên-
cia de forçamaior por algumas
distribuidoras na semana passada
preocupouosetor, maselediz
acreditar que os agentes honrarão
comseuscompromissos.
“Ela [a distribuidora] hojeestá
consciente de que, se quiser trans-
ferir oproblema paraoutros elos
da cadeia, vai contaminar os de-
maismembrosdosetor.Issolevará
a um colapso, auma falta de inves-
timento futuroea uma quebra ge-
neralizada”, disse. “Agoraéomo-
mentode buscar unidadedosetor
para que se mantenha uma saúde
mínimadomercado eresolver o
problemadasdistribuidoras.”
Agravidade da situaçãodas
distribuidoras pode ser medida
por um estudo inédito feito pela
consultoria Roland Berger e que
indica que mais da metadedas
concessionárias podeter geração
de caixa negativa com a crise. Isso
porque, ainadimplência espera-
dadeveráafetaroprazomédiode
recebimentodasdistribuidoras.
“A partir do momento queadis-
tribuidora fatura, em oito dias, na
média,elaobservaessefaturamen-
to se transformaremcaixa. Se esse
prazo médio de recebimento cres-
cer para12 dias,maisda metade
das distribuidoras teriacaixa ne-
gativo. Elas não têm essa sobrade
caixa parasuprir um impacto no
capital de giro tão grande”, afir-
mouDaniel Martins, diretor da
área de energia da RolandBergere
coordenadordoestudo.“Isso gera,
de fato,um grande impacto na li-
quidez, que é o problema mais im-
portante de curto prazo do setor
elétricobrasileiro”,completouele.
Para o especialista,um em-
préstimo emergencial para as
distribuidorasé “in evitável”. “No
médioprazo, apreocupação será
maiorem controlarperdas,ina-
dimplênciae dar umasolução
equilibradaparaoproblemada
sobrecontratação”, completou,
defendendoadiscussãode um
novopactoparaosetorelétrico.
Aindano estudo,aRoland Ber-
ger prevêuma quedamédia de 4%
do consumode energia no país
nesteano.Aestimativa é feita com
baseem uma projeção de queda
do PIB de 2% parao período. Se-
gundo Martins, aretomadada ati-
vidadeeconômicatendeaserlenta
egradual,com crescimentomédio
do consumo de energia de 1,7% ao
ano,entre2020e2025.
A economista eex-diretora do
BNDESElenaLandau,especialista
do setor, tambémprevêrecupe-
ração lenta da economia, apósa
pandemia. “Nada indica que essa
crisevai durar só 90 dias eque a
recuperaçãoseráem‘V’”, afirma.
Comuma visão pragmática,ela
diz enxergar um riscode judiciali-
zação no mercado de energia, na
medida em queogoverno demora
paraorganizar etomar medidas
paraumasolução sistêmica.“As-
simcomoopagamentodosR$
[de auxílio paraos trabalhadores
informais] demorou, se vocênão
tomarcontroleda situação [no se-
torelétrico],vaiterjudicialização.”
Segundoela, na crise do racio-
namentode energia, em 2001 e
2002,ogovernoagiurapidamen-
teparacoordenarocomitêdecri-
se ebuscar umasolução como
mercado, em que “todo mundo
cedeuumpouco”.Elalembra,po-
rém,que osetor hoje é mais com-
plexo,devidoàdiversificaçãoeao
aumentodonúmerodeagentes.
Equipe de Guedes vê com cautela renegociação de contratos
DeBrasília
UmaaladaAgênciaNacionalde
Energia Elétrica (Aneel) trata, co-
mo medida prioritária para aliviar
a crise no setor, a abertura de rene-
gociaçãodoscontratosjáfirmados
decompraevendadeeletricidade.
Comumaeventualredução dos
montantescontratados pelas dis-
tribuidoras, mediante aval da
agência reguladora, parte do pre-
juízo seriacompartilhada comas
empresas que atuamnos segmen-
tosdegeraçãoedetransmissão.
O Ministério da Economia,no
entanto,aponta problemasnesse
caminhoeenxergaoempréstimo
bancário às distribuidoras como
saída maisviável. Na avaliação de
integrantes da equipe econômi-
ca, se essa renegociação for auto-
rizada, rompe-se com umaesta-
bilidade regulatória que tem
atraído investidorespara os lei-
lões de energia —considerados
osmaisbem-sucedidosemtodaa
área de infraestrutura, pelos pre-
ços atingidos na geração e desá-
gionareceita-tetodos“linhões”.
Oúltimoleilão de transmissão,
em dezembro, teve deságio recor-
de de 60%. Ovalor do megawatt-
horanoscertamesdegeraçãotam-
bém desabou.Em 2019, a energia
fotovoltaicavendidanosleilõesdo
mercado regulado ficou abaixo
dosR$100pelaprimeiravezeaeó-
lica continua demonstrando forte
competitividade. Se for aberta a
possibilidade de renegociação
posterior dos volumes contrata-
dos, será um novorisco para os in-
vestidores,diz um auxiliar do mi-
nistroPauloGuedes.Aumenta-seo
risco,os empresáriosprecificame
vãopedirumretornomaior.
“Nospróximos leilões, obvia-
mente os preçoscobradosficam
maisaltos”, avalia um técnicoda
equipeeconômica. “Aí o consu-
midor tambémacabapagando
na tarifa,de outraforma, ao lon-
go dos anos.É um jogo de soma
zero, semprealguémvai pagar”,
diz essa fonte, acrescentando
que talvezoempréstimobancá-
rio às distribuidorasnão seja a
melhorsaída,mas se provea úni-
capossívelnocurtíssimoprazo.
A possibilidadede discussão
de um WACC —sigla em inglês
para definira taxa de remunera-
ção regulatória paraos investi-
mentos —temporariamente
maisbaixoévistacomoumsacri-
fício factívela ser cobradodas
empresas. Dianteda excepciona-
lidadeda criseprovocada pela
pandemiade coronavírus,não se
descarta que o WACC tenhauma
revisãomomentânea parafazer
com que as companhiasdo setor
elétricocomcontratosde con-
cessãotenhamlucrosmenores.
Recentemente, poucoantes da
emergência sanitária, a Aneel
anunciou os novos índices da taxa
deremuneraçãoparaasconcessio-
nárias do setor elétrico em 2020.
Para as distribuidoras,oWACC
caiu de 8,09% para 7,32% ao ano. O
índice é aplicadonas revisões tari-
fáriasperiódicasdecadaempresa.
Já os segmentos de transmissão
e geração tiveramoretornofixado
em 6,98% ao ano.OWACC vigente,
até então, era de 6,64%na trans-
missão ede 7,16% na geração.(DR,
colaborou RafaelBitencourt)
InfraestruturaAssociaçõespedemcardápiodeações,
emvezdeapenasempréstimo, paraatenuarprejuízos
Setor elétrico propõe
‘acordo geral’ para
atravessar pandemia
DanielRittner
DeBrasília
A equipe econômicaestudaum
socorro bilionário às distribuido-
ras de energia, por meio do Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico eSocial (BNDES)ou de
um “pool” de bancos comerciais,
mas uma ala majoritária da Agên-
cia Nacional de EnergiaElétrica
(Aneel) vê essa medida com ressal-
vas. Aagência avalia um cardápio
de ações, começando pela abertu-
ra de renegociações bilateral dos
contratosde fornecimento entre
geradorasedistribuidoras,como
alternativaparalidarcomacrise.
No sábado, oministro Bento Al-
buquerque (MinaseEnergia)fez
uma reunião virtual com as princi-
pais associações do setor elétrico e
recolheucontribuiçõesparaaado-
ção de medidas. Umadas associa-
çõestraçacenárioemqueasdistri-
buidoras terão queda de até 20%
no consumo de energia nestemês,
quandocomparadocomomesmo
período do ano passado,e35%de
inadimplênciano pagamentodas
contas. O corte de luz —mecanis-
mo considerado maiseficazpelas
empresas paraforçar clientes com
pagamentos atrasados a acertar
sua situação —foi suspenso por 90
diaspelaAneel.
Diante do rombo estimado em
até R$ 20 bilhões no fluxo de caixa
das distribuidoras, Albuquerque e
seusauxiliaresouviramsobreane-
cessidade de um “acordo geral”no
setor elétrico, no estilo do adotado
durante o racionamento de ener-
gia em 2001. “Vai ser preciso um
acordãono setor, envolvendoto-
dos os agentes, não medidas pon-
tuais”,dizPauloPedrosa,presiden-
te-executivo da Abrace, que reúne
grandes consumidoresindus-
triais. “A solução virá de várias par-
tes.Secada um colaborar um pou-
quinho,todosperderãomenos.”
Pedrosasugere um conjuntode
iniciativas paralelas:fundos seto-
riais voltados para eficiência ener-
gética e para pesquisa e desenvol-
vimentopodem ser redireciona-
dos. Ataxa de retorno de gerado-
ras, transmissoras edistribuidoras
(conhecidapelasiglaWACC)pode
ter umaredução momentânea. O
Tesouro Nacional podeparticipar
cobrindoencargos comoatarifa
socialparafamíliasdebaixarenda.
E o BNDES podeaportar recursos
no capital das empresas, com um
compromisso ecronograma de re-
vendapré-definidos, com ganhos
a partir da potencial valorização
defatiasacionáriasnopós-crise.
“Os impactos da crisenão de-
vem apenasser transformados em
um custo para os consumidores,
comprometendo a retomadada
economia”, disse Pedrosa,que foi
secretário-executivo do Ministério
de Minase Energia no governo Mi-
chel Temer,na videoconferência
de sábado.“A solução precisa
apontar paraamodernização do
setor, o fim dos subsídios, maior
eficiência do mercadoena aloca-
ção de riscos ecustos, eliminação
dos custos de políticas públicas
pagoscomoencargos.Nãoacolher
IMPACTOSDO
CORONAVÍRUS
empresasineficientes esegmentos
quedependampermanentemente
deproteçãoereservademercado.”
Em carta aos clientes, o presi-
dentedo Centro Brasileiro de In-
fraestrutura (CBIE), Adriano Pires,
vê uma possibilidade de que a car-
gadeenergiacomeceasenormali-
zarapartirdejunhoesecomporte
“dentro de patamares normais” ao
longo do segundo semestre. Mes-
mo assim,seria suficientepara
uma retraçãode 1,5%noconsumo
do sistema interligado em 2020, o
que significaria retiradade 2.
megawatts(MW)médiosnoano.
“Para o cenário de oferta ede-
manda, enxergamosum aumento
de um ano na coberturada de-
manda no horizontedecenal, pas-
sandode2024para2025.Logo,tu-
do maisconstante, leilões futuros
de energia seriamdestinados a co-
brirademandaapartirde2026.”
Piresacrescentaoutrapossibi-
lidadeno lequede medidaspara
análise:no casode concessões
pertode vencer, tantode usinas
hidrelétricascomode linhasde
transmissão, Pirescogitaahipó-
tese de diferimento de suas fatu-
ras em trocade um ativoregula-
tórioque se converteriaem am-
pliaçãodeprazodoscontratos.
Nasemanapassada,ogrupopa-
ranaense Copelestimou em R$ 15
bilhões a R$ 17 bilhões anecessi-
dadede empréstimo pararecom-
por o fluxo de caixa das distribui-
doras,quesãoumaportadeentra-
dadosrecursosnosetor.Nosbasti-
dores,fala-seematéR$20bilhões.
Omecanismodeajudaseriains-
pirado no resgate adotado em
2014, pelo governo Dilma Rous-
seff, que viabilizou crédito de um
“pool”de bancos àCâmara de Co-
mercialização de Energia Elétrica
(CCEE). A chamada“ContaACR”
acabousendorepassadaàstarifas.
UmafonteligadaaoMinistério
de Minas e Energia, no entanto,
faz o seguinte cálculo: cada R$ 1
bilhão paraas distribuidoras se
reverte em 0,6 pontopercentual
de aumento nastarifas paraos
consumidores. Se houver um em-
préstimo de R$20bilhões, oim-
pacto chegaria a12%. Mesmodi-
vididoemquatroanos,seriam3%
por ano.Por isso, defende essa
fonte, a primeira medida deveria
ser a renegociaçãodos contratos
decompraevendadeenergia.
“Éprecisopensaremumacordo
geral do setor elétrico”, acredita
Mário Menel, presidente da Abia-
pe, entidade que congregaas em-
presas autoprodutoras de energia,
comoAlcoa,GerdaueVotorantim.
Veteranona áreade energia,
Meneljá participou de momen-
tos célebres,comoa “câmarado
apagão”, que gerenciouo racio-
namento do governoFernando
Henrique Cardoso,eaMP 579,
medidaprovisória editadapor
Dilmae que redundouem pre-
juízodemaisdeR$100bilhões.
“A criseatualé maiscomple-
xa”,avaliaMenel,quandocom-
para os momentosde maiorsen-
sibilidade parao setorelétrico
nesteséculo. “Em 2001,osetor
elétricoera o centrode todasas
atenções e o governoestava vol-
tadoparaum socorro. A mesma
coisaaconteceuem 2012.Ocaos
seinstalou.Agora,háumadispu-
ta de prioridades. Estamos com
uma crise global, que pegaopaís
todo,eonossocobertorécurto.”
Menelapontaoprojetodeleipa-
ra resolvero risco hidrológicodas
geradoras (GSF na sigla em inglês),
em tramitação no Senado, como
exemplo das dificuldadesem meio
àpandemia de coronavírus. OPL
3975/19aguardavotaçãoem ple-
nário paraseguiràsançãopresi-
dencial e solucionar uma inadim-
plênciade90%nomercado“spot”.
Com quase10 mil MW de capa-
cidade instalada em usinas hidre-
létricas, os autoprodutores que-
remvendersuassobrasdeenergia,
emummomentodefábricaspara-
das,nomercado de curto prazo
(spot).Opreçodeliquidaçãodedi-
ferenças (PLD) nesse mercado está
no piso de R$ 39,68 por megawatt-
hora. Mesmo sendobaixo, as em-
presas poderiamter uma fontede
receitaparaatenuarsuasperdas.
Oproblemaé que,comuma
inadimplênciatão alta,só uma
pequenapartedo dinheirocai
efetivamentena contados ven-
dedores. “Quando oministro
Bentoentrou,ele prometeuuma
soluçãopara oGSF em 30 dias. Já
sepassaram15mesesdegoverno
eaindanãosaímosdoimpasse.”
PauloPedrosa,presidente-executivo daAbrace:“Secadaumcolaborarumpouquinho, todosperderãomenos”
LEO PINHEIRO/VALOR
CANAL UNICO PDF - ACESSE: T.ME/JORNAISEREVISTAS