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A10 Metrópole QUINTA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
ISOLADA, ILHA DE
NORONHA VOLTA
NO TEMPO
Arquipélago viu população cair pela metade e
quem ficou vigia cumprimento da quarentena
Lorenna Rodrigues
Com pressa pelo avanço da
pandemia do novo coronaví-
rus, o governo prepara uma
“operação de guerra” para
trazer, de forma mais rápida,
as 240 milhões de máscaras
que o Ministério da Saúde es-
tá comprando na China. Po-
derão ser contratados de 20 a
50 voos em aviões comerciais
para buscar os produtos.
De acordo com fontes do go-
verno, seriam necessárias de 15
a 20 aeronaves distintas para a
operação que, em volume, é con-
siderada a maior compra gover-
namental do exterior da histó-
ria – são 4 mil metros cúbicos e
960 toneladas.
Outra opção seria usar aviões
da Força Aérea Brasileira
(FAB), mas a avaliação é de que
as aeronaves da Força são meno-
res e demandariam mais voos, o
que custaria mais aos cofres pú-
blicos. Mesmo em aviões co-
merciais, as viagens poderiam
ganhar status de “voo de Esta-
do”, o que implicaria maior se-
gurança e menos burocracia no
transporte da carga.
A operação é encabeçada pe-
lo Ministério da Infraestrutura
com o envolvimento de vários
órgãos, incluindo a Controlado-
ria-Geral da União (CGU). A
pasta da Infraestrutura já come-
çou a fazer cotações com empre-
sas aéreas. Uma das interessa-
das é a Latam, que poderá ter
preferência, por ser brasileira.Itinerário. O Itamaraty estuda
agora onde seria o melhor local
para que as aeronaves façam es-
calas. Israel, Dubai e Nova Ze-
lândia são os destinos mais pro-
váveis para os pousos no mo-
mento. Os aviões precisam pa-
rar para reabastecer, mas a
maior dificuldade é que a carga
transportada é cobiçada por vá-
rios países neste momento e po-
deria ser interceptada.
A preocupação aumentou de-
pois de uma carga de respirado-
res comprada pelo governo da
Bahia ter ficado retida em Mia-
mi (EUA). O negócio foi cance-
lado pela empresa fornecedorae a suspeita é de que o material
tenha sido destinado para uso
norte-americano.
Por causa disso, os aviões bra-
sileiros devem evitar paradas
nos Estados Unidos e também
na Europa, que foi fortementeafetada pela pandemia. A expec-
tativa é de que cada voo leve cer-
ca de 40 horas. Usualmente,
uma carga com esse volume se-
ria transportada por navio, mas
isso levaria até 45 dias, um pra-
zo que o governo não pode espe-
rar no momento.Compras. Na sexta-feira, o go-
verno publicou no Diário Oficial
da União o extrato de dispensa
de licitação, informando a com-
pra de 200 milhões de máscaras
cirúrgicas e 40 milhões de más-
caras N95 com filtro, no valor
de R$ 694,320 milhões. O produ-
to é essencial para proteger pro-
fissionais de saúde no atendi-mento a suspeitos e infectados
por coronavírus.
A compra já foi publicada no
Diário Oficial da União, mas ain-
da não foi confirmada pelo for-
necedor. O contrato foi firma-
do com uma empresa de Wu-
han, justamente a cidade onde a
epidemia do novo coronavírus
teve início, no fim de 2019. O
embarque da mercadoria será
no Seroporto de Guangzhou.
Apesar dos contratos, não há
a certeza de que os produtos
chegarão. Em entrevista coleti-
va na semana passada, o minis-
tro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, disse que a pasta fez
a compra e espera a China “pa-cificar o mercado” para come-
çar a buscar os produtos.
“Quando o mundo acabar com
essa epidemia, eu espero que
nunca mais cometa o desatino
de fazer 95% da produção de
insumos que decidem a vida
das pessoas em um único
país”, declarou o ministro.
Até agora, contratos para a
compra de medicamentos e in-
sumos de saúde eram feitos já
com o frete incluído. Com a pan-
demia do novo coronavírus, no
entanto, os países passaram a
ser responsáveis por buscar os
produtos na China, o principal
fabricante mundial. / COLABOROU
VINÍCIUS VALFRÉFelipe Resk / RECIFEO
avanço do novo coro-
navírus obrigou Fer-
nando de Noronha a
voltar no tempo. Com o turis-
mo suspenso e comércios fe-
chados, o dinheiro parou de
circular, as praias ficaram va-
zias e parte da população de-
cidiu deixar a ilha que já con-
firma 14 diagnósticos da co-
vid-19. Entre os moradores,
há até quem incentive a práti-
ca de escambo na vizinhança
para superar a crise. Por falta
de UTI no arquipélago, a ad-
ministração local também es-
tá preparada para transferir
pacientes graves de avião.
Em Noronha, a rotina co-
meçou a virar do avesso após
o fechamento do aeroporto,
única porta de entrada para
turistas, no dia 21 de março.“Isso fez com que a gente cessas-
se praticamente toda a econo-
mia, tanto na área privada quan-
to pública, tendo em vista que,
da nossa arrecadação, 95% vêm
das atividades turísticas”, diz o
administrador geral do arquipé-
lago, Guilherme Rocha.
Na ocasião, 2.593 visitantes ti-
veram de voltar para casa. Ho-
téis, pousadas e restaurantes
suspenderam a atividade ou ten-
tam se manter por delivery.
Sem movimento, parte dos mo-
radores preferiu passar a qua-
rentena com a família no conti-
nente – em voos, por enquanto,
sem previsão de volta. Em ques-
tão de dias, Noronha viu o nú-
mero de pessoas despencar de
7,2 mil, considerando a popula-
ção flutuante, para menos da
metade: 3,5 mil, segundo estima-
tiva local. Em contrapartida, os
casos de coronavírus saltaram –mas sem nenhum quadro grave
ou morte – são 14 diagnósticos.
Os pacientes são mantidos em
casa, acompanhados por equi-
pes de saúde. Em Pernambuco,
o governo já considera que a
doença está entrando em “acele-
ração descontrolada”.
Distante 541 quilômetros do
Recife, o arquipélago não tem
hospital de alta complexidade
ou UTI. “A gente tem um hospi-
tal com 12 leitos bem equipados
e duas salas vermelhas, semi-in-
tensivas, com respiradores”,
diz Rocha. Para quadros graves,
o paciente teria de ser levado de
avião para a capital.
O resgate por avião em Noro-nha já é usado em ocorrências
graves, como acidentes. Atual-
mente, há duas aeronaves con-
tratadas para prestar o serviço e
o tempo de espera pode chegar
a 12 horas, por causa de limita-
ções para pousar na ilha à noite.Fiscais de ‘furões’. Com or-
dem de fechamento das praias,
viaturas da Polícia Militar fa-
zem patrulhas pelas ruas para
fiscalizar quem desrespeita os
bloqueios. Carros de som tam-
bém circulam para orientar so-
bre o isolamento social – medi-
das que recebem apoio de quem
optou por permanecer na ilha.
Em grupos de WhatsApp, rema-nescentes têm se organizado
até para filmar os “furões” e de-
nunciar aos órgãos públicos.
“A população está bem atuan-
te em divulgar pessoas que es-
tão circulando”, diz a empresá-
ria Janaina Ferreira, de 42 anos,
proprietária da Pousada Forta-
leza. Antes da suspensão dos
voos, moradores que desembar-
cassem na ilha, mesmo sem sin-
toma da covid-19, tinham de
passar sete dias em quarentena.
Já quem apresentasse qualquer
sinal de gripe ficava isolado por
duas semanas.
Segundo moradores, a princi-
pal angústia é saber quando o
turismo poderá ser reaberto.“Estou fazendo projeção de
gastos até dezembro porque
não sabemos quando a engre-
nagem, de fato, vai voltar”, re-
lata Janaina. O administra-
dor geral afirma que não há
previsão.
A empresária Adriana Flor,
de 48 anos, proprietária da
Pousada Mar Aberto, conta
que até a prática de escambo,
como uma forma de enfren-
tar a crise, voltou entre mora-
dores. “Se hoje tirei um ca-
cho de banana e o vizinho pes-
cou, a gente troca”, relata. “É
uma volta ao que acontecia lá
atrás, quando Noronha era
um presídio. A diferença é
que agora, por causa da inter-
net, a gente consegue dimi-
nuir a sensação de isolamen-
to.” Sozinha na pousada (as
duas filhas ficaram no Recife) ,
ela tenta manter a rotina dos
dias normais.
Pela preocupação com a
saúde mental dos morado-
res, a administração divul-
gou o telefone de três psicólo-
gas contratadas para fazer
atendimento remoto. Adria-
na não precisou recorrer ao
serviço. “Nesses dias, a natu-
reza está dando uma explo-
são de vida incrível. É aquele
pôr do sol que você diz: ‘Meu
Deus, obrigado por tudo’. No
fim das contas é um privilé-
gio ficar isolada aqui.”André Borges
Julia Lindner / BRASÍLIA
Pelo segundo dia consecutivo,
o Brasil registrou recorde de
mortes decorrentes do novo co-
ronavírus. Em 24 horas, foram
133 óbitos. No total, ao menos
800 pessoas foram vítimas da
doença no País. Com isso, o índi-
ce de letalidade chegou a 5%.
O número de casos confirma-
dos de covid-19, por sua vez, pas-
sou de 13.717 para 15.917, confor-
me os dados oficiais do Ministé-
rio da Saúde. Foram 2.200 no-
vos casos notificados nas últi-
mas 24 horas. Há pessoas infec-
tadas em todos os Estados brasi-
leiros. Só Tocantins não regis-
trou morte por covid-19 até es-
te momento.
Das 800 mortes, 655 tiveram
investigação concluída, sendo a
maioria das vítimas homens.
Em relação à faixa etária, 77%
dos óbitos eram de pessoas aci-
ma de 60 anos. Segundo o Minis-
tério da Saúde, 38 pessoas entre
20 e 39 anos morreram em de-corrência da covid-19.
A pasta registrou que 75% dos
pacientes que morreram apre-
sentavam pelo menos um fator
de risco (306 tinham cardiopa-
tia, 240 diabete e 55 sofriam de
doença neurológica). Apenas
25% não apresentavam comor-
bidades. Desses, 34% tinham
menos de 60 anos.
Wanderson Oliveira, secretá-
rio de Vigilância em Saúde, apre-
sentou os dados e observou que
o Brasil está em 14.º lugar em
número de casos confirmados
no mundo, em 12.º em mortes e
em 8.º quanto à taxa de letalida-
de para a covid-19. Desde o co-
meço do ano, o ministério rela-tou 34.905 hospitalizações por
síndrome respiratória aguda
grave. Mas, desde o primeiro ca-
so do novo coronavírus no País,
foram 31.451 internações, das
quais 11% foram por covid-19.
Em coletiva ontem, o minis-
tro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, reiterou a necessida-
de de isolamento social. Mas
evitou falar em multas ou adver-
tências pelo seu descumpri-
mento. “Não temos poder de
polícia, não somos donos dos
destinos das pessoas. Temos a
obrigatoriedade, por missão, de
dizer às pessoas ( o que fazer ).
Nós monitoramos, estamos co-
locando tudo que temos de me-lhor para que eles ( Estados e mu-
nicípios ) tomem as melhores de-
cisões com os números que eles
tiverem, com base em discipli-
na, foco e ciência”, disse.
O ministro lembrou ainda os
grupos antivacina, que vão con-
tra as recomendações de imuni-
zação, mas agora já estariam
vendo a necessidade de vacina
para a covid-19.Testes. O ministro falou que
se preocupa ainda com as gran-
des cidades. “Muita atenção”,
alertou. Segundo Mandetta, fo-
ram 17 dias para chegar aos cem
primeiros casos da doença no
País, depois mais sete dias para
registrar mil casos e mais 14
dias para 10 mil. E ponderou ain-
da que os testes não estão sen-
do feitos em todas as pessoas.ALMIR FERREIRA/ESTADÃOPANDEMIA DO CORONAVÍRUS
lUm bebê prematuro com co-
vid-19 morreu na Maternidade do
Hospital José Pedro Bezerra, na
zona norte de Natal, anteontem.
O caso foi confirmado pela Secre-
taria Municipal de Saúde de Na-
tal e trata-se, pelos relatos
atuais, da vítima mais jovem no
País. A mãe teve eclâmpsia e pre-
cisou passar por uma cesárea.
Agora, está isolada. / RICARDO
ARAÚJO, ESPECIAL PARA O ESTADOAté 50 voos
para a China
podem ser
contratados
l LogísticaParaíso confinadoRio relata 6 mortes em quatro comunidades, incluindo a Rocinha. Pág. A11 }
DÉBORA BARRETO/FIOCRUZComo
ocorre oataque
do vírusBebê prematuro é
vítima mais jovem
País tem recorde de mortes pelo segundo dia consecutivo
Dos 800 óbitos, 655
tiveram investigação
concluída, sendo a maioria
de homens e de pessoas
acima de 60 anos
960
toneladas é o peso total da carga
de 240 milhões de máscaras.R$ 694 mi
é o valor da compra.Governo vai trazer 240 milhões de máscaras
que o Ministério da Saúde está comprando
Voo só de urgência. Com restrições, espera para o socorro aéreo pode chegar a 12 horasImagens de
microscopia
eletrônica
inéditas no
Brasil mostram
o exato momen-
to em que
uma célula é
infectada pelo
novo coronaví-
rus. O registro
foi feito pelo
Instituto
Oswaldo Cruz..