O Estado de São Paulo (2020-04-09)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2020 Especial H7


NOVAS HABILIDADES


SIM, VOCÊ PODE


Daniel Martins de Barros


Aproveitar a quarentena para se dedicar a técnicas artesanais possibilita


novos aprendizados, além de ajudar a combater sintomas de estresse


Crochê. A youtuber Marie Cas-
tro, que se apresenta como de-
signer handmade e artista têx-
til, publica vídeos que incluem
lições acessíveis de técnicas ma-
nuais como o crochê. Entre os
últimos compartilhados, há
um, com pouco mais de 20 mi-

nutos de duração, em que ela
ensina a produzir um suéter
com restos de fios – uma boa
opção para quem não pode sair
de casa para comprar um nove-
lo novo (bit.ly/mccroche).

Técnicas de colorir. Os livros
de colorir foram um fenômeno
de vendas em 2015, tornando-
se febre entre adultos e crian-
ças. Esse tipo de publicação po-
de até ter perdido popularida-
de, mas, neste momento de qua-
rentena, reaparece como um
ótimo passatempo. Em seu ca-

nal no YouTube, a artista Gina
Pafiadache, com a parceria de
sua filha Carol, apresenta tuto-
riais para quem quer preencher
os desenhos dos livros com téc-
nicas mais avançadas do que
simplesmente passar o lápis de
cor. Entre os vídeos, há, por
exemplo, dicas para criar efei-
tos de dourado, transparência e
dégradé (bit.ly/ginapaf).

Pintura. Arte, criatividade e de-
sign são o lema do canal do You-
Tube de Mika Serur. De forma
despretensiosa, ela apresenta

desde os diferentes tipos de tin-
ta, como guache e a óleo, até pos-
sibilidades bem criativas para
quem quer se aventurar na área.
Há vídeos em que Mika mostra
como pintar nuvens em um es-
pelho; decorar os tênis inspiran-
do-se na obra A Criação de Adão ,
de Michelangelo; e até estilizar
uma jaqueta jeans a partir da
pintura A Noite Estrelada , de
Van Gogh (bit.ly/mkserur).

Lettering. Para quem procura
aperfeiçoar técnicas de estiliza-
ção de letras, o artista visual e

designer gráfico Filipe Grimal-
di, que costuma dar aulas de let-
tering no Sesc, comanda um cur-
so online em parceria com a ins-
tituição, com seis lições gratui-
tas (bit.ly/fglett), disponíveis a
qualquer momen-
to. Outra opção
são os cursos vir-
tuais da Faber Cas-
tell, que liberou
acesso gratuito à
sua plataforma on-
line até o dia 19 de
abril. Além de li-
ções de lettering, é possível
aprender técnicas de quadri-
nhos, aquarela, entre outras.

Jardinagem. No Instagram do

estúdio Jardineiro Fiel, que tem
sede em São Paulo, há boas di-
cas para quem quer aproveitar a
quarentena para dar mais aten-
ção ao paisagismo do lar. Em
uma série de lives , postagens e
stories , são abor-
dados temas co-
mo o cuidado
com as plantas
de casa e o lado
“terapêutico”
dos jardins. No
dia 14 de abril, às
19h30, Gabi Pi-
leggi e Rico Adinolfi participam
de um bate-papo online sobre
plantas na parede. A inscrição
para esse evento custa R$ 80
(bit.ly/jdfiel). / J.C.

Júlia Corrêa


Não é por acaso que as ativida-
des manuais são chamadas tam-
bém de passatempo. Afinal,
elas sempre ajudaram as pes-
soas a lidar com longos e difí-
ceis períodos de espera. Na mi-
tologia grega, por exemplo, há
um caso emblemático: enquan-
to aguarda que Ulisses, seu ma-
rido, retorne da guerra, Penélo-
pe tece um manto, que desfaz e
refaz constantemente.
Durante a quarentena, a con-
centração em uma atividade ar-
tesanal pode aliviar a tensão do
momento. Segundo o psicólo-
go e psicanalista Felipe Pimen-
tel, os benefícios de se dedicar a
um trabalho manual relacio-
nam-se com o combate aos
transtornos de estresse causa-
dos pelo isolamento, que envol-
vem sentimentos de exaustão,
dificuldade de concentração, in-
sônia e ansiedade. Segundo ele,
são sintomas muito ligados ao
“overthinking”, isto é, aos pen-
samentos incessantes.
“A aprendizagem manual li-
da com regiões do cérebro dis-
tintas das do pensamento racio-
nal, especialmente com a re-
gião direita. As atividades arte-
sanais, não puramente men-
tais, estimulam, assim, mais
áreas do cérebro, o que tem rela-
ção direta com o bem-estar”, ex-
plica. Ele, porém, alerta: as ativi-
dades não podem ser mero refle-
xo manual de um pensamento
obsessivo, como, por exemplo,
ficar arrumando as roupas sem
parar. “Deve ser algo lúdico,
que realmente nos distraia e
que dê a sensação de que esta-
mos fazendo algo do início ao
fim; de que o tempo transcorre
durante a sua execução.”
Foi buscando algo que a aju-


dasse em um momento de difi-
culdade que Elisa Dantas pas-
sou a se dedicar à costura, há
seis anos. Hoje, ela comanda o
canal do YouTube A Costureiri-
nha. “Para mim, costurar é co-
mo um superpoder, que me per-
mite materializar uma ideia. Vo-
cê é obrigado a estar presente,
sem pensar no futuro ou no pas-
sado. Não dá para costurar pen-
sando nos boletos”, brinca ela.
Acostumada a priorizar aulas
presenciais, Elisa teve de se
adaptar neste período de isola-
mento. Criou, por exemplo, a
série paga Costurar pra Quê? –
“no estilo Netflix”, tem episó-
dios como Costurar para Acal-
mar , em que sugere peças como
uma almofada de meditação.
Com as novas diretrizes do Mi-
nistério da Saúde, ela pretende
ensinar a fazer máscaras casei-
ras, o que evitou fazer, até então,
por causa da falta de orientações
claras sobre o assunto. Além de
todas essas iniciativas, sua pági-
na no Instagram e seu canal no
YouTube oferecem diversos tu-
toriais com lições bem acessí-
veis. “Para quem tem dado mais
atenção ao lar, tem vídeos em
que ensino a fazer guardanapos,
fronhas e porta-copos.”
Dedicando-se à marcenaria, a
jornalista e designer de interio-
res Eva Mota, que dá aulas de
marcenaria presenciais para ini-
ciantes, reforça que a concentra-
ção no fazer manual “permite
um novo olhar para nós mesmos
e as coisas ao nosso redor, nos
fincando no aqui e no agora e im-
pedindo que os pensamentos
nos levem para outros lugares”.
Em seu blog (blog.evamota.
com.br), há postagens com tuto-
riais bem apropriados para este
momento, em que nem sempre
temos acesso a materiais mais
complexos. É o caso do passo a
passo para a criação de móveis
com cabides de madeira, como
uma sapateira.

LIÇÕES DA INTERNET


A


conteceu na terceira sema-
na de quarentena. Cansa-
mos. Pelo menos eu cansei –
e vi mais gente reclamando que es-
tava difícil convencer o cérebro
que não eram férias, era preciso
manter o ritmo. Até nas crianças
percebi algo assim.
Parte do cansaço vem de encarar
o desafio de passar da jornada dupla
para a jornada simultânea. Manter
os vários pratos girando ao mesmo
tempo, como aqueles os artistas de
circo que equilibram ao mesmo tem-
po diversos pratos em varetas, traz
por si só uma sobrecarga. Mas é
mais do que isso. É um esforço extra

que precisamos fazer para conciliar es-
sas percepções conflitantes – estar em
casa com os filhos, como se fossem fé-
rias, e estar trabalhando normalmen-
te, como se estivéssemos no escritó-
rio. Nunca imaginei que isso gastasse
tanta energia.
Se há algo que nos rouba energia é a
gestão do tempo. Porque uma coisa é
saber que há trabalho a fazer, outra coi-
sa é conseguir se convencer de que não
temos todo o tempo do mundo. Em
casa, parece que o dia todo está dispo-
nível para cada uma das tarefas. Preci-
samos responder aqueles e-mails? Te-
mos tempo. Checar as tarefas da esco-
la? Ainda é cedo. Almoço? Já, já. E, con-

forme os ponteiros do relógio giram,
as atividades incompletas se avolu-
mam. Trata-se de um acúmulo que se
dá no limiar da nossa percepção – co-
mo acreditamos ter muito tempo, não
ficamos aflitos. No entanto, a força
que fazemos para não nos preocupar-
mos com o avançar das horas nos colo-
ca num estado de desconforto, leve
mas contínuo.
Nos anos 1950, o escritor Cyril Nor-
thcote Parkinson descreveu uma ar-
madilha na gestão do tempo numa fra-
se que posteriormente ficou conheci-
da como lei de Parkinson: “O trabalho
se expande para preencher o tempo
disponível para sua realização”. Não é
por outra razão que temos a impres-
são de que pessoas ocupadas são mais
produtivas. Nós mesmos, quando te-
mos prazos apertados, surpreende-
mo-nos com nossa capacidade de fo-

co. Muitas vezes, à custa de grande
aflição, é verdade.
Ao dificultar a organização das nos-
sas atividades, esse momento estra-
nho em que vivemos – uma espécie
de trabalho em home office forçado
e provisório – eleva a lei de Parkin-
son à sua expressão máxima. Parece
que levamos o dia inteiro para fazer o
que resolvíamos em minutos na em-
presa. Sentir que o tempo disponível
para um trabalho é o dia inteiro, sua
execução se estenderá de manhã até
a noite.
Some-se a isso a mania quase in-
consciente que temos de nos ocupar
com atividades dispensáveis e irrele-
vantes para nos livrar da sensação de
ócio. Alguns pesquisadores chamam
esse comportamento de “precrastina-
ção”. Ao contrário da procrastinação,
quando adiamos indefinidamente ta-

refas que sabemos não serem dis-
pensáveis – ou seja, que teremos de
realizar às pressas, no último minu-
to –, na precrastinação nós nos en-
volvemos com uma multidão de
coisas que não precisaríamos fa-
zer, apenas para ter a sensação de
estarmos produtivos. O procrasti-
nador deixa para amanhã o que pre-
cisaria fazer hoje. O precrastina-
dor faz hoje o que talvez não preci-
sasse fazer nunca.
A melhor solução para esses desa-
fios são os cronogramas. Nem sem-
pre precisamos deles no dia a dia, já
que os compromissos vão se suce-
dendo e impondo limites de tempo
uns aos outros. Mas agora, soltos no
tempo, podemos criar prazos tem-
porais por nossa própria conta.
Nem que seja para saber quando es-
tamos atrasados.

FACEBOOK/DANIELBARROSPSIQUIATRA

l]


Online. No canal do YouTube A Costureirinha, Elisa Dantas apresenta tutoriais que incluem criações práticas para o lar

Sextou!


Rédeas do tempo


FOTOS: ELISA DANTAS

DE CROCHÊ A
JARDINAGEM, HÁ

BOAS OPÇÕES PARA
O APRENDIZADO

A seguir, confira uma
seleção de páginas e
canais online que
ensinam diferentes
técnicas manuais

Criações.
Entre as lições
de Elisa, uma
almofada para
meditar

.
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